Opinião

As directas do PSD e o futuro

As directas do PSD e o futuro

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

O PSD não funciona na lógica do “coronelismo” ou do chamado “voto de cabresto”, que tão tristemente marcaram o cenário político do interior brasileiro. Os militantes exprimem, livre e secretamente, o seu voto. Mas os dirigentes, sejam eles concelhios ou distritais, são igualmente livres de manifestar a sua preferência, necessariamente pessoal, por este ou por aquele candidato

Não apenas os resultados apurados, mas também outros factos relacionados com todo o processo que rodeou as eleições directas do PSD, merecem, a meu ver, serena reflexão. E o mesmo sucede, naturalmente, com as consequências que projectam. Compreensivelmente, cada um terá, de todos esses aspectos, a sua leitura. E eu também tenho a minha que, com a honestidade que sempre tento colocar naquilo que escrevo e digo, tentarei, de forma breve, explicitar.

Começo pela conclusão mais óbvia de todas. Pela terceira vez, Rui Rio submeteu-se ao escrutínio dos militantes do partido. E, pela terceira vez, conquistou o seu apoio. Daí que, independentemente da posição que se tenha assumido nesta disputa (e eu, como é sabido, apoiei Paulo Rangel), não pode deixar de se reconhecer o mérito, pessoal e político, que isso envolve.

Noto, também, que, quando tantas vezes se diz que as eleições intrapartidárias tendem a reduzir-se a uma mera escolha de personalidades ou de estilos, em que as ideias contam pouco ou nada, o que agora se passou é bem o desmentido dessa leitura. Porque, em questões centrais de estratégia política, nomeadamente no que toca à relação com o PS após as eleições legislativas, os militantes foram colocados perante linhas de orientação claramente alternativas e optaram em consciência.

Sublinho, ainda, a forma como todo o processo decorreu. É certo que, aqui e ali, houve uma ou outra picardia, um subir de tom, uma acusação pessoal menos simpática. No essencial, contudo, as coisas decorreram com elevação e sentido de responsabilidade. Que diferença relativamente ao espectáculo triste a que se assistiu, no PS, aquando do confronto entre António Costa e António José Seguro ou face a quanto temos presenciado, nos últimos tempos, no CDS/PP.

Na leitura dos resultados, muitos aproveitaram para, de imediato, afirmar que se tratou da vitória dos militantes contra o aparelho. Não concordo. E, mais do que isso, acho que é uma leitura que apouca os militantes e o próprio partido.

Rui Rio teve 18852 votos e Paulo Rangel 17106. Uma diferença de 1746 votos, portanto. Assim sendo, faz algum sentido dizer que os muitos milhares que preferiram Paulo Rangel eram do aparelho? Que são menos esclarecidos que os que apoiaram Rui Rio? Que o seu voto foi condicionado? Que agiram no cumprimento de ordens de cabos eleitorais? É óbvio que não.

O PSD não funciona na lógica do “coronelismo” ou do chamado “voto de cabresto”, que tão tristemente marcaram o cenário político do interior brasileiro. Os militantes exprimem, livre e secretamente, o seu voto. Mas os dirigentes, sejam eles concelhios ou distritais, são igualmente livres de manifestar a sua preferência, necessariamente pessoal, por este ou por aquele candidato.

Ora, tal como sempre sucedeu no passado, esses dirigentes dividiram-se no seu apoio. E, nessa medida, só pode concluir-se que agiu tão legitimamente o presidente da distrital A, que disse estar ao lado de Paulo Rangel, como o presidente da distrital B, que manifestou a sua preferência por Rui Rio.

Houve, também, quem, tanto interna quanto externamente, se apressasse a vir dizer que foi destruída uma conspiração passista (e cavaquista) destinada a, com a vitória de Paulo Rangel, abrir caminho a um futuro regresso de Pedro Passos Coelho. Só delírios ou má-fé (ou os dois em conjunto) podem explicar essas afirmações.

Paulo Rangel não é núncio nem mandatário de ninguém. Correu por si. Fê-lo com toda a legitimidade que o seu percurso e as suas ideias lhe conferem. Como já o tinha feito em 2009, precisamente contra Pedro Passos Coelho. E, se é verdade que foi apoiado por militantes que estiveram com este, também granjeou o suporte de fundadores do partido ou de antigos apoiantes de Rui Rio.

Agora, encerrado o processo eleitoral, é tempo de olhar, exclusivamente, para o decisivo sufrágio que terá lugar no dia 30 de Janeiro.

Rui Rio tem, indiscutivelmente, uma renovada legitimidade, o que demonstra, aliás, o acerto de se terem realizado as eleições directas. Está, portanto, em melhores condições para se apresentar aos Portugueses como candidato a Primeiro-Ministro.

Para ter sucesso, muito dependerá dele próprio: da equipa que submeta ao próximo Congresso, das propostas que apresente em sede de programa eleitoral, dos apoios que consiga congregar na sociedade civil, da capacidade que demonstre no confronto directo com António Costa. Mas não há como negar que muito dependerá, também, da unidade que o partido seja capaz de demonstrar. Porque, sem ela, a credibilidade aos olhos dos Portugueses muito dificilmente poderá ser afirmada.

No seu notável discurso de reconhecimento da derrota, Paulo Rangel colocou, e bem, o acento tónico nessa dimensão. Contudo, declarações entretanto vindas a público, inclusive do Presidente do partido e de alguns apoiantes seus na compita eleitoral, não são muito tranquilizadoras a esse respeito. Esperemos que, rapidamente, o bom senso impere, porque o exemplo tem igualmente de vir de quem ganhou.

Também eu, na minha modesta dimensão, gostaria de aqui deixar o meu contributo para essa unidade.

Desde que abandonei a política activa, no Parlamento e no partido (mas, sublinho, nunca antes), critiquei muitas vezes Rui Rio pela forma, a meu ver insuficiente, como fez oposição a um Governo que está a arrastar Portugal para uma situação cada vez mais difícil. E não me arrependo de o ter feito, porque era a minha convicção.

Por isso mesmo, estou particularmente à vontade para dizer, neste momento, que, para um militante do PSD, entre Rui Rio e António Costa não pode haver qualquer hesitação. Porque Rui Rio é muito mais capaz do que António Costa. E porque, diferentemente deste, Rui Rio é conduzido, na sua acção política, pela leitura que tem do interesse nacional e não por uma lógica de calculismo partidário.

Foquemo-nos, portanto, no essencial e esqueçamos, nem que seja temporariamente, o acessório.

José Matos Correia escreve de acordo com a antiga ortografia

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate