Eu sei que a expressão do momento é em inglês. Traduzi-a propositadamente, uma vez que nunca fui – felizmente – alvo de qualquer assédio sexual em contexto laboral ou semelhante.
O sentido do meu texto é o de contribuir para o debate sobre o problema que é sentido por muitas mulheres e jovens no espaço público: o das agressões de teor sexual a que são expostas diariamente na rua – apenas e tão só por serem do sexo feminino. Um problema que se encontra, certamente, na raiz dos problemas que depois dão origem aos casos mais graves relatados no âmbito do #Metoo, pela sensação total de impunidade que geram.
Apesar de algumas destas agressões constituírem práticas com relevância criminal, elas são, em geral, menorizadas pela sociedade, como se de microagressões se tratassem, ou seja, como se fizessem parte de um mero preconceito com o qual as mulheres têm de conviver e com o qual acabam por se conformar.
Estas agressões são um problema que já vem de longe e que compromete a igualdade plena entre homens e mulheres: já as minhas avós e a minha mãe as relatavam, para que eu ficasse alerta e adotasse uma postura (ultra)defensiva na rua perante os homens. Hoje, as minhas filhas – as que já andam sozinhas na rua – continuam a relatar o mesmo mal, chegando a casa assustadas e frustradas por não saberem lidar com as pequenas perseguições e com as frases ordinárias que lhes são dirigidas por homens que as abordam.
Procurando alertar para este problema, junto-me ao testemunho de outras mulheres que por estes dias também denunciam estas práticas – numa demonstração de que estas são comuns e indiscriminadas –, contando três episódios a que fui sujeita em três fases diferentes da minha vida. Tenho vergonha de todos eles, embora não tenha culpa de nenhum. Conto-os apenas como testemunho na primeira pessoa de uma desigualdade que persiste e que não deveria embaraçar apenas aquelas que são vítimas, mas sim envergonhar-nos a todos enquanto sociedade. O meu intuito é o de contribuir para que a sociedade possa debater a questão e descobrir um caminho para erradicar este mal.
Quando andava no Liceu Pedro Nunes, fui confrontada várias vezes à saída da rotunda da Avenida Alvares Cabral por um homem que mostrava o seu órgão genital. Um dia, vendo um polícia do outro lado da estrada, fui ter com ele. Depois de denunciar o que vira e identificar claramente o homem que mantinha – naquele preciso momento – o comportamento exibicionista, a resposta que obtive foi: “Sim, esse homem está sempre aí! Ignora-o, diz-lhe que já viste melhor ou segue por outro caminho”.
Já mais velha, no tempo da faculdade, fui alvo de outra situação que gerou em mim um sentimento de grande impotência e injustiça. À porta de uma esquadra de polícia na zona do Campo Grande, um agente fardado que se encontrava à porta atirou-me com um “Se pudesse, comia-te já aqui!”. Lembro-me de como o sangue me ferveu nas veias ao ouvir aquele comentário, mas recordo também o medo que senti e me impediu de fazer a denúncia daquele comportamento abusivo: “O que me vai acontecer se entrar na esquadra? Vão levar-me a sério ou vão fazer-me pior?”
Há umas semanas – estávamos no final do confinamento – decidi ir fazer um passeio higiénico com a minha filha de dois anos ao Jardim da Estrela. Enquanto lá estava, sem que nada o fizesse prever, dois homens puseram-se à minha frente, dirigindo-se um deles a mim nestes termos: “Vá, mostra-me a tua racha!” Senti medo pela minha bebé e por mim. Mas senti também uma enorme vergonha que me fez atirar o olhar para o chão, pegar na minha pequenita ao colo e afastar-me rapidamente. Sem mais reação do que a de procurar no vidro mais próximo a minha imagem para perceber o que teria dado azo àquela interpelação gratuita, senti-me rebaixada na minha dignidade enquanto mulher, enquanto mãe – perante a minha filha que assistiu a tudo – e, sobretudo enquanto pessoa.
Que este debate sobre a igualdade entre homens e mulheres, agora iniciado, possa trazer a promessa de um mundo melhor para as nossas filhas e netas.
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