Opinião

Francisco Ramos ainda está em funções?

Os casos de “abuso de posição de poder, em benefício próprio e de clientelas várias, na toma de vacinas” é a questão desenvolvida neste artigo pelo sociólogo Pedro GHomes Sanches

A pergunta que faço no título não tem a ver com a competência ou incompetência do cavalheiro que preside ao Plano Nacional de Vacinação contra a covid-19, tem a ver com a ignomínia e com a violação dos princípios éticos a que está obrigado enquanto servidor do Estado. Bem sei que neste pântano à beira-mar em que nos tornámos isto importa cada vez menos, mas ainda há quem resista.

Os casos de abuso de posição de poder, em benefício próprio e de clientelas várias, na toma de vacinas proliferam nestes dias cinzentos. Cindindo ainda mais a união politicamente reclamada e societalmente necessária para debelar esta tragédia que se abateu sobre nós.

Não vou aqui tecer considerações sobre a imoralidade de quem, com 300 portugueses a morrer e mais de 10.000 contaminados diariamente, e um país inteiro confinado a morrer economicamente, se acha capaz de furar a lista de prioridades para, em benefício próprio, receber a vacina à frente, desde logo, de idosos vulneráveis, doentes e profissionais de saúde ainda por vacinar. Estou convencido que o seu retrato é, por si só, suficientemente asqueroso do ponto de vista moral para não lhe dedicar muitas linhas.

Não vou aqui tecer considerações sobre a soberba, ou deverei dizer desprezo?, com que os representantes do povo tratam os seus representados admitindo vacinar-se antes de todos os outros. Não estou, claro, a falar do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do primeiro-ministro e de alguns ministros; estou a falar dos outros (muitos) todos. Acho até que, neste caso, nos fazem um favor mostrando quem são.

Querem um exemplo? A generalidade dos portugueses não faz ideia de quem é Maria Begonha. Corrijo: não fazia. Agora faz. Maria Begonha tem 32 anos. Aqui há tempos mentiu no CV, coisa que não surpreende, porque parece que entre políticos medíocres é prática comum. O que interessa é que é deputada do PS e vai ser vacinada agora. Nas redes sociais os insultos não param. E eu acho que estão a ser injustos. Eu acho muito bem que Begonha seja vacinada agora, porque em política o simbólico importa. E é bom não esquecer que Begonha representa a falta de vergonha que pulula por aí. Que viva muitos anos e que nós, os ainda não vacinados se vivermos também, não nos esqueçamos dela.

Falo então de quê, quando pergunto se Francisco Ramos ainda está em funções? Os funcionários públicos devem reger-se por 10 princípios éticos, Francisco Ramos atropelou, de uma só vez, pelo menos 5.

Vamos primeiro às suas declarações à SIC Notícias, que são todo um tratado conciso de imoralidade e falta de vergonha. Francisco Ramos começa por assegurar que quem fez "batota", tomando a primeira dose da vacina, vai "com certeza" tomar a segunda. Ou seja, qualquer pilantra que, aproveitando a sua posição de privilégio, fez tábua rasa das regras que se aplicam a um país inteiro, vai ser premiado com a totalidade do bem roubado. Lição a reter: com esta gente, o crime compensa.

Não adianta a este propósito justificar com a necessidade de aproveitamento das "sobras" que têm de ser aproveitadas, porque nesta matéria outros países fizeram melhor e mais justamente, e isto levar-nos-ia a discutir a competência de quem coordena o processo em Portugal, e não é disso que aqui se trata.

Mas Francisco Ramos vai mais longe. Apela à solidariedade do povo português para que não se deixe tomar por sentimentos de "justiça popular", para justificar o crime e a sua recompensa. Mais: diz claramente que só os eleitores de um candidato presidencial que teve meio milhão de eleitores é que podem ter este tipo de indignação, lançando assim um opróbrio sobre 12% dos eleitores, uma espécie de "portugueses do mal".

O hediondo epitáfio público deste cavalheiro faz-se sozinho, por mão própria. Mas vale a pena, para não perdermos o pé do que ainda espero que seja um Estado de Direito e uma sociedade fundada na igualdade dos cidadãos, ver os princípios éticos violados.

O princípio do serviço público estipula que os funcionários se encontram ao serviço exclusivo da comunidade e dos cidadãos, prevalecendo sempre o interesse público sobre os interesses particulares ou de grupo. O princípio da legalidade diz que atuam em conformidade com os princípios constitucionais e de acordo com a Lei e o Direito. O princípio da justiça e imparcialidade que, no exercício da sua atividade, devem tratar de forma justa e imparcial todos os cidadãos, atuando segundo rigorosos princípios de neutralidade. O princípio da igualdade que não podem beneficiar ou prejudicar qualquer cidadão em função da sua ascendência, sexo, raça, língua, convicções políticas, ideológicas ou religiosas, situação económica ou condição social. E o princípio da integridade que os funcionários se regem segundo critérios de honestidade pessoal e de integridade de caráter.

Ainda restam dúvidas?

Das duas uma, ou o sr. primeiro-ministro demite prontamente este cavalheiro e pede desculpa ao país, ou assume para si a responsabilidade das suas palavras e das suas opções.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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