Opinião

A paixão pela Educação de Costa explicada por Guterres

O encerramento das escolas e a polémica sobre o ensino à distância e o papel dos estabelecimentos privados são os tópicos analisados neste artigo pelo sociólogo Pedro Gomes Sanches

Não, o Eng. Guterres não disse nada especialmente relevante nos últimos dias (meses? anos?) que nos ajude a compreender a crise que o país vive nos dias que correm. Lamento. A sua virtude explicativa remonta, na qualidade de primeiro-ministro, aos anos 90 do século passado. E, como um relógio avariado que dá horas certas duas vezes por dia, nessa altura também acertou duas vezes.

A primeira vez que acertou foi quando, num ano em que a taxa de desemprego estava particularmente baixa – atingiu em 2000 os 3,9% –, lembrou que por mais baixa que fosse, ainda que fosse só 1%, para aqueles que se encontrassem nessa situação a perceção era de que a mesma equivalia a 100%, tal o impacte que tinha na sua vida; de facto, "é só fazer as contas". Mas já lá vamos: à importância das contas e ao impacte individual dos números. A segunda vez foi quando declarou o pântano; pântano, que a Academia das Ciências está a ponderar atualizar no Dicionário com uma nova entrada: governo socialista.

Primeiro, um quizz. Quem é que disse: "É hora de voltarmos a dizer que a educação tem que ser de novo uma paixão deste país e é necessário investir na nossa educação"? (Palavras a reter: paixão, educação e investimento.) Muito bem, foi o Dr. Costa, em campanha eleitoral em 2015, relembrando uma paixão antiga precisamente do Eng. Guterres.

O mesmo Dr. Costa que prometeu, durante o primeiro confinamento covid-19, que no ano letivo de 2020/2021 todos os alunos do país estariam equipados com computadores para poder assistir a aulas online. E exatamente o mesmo Dr. Costa que, no incumprimento desta promessa, mandou suspender as aulas - todas e em todo o lado - no segundo confinamento covid-19.

Portugal tem cerca de 240.000 alunos no pré-escolar, cerca de 1.000.000 de alunos no ensino básico e cerca de 400.000 alunos no ensino secundário. Destes, cerca de 475.000 alunos são beneficiários da Ação Social Escolar. Portugal é, ademais, um dos países mais pobres da zona euro, e tem, nestes meses de frio, as casas mais mal aquecidas da Europa.

Ora, num tempo sombrio, de medo e morte, como este que se abateu sobre esta geração por causa do vírus chinês, o que é que o Governo apaixonado pela Educação e que prometeu computadores a todos os alunos faz? Manda-os para casa, para já por 15 dias, sem aulas, sem plano, sem horizontes, e entregues às famílias, muitas delas a braços com perda dramática de rendimento e estrangulamento económico.

Razões? Duas: evitar ser confrontado com a inépcia do seu ministro da Educação, que não garantiu que a promessa do primeiro-ministro fosse cumprida; e, no que já vem sendo um mantra deste governo sinistro, manter a obsessão ideológica antiprivados, que, na larga maioria dos casos, estão preparados para aulas à distância.

Nota de desagravo: o fecho das escolas, que o primeiro-ministro relutou, e bem, em decretar, era neste momento inevitável, como o primeiro-ministro acabou por perceber, também bem. Mas isso é diferente do abandono a que votou mais de meio milhão de crianças e jovens (descontando já os mais novos, que dificilmente, pela idade e maturidade, são compatíveis com aulas à distância) e suas famílias. Segunda nota de desagravo: o ensino à distância não é uma solução ótima e consistente para a aprendizagem, e agrava as assimetrias entre os alunos com melhores contextos familiares e os alunos em situações mais vulneráveis. Mas o ótimo é inimigo do bom, e teria sido seguramente melhor que nada.

Porém, dito isto, a decisão do Governo é uma decisão tipicamente socialista, justiça lhe seja feita: não querendo beneficiar muitos, resolve prejudicar todos. O fanatismo da igualdade de resultados da esquerda sempre lhe obnubilou a compreensão da igualdade de direitos e o princípio da equidade. No fim, e se isto perdurar, temos alunos com o presente perdido, o futuro a curto prazo prejudicado e um acelerador pressionado para desequilíbrios na sua estabilidade emocional e psicológica. É porque, tal como o Eng. Guterres bem lembrou, cada aluno (e cada família) sente a angústia, agravada pela ausência de rotina, como total.

Sou injusto na avaliação global que faço da política de educação do Governo? O investimento em Educação, como o Dr. Costa prometeu em 2015, cumpriu-se, dirão. Contrario: o que sabemos é que as despesas em Educação subiram nominalmente, já o seu peso no PIB, não. Mas vamos, benevolamente, por aí: o orçamento em Educação aumentou desde 2015.

E os resultados? O vilipendiado Nuno Crato tem insistido numa premissa que é estatisticamente demonstrada em todo o lado; e, sem exceção, também em Portugal. A premissa? Não há correlação estatística entre orçamento e resultados escolares. Aliás, desde 2000, em Portugal, quer se considere o orçamento executado para a Educação, quer se considere o orçamento da Educação/per capita com os resultados PISA, a correlação estatística - usando o Coeficiente de Pearson - não chega, em nenhum dos casos, a 0,2. Sabemos que correlações entre 0 e 0,3 são correlações insignificantes. Mais curioso ainda, é que nos anos anteriores ao ano em que Portugal obteve os seus melhores resultados do PISA (2015) foram exatamente aqueles em que as despesas com educação foram as mais baixas. Por outro lado, contraintuitivamente, nos anos em que a despesa foi maior (2009-2011) e a despesa per capita maior, os resultados do PISA não foram sequer um dos 3 melhores desempenhos em quinze anos.

Talvez, ainda neste caso, não seja redundante relembrar os resultados no TIMSS - Trends in International Mathematics and Science Study, dos estudantes do 4.º ano, publicados o ano passado. Depois de subirem até 2015, desceram em 2020. Avaliando um ciclo completo, houve até quem se lembrasse de dizer que a culpa era do Nuno Crato (versão sectorial para A culpa é do Passos).

Parece que foi Aristóteles que disse que "a educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces". Não fui confirmar. Mas o que todos por cá podem, infelizmente, confirmar é que o PS prova sempre o contrário disso: muito doces raízes nos começos, frutos sempre muito amargos no fim. Sempre no pântano.

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