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Opinião

A fotografia de John le Carré

Era um genial contador de histórias, um mímico respeitável, cómico e sério ao mesmo tempo. Imitava as vozes, os maneirismos, era a melhor companhia que se podia desejar

A fotografia de John le Carré

Clara Ferreira Alves

Escritora e Jornalista

O homem era muito alto. Bati com suavidade à porta, ele entreabriu, e pela fenda consegui dizer “sou jornalista, Expresso, venho para a entrevista”. O homem respondeu, agora não vou dar entrevista. Neste momento não. Insisti. Estava a ler e não ia interromper a leitura para falar comigo. Tudo dito com polidez glacial, naquele tom das classes educadas da Inglaterra. A fenda da porta alargou, ligeiramente. Conseguia agora ver a cara, fechada e sem um sorriso, com um sobrolho levantado. Percebido, lá se ia a oportunidade de falar com John le Carré. Perdido por cem perdido por mil, perguntei com insolência o que ele estava a ler que não podia ser interrompido. A porta abriu um pouco mais, deixando ver uma figura alta, com uma madeixa de cabelo de cor indefinida, louro branco, sobre a testa. Respondeu que era Flaubert, “Madame Bovary”. Aí eu não resisti e disse, adoro esse romance, já o li tantas vezes. E ele, eu também, quantas? Nove vezes. E dissemos os dois ao mesmo tempo, nove vezes. Nine times. Com esta declaração que parecia cronometrada, a porta abriu-se completamente. O escritor, admirado com a coincidência, continuou a falar de Flaubert, a atenção ao pormenor, discutimos ainda uma comparação com Tchekov, o modo como ambos conseguiam caracterizar uma personagem através do que a rodeava ou do estado da luz, ou das observações sobre a paisagem. E assim consegui a entrevista de David John Moore Cornwell. Aliás, John le Carré.

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