Opinião

Diário da Peste. Um cavalo branco atravessa uma estrada vazia

Diário da Peste,
1 de Maio

Ontem, Capitólio do Estado de Michigan.
Vários homens manifestam-se contra o confinamento e o estado de emergência. Muitos com metralhadoras.
Querem abrir as lojas e o comércio.
No Estado de Michigan, homens com metralhadoras ouvem argumentos, ameaçam e esperam.
Alguns deputados com colete anti-balas.
Um cavalo branco atravessa uma estrada vazia.
Um cavalo branco parece que pinta a paisagem quando passa.
Não é bem um animal, é uma cor.
Na Índia, numa obra, mede-se a febre antes de se carregar pesos gigantescos.
O que parece uma pistola apontada à cabeça é afinal a forma de medir rapidamente a temperatura.
Se não tens febre, podes trabalhar doze horas.
Um actor espanhol diz que recebeu a melhor das notícias quando teve alta depois de estar internado num hospital com coronavírus.
Aristóteles dizia que o maior prazer a que um humano pode chegar vem no momento de alívio, após uma grande dor.
Todos os outros, prazeres médios.
Prazeres mínimos, médios e o mais alto dos prazeres: o alívio da dor.
A melhor notícia não vem em linguagem, mas em pura biologia.
Comemorações do Dia do Trabalhador.
Em várias cidades da Europa: máscara e distância de dois metros entre cada um.
Para gritar é preciso tirar a máscara ou então o grito sai abafado e não parece grito, mas sussurro ou pedido gentil.
É preciso ter cuidado com a postura, dizem.
Arranje uma cadeira confortável, dizem.
Em casa, cadeira. Na rua, sapatos.
Na China, 117 milhões preparam-se de novo para viajar.
Uma doença rara, a doença de Kawasaki, “provoca manchas na pele, causa inflamações e afeta o coração de crianças”.
O governo francês vendeu móveis e tapeçarias antigas para financiar o sistema de saúde.
Troco o meu luxo pela minha urgência; o meu reino por um cavalo; os meus móveis antigos por oxigénio novo.
Não se sabe se a epidemia começou “por contacto com animais infetados ou se resultou de um acidente num laboratório em Wuhan”.
Em 2014, o Papa: “o tempo é superior ao espaço”.
Isto permite: 1 - esquecer o imediato.
2 - Suportar situações difíceis ou hostis. Etc.
Dar prioridade ao tempo.
É “mais importante iniciar processos do que possuir espaços”.
Mais importante iniciar do que comprar.
O tempo é superior ao espaço.
F. Schlegel: “a seriedade tem um determinado fim, o mais importante entre todos os possíveis”.
Pensar numa época séria: cada um só quer o mais importante entre todos os possíveis.
Estamos com os dois pés numa época séria; não há fuga.
«É de facto uma escolha moral terrível», notou Boris Cyrulnik, um psicólogo francês e neurologista. «A liberdade levará a mortes, enquanto que as restrições e negar às pessoas a sua liberdade pode afastar a morte mas trazer ruína económica», lembrou à Atlantic.
Quando se tem dois cavalos de igual tamanho como saber quem é a mãe?
A mãe é aquela que empurra o feno para o filho.
Sempre foi isso.

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