Os Estados Unidos da América, e em particular a Administração Trump, prossegue com a sua atitude de desconfiança perante aquela que se tornou a mais direta ameaça à sua hegemonia global, a República Popular da China.
Se já existia guerra comercial entre os Estados Unidos e a China – as duas principais potências económicas do mundo contemporâneo – a pandemia da covid-19 veio intensificar ainda mais essa tensão. Por entre aproveitamentos políticos, sobretudo do lado americano, tentativas de manipulação de informação e outras questões do foro económico e ideológico, o certo é que as relações diplomáticas entre os dois países já tiveram melhores dias. E a isto somam-se milhares de infetados, de mortes e um planeta inteiro “fechado” em estado de quarentena, ora imposta, ora voluntária.
E aqui começam as acusações bilaterais em que, por um lado temos um Presidente Trump a insinuar que o vírus foi resultado premeditado da mão humana e terá sido desenvolvido em laboratório pelos cientistas chineses, e, por outro, temos estes últimos a quererem dar indícios de que a covid-19 terá surgido na China por obra de forças militares americanas que terão levado o vírus causador da doença para Wuhan, o epicentro do surto epidémico na Ásia. Com isto, começam as consequências que minam as relações diplomáticas entre os dois países, essas mesmas relações que deveriam ser as mais fortes para benefício de toda a população mundial. Surgem as acusações e manifestações de discriminação para com os cidadãos da comunidade emigrante num país e noutro, e até mesmo as expulsões de jornalistas em ambos os países.
Vive-se uma situação que se poderia eventualmente comparar ao clima de Guerra Fria entre os Estados Unidos (mais uma vez) e a ex-União Soviética, mas eu chamar-lhe-ia antes – e usando uma expressão que ouvi há uns nos atrás um dos meus professores de faculdade utilizar – uma “Paz Quente”. Uma ‘paz’ porque, de facto, oficialmente, os dois países não estão em guerra e ‘quente’ porque os ânimos andam exaltados de ambas as partes, e a temperatura começa inevitavelmente a subir à medida que se agudizam as tensões.
Há um longo caminho a percorrer no sentido de alinhar estratégias e tentar encontrar convergências e não apenas divergências. É hora de salvar vidas humanas porque, sem elas, não haverá recuperação económica, nem por que haver. Nada pode ser mais importante que as pessoas e a sua relação simbiótica com a natureza. Sim, porque se não há evidências científicas quanto à teoria de que o vírus tenha sido criado em laboratório, já há estudos que corroboram que, independentemente da origem ter sido ou não nos morcegos, terá sido num animal. E tal deve-se, entre outros aspetos, ao facto de haver cada vez mais contacto entre animais considerados selvagens e humanos pela destruição dos seus habitats naturais e pelo cativeiro em que os humanos os mantêm, seja para sua alimentação, seja para uso como animais de estimação ou qualquer outra finalidade.
A China tem, sem dúvida, que rever a sua regulamentação no que toca aos seus mercados tradicionais, pela falta de condições de higienização e custos que isso acarreta para a saúde pública. Não obstante essa matéria, não dá o direito a nenhum outro país de apontar a República Popular da China, neste caso específico, como a culpada por esta pandemia. Em Portugal diz-se muito que a “culpa não pode morrer solteira”, mas neste caso, terá de morrer. Nunca na História da Humanidade se rotulou um país de “responsável” por uma determinada calamidade em termos de saúde pública e, como todos sabemos, já houve várias epidemias e pandemias ao longo da História em que tal poderia ter acontecido.
Seria bom que os dois países, pela cabeça dos seus respetivos líderes presidenciais, independentemente das posições políticas e convicções ideológicas de ambas as partes (porventura, serão sempre algo antagónicas), pudessem pensar à luz de um dos ensinamentos do sábio filósofo Confúcio: “Quando duas ondas colidem, nenhuma chega ao seu destino”.
Anabela Santiago
Doutoranda em Politicas Públicas (Universidade de Aveiro) Mestre em Estudos Chineses (Universidade de Aveiro/ ISCTE)
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