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Apanhem os restos e baixem as bandeiras

Apanhem os restos e baixem as bandeiras

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

Bandeira dos Estados Unidos da América a meia haste na Casa Branca, em Washington
Anna Moneymaker/Getty Images

Bom dia.

Um homem foi morto e tudo indica que o tenha sido por causa das ideias que defendia. Uma bala levou o ativista conservador americano Charlie Kirk, aos 31 anos, enquanto discursava na Universidade de Utah Valley perante cerca de três mil pessoas. O suspeito do homicídio, que disparou de um telhado, anda a monte. Dois homens detidos quarta-feira à noite, no âmbito da investigação foram interrogados e, em seguida, libertados.

Kirk era próximo de Donald Trump e foi vítima de um “assassínio político”, segundo o governador estadual, Spencer Cox, embora assuma que não há um motivo claro para o ataque. O orador levou a mão ao pescoço, quando atingido, e caiu da cadeira, gerando pânico entre o público, que se apressou a correr em busca de lugar seguro. Levado para o hospital, Kirk não sobreviveu. Deixa mulher, uma filha de 3 anos e um filho de 1.

O Presidente dos Estados Unidos prometeu “encontrar todos e cada um dos que contribuíram para esta atrocidade e para mais violência política, incluindo organizações que a financiam e apoiam”. O chefe de Estado culpa a “esquerda radical”, que ao longo de anos “comparou americanos maravilhosos como Charlie a nazis e aos piores assassinos em massa e criminosos do mundo”. Esse tipo de retórica, frisa Trump “tem de parar e já”. Tem razão, ainda que bem pregue frei Tomás.

A polarização do discurso político é inegável e, sem ser exclusiva do nosso tempo nem dos States, em ambos se agrava. São copiosos os exemplos em que das palavras se salta para atos de violência (Pim Fortuyn, Anna Lindh, Shinzo Abe, Gabby Giffords, Robert Fico ou, entre nós, José Carvalho, to name but a few), sem especial distinção de campo ideológico. Sintomaticamente, o Congresso não conseguiu sequer fazer um minuto de silêncio em memória de Kirk; democratas e republicanos preferiram trocar berros.

Só no país de Kirk contam-se, em anos recentes, fogo posto na casa do governador democrata da Pensilvânia, Josh Shapiro; e em instalações da Tesla, de Elon Musk, enquanto foi aliado de Trump. O marido de Nancy Pelosi, antiga speaker da Câmara dos Representantes, foi agredido a martelo. Houve tentativas de raptar a governadora democrata do Michigan, Gretchen Whitmer, e, é claro, a invasão letal do Capitólio em janeiro de 2021.

O atual Presidente foi alvo de atentados falhados. Quatro dos seus antecessores, isto é, 9% dos titulares do cargo, foram assassinados (outros tantos morreram de morte natural e só um abandonou a Casa Branca por demissão). Kirk, cristão evangélico e nacionalista, gostava de convidar membros da plateia para debaterem ideias com ele. Que isso seja destacado em obituários como algo singular é sinal do momento perigoso que vivemos.

Isso mesmo espelham artigos lidos nas últimas horas, sobre o flagelo da violência política e recordando quem era o homem que perdeu ontem a vida devido às suas ideias, em jornais como o “Financial Times”; “Politico”; este, este e mais este de “The New York Times”; este e este do “Telegraph”. Quanto ao ato vil de que aqui falo, banalizar-se-á com um encolher de ombros, como ilustra o verso de “Murder most foul”, canção de Bob Dylan sobre o assassínio de John F. Kennedy, que pilhei para título deste Curto.

Outras notícias

GUERRA O abate de mais de uma dezena de drones russos sobre a Polónia só pode ter uma resposta da NATO: impor uma zona de exclusão aérea nos céus da Ucrânia, escreve o entendido Rui Cardoso. No Expresso da Manhã de hoje, sobre este assunto, a académica Maria João Tomás é convidada de Paulo Baldaia.

ELEIÇÕES O que une e separa os principais candidatos às presidenciais de janeiro de 2026? A Liliana Coelho explora aproximações e divergências entre Henrique Gouveia e Melo, Luís Marques Mendes, António José Seguro e João Cotrim de Figueiredo. A estes e a outros candidatos improváveis e outros ainda putativos, junta-se uma mulher: Catarina Martins, contra “os homens do costume”, informam a Margarida Coutinho e o Pedro Carreira Garcia.

PROTESTO França viu ontem erguerem-se em várias cidades manifestações sob o lema “Bloqueemos Tudo”, de gente exasperada com o sistema. Mateus Santa Rita relata o que viu em Paris.

PAUSA O Governo cedeu à controvérsia e vai rever várias normas do pacote “Trabalho XXI”, entre elas a amamentação, luto gestacional e trabalho flexível, noticia a Cátia Mateus.

QUEIXAS As indemnizações pagas às populações para cobrir os prejuízos causados pelos fogos florestais, danos em habitações e lavoura são vistas como instrumentos da campanha autárquica, explica o Amadeu Araújo.

ESCÂNDALO Trump bem tenta apagar vestígios da sua amizade com o falecido milionário Jeffrey Epstein, abusador sexual de menores. Mas uma missiva recentemente divulgada assombra o Presidente americano, como se lê neste trabalho da Catarina Maldonado Vasconcelos.

JULGAMENTO Cristina Segui, influencer de direita radical espanhola, é acusada pelo Ministério Público de ofensas e difamação contra dirigentes do Bloco de Esquerda. Começa a responder hoje em tribunal, conta o Rui Gustavo.

ANIMAIS Javalis e lontras pululam entre nós, assegura o Luís Francisco, sem propósito metafórico, num texto que fala também de coatis (quem conhece?). De Setúbal ao Tâmega, fique a saber por onde anda este fungagá da bicharada.

Frases

“Esta formulação ignora a opinião científica e o consenso estabelecido na história e na ciência política, tanto a nível nacional como internacional, desvalorizando décadas de investigação.”
Filipa Raimundo e João Cancela, organizadores do livro “As Eleições de 1975: Eleições Fundadoras da Democracia Portuguesa”, no “Público”, a respeito de o Governo ter resolvido apagar da História as primeiras eleições livres e democráticas em Portugal (Assembleia Constituinte, 1975) para justificar mais um festejo do 25 de Novembro como se não fosse uma de várias relevantes datas subsidiárias do 25 de Abril

Em 2018, houve um descarrilamento, sobre o qual Medina recusou prestar esclarecimentos. Com Moedas, a Câmara continuou o serviço sem investigar o modo como a MNTC assegurava o serviço.
Clara Ferreira Alves, num texto sobre a manutenção do Elevador da Glória

Podcasts a não perder

🛥️ Ana França conversa com Miguel Duarte, um dos participantes na flotilha que se dirige à Faixa de Gaza, no mais recente O Mundo a Seus Pés.

🗽 No 24º aniversário dos atentados de 11 de Setembro, Rui Tavares fala não das Torres Gémeas, mas do homem que as projetou, num episódio do Tempo ao Tempo.

⚽ Com escassas oportunidades, mas bom aproveitamento das mesmas, Portugal deu passos importantes na qualificação para o Mundial de 2026, defendem Rui Malheiro e Tomás da Cunha, falando com a Lídia Paralta Gomes em No Princípio era a Bola.

O que ando a ler, ver e ouvir

Percorri num ápice as 68 páginas de “Ucrânia: fazer das fraquezas forças” (Zigurate), ensaio da politóloga Anna Colin Lebedev traduzido por Carlos Vaz Marques sobre como o país que a Rússia invadiu se preparou para o ataque ao longo dos oito anos em que decorria no seu flanco leste uma guerra larvar que mereceu pouca atenção aos ocidentais. É interessante ver como um povo que pouco confiava no seu Estado se uniu em defesa da nação ameaçada, tendo os êxitos não cabais obtidos ficado mais a dever-se à iniciativa da sociedade civil do que a instituições que eram nitidamente débeis. Não sei se este livro, diminuto na dimensão, que não na relevância, vem inaugurar nova coleção na editora. Oxalá que sim.

Na ficção, trago do verão grata memória de “Tudo é rio”, da brasileira Carla Madeira, que há meses aguardava na mesinha de cabeceira. História que vai de casas de famílias ao lupanar, com ligações cruzadas (amorosas, sexuais e outras) a recordar certo poema de Carlos Drummond de Andrade, numa prosa rica e navegável que me fez querer ler as suas outras duas obras publicadas entre nós, “Véspera” e “A natureza da mordida”.

No cinema, as últimas sessões foram europeias e díspares, com o francês “Três amigas”, outra história de ligações cruzadas, que entusiasmou o (exigente) crítico Vasco Baptista Marques, do Expresso (cuidado, que a recensão tem spoilers); e o divertido “Downton Abbey: Grand Finale”, derradeira (dizem eles) iteração da saga dos condes de Grantham, que faz as delícias de um anglófilo como yours truly, que já visitou Highclere Castle, onde foram rodadas a série televisiva e as três longas-metragens. A mais recente película não tem a grande Maggie Smith (que, aliás, afirmava não ter visto nenhum dos episódios em que entrou), mas é-lhe dedicada com todo o mérito e divertiu-me imenso.

O teatro está presente na rentrée, claro, morando já na agenda o célebre “Arte”, de Yasmina Reza, agora levado à cena por António Pires no Maria Matos, com Cristóvão Campos, Nuno Lopes e Rui Melo; “Julieta e Romeu”, glosa a Shakespeare de Ricardo Correia, encenada no Trindade por Ricardo Gil e com Inês Pires Tavares e Ivo Arroja; e, ao fim de incontáveis tentativas, “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”, de Tiago Rodrigues, na Culturgest.

Termino com a música, para fazer duas propostas descentralizadas. A 15 de outubro a glória brasileira Ney Matogrosso leva ao Multiusos de Gondomar o seu show “Bloco na Rua”, cuja qualidade posso atestar. Já a 6 de dezembro, é o viseense Teatro Viriato que tem o privilégio de receber o maliano Ballaké Sissoko e o inglês Piers Faccini para a apresentação do belíssimo álbum “Our calling”.

Há mais delícias melódicas. Esta semana têm-me bastado as duas canções dos Cure que Olivia Rodrigo entoou com Robert Smith em Glastonbury, prenúncio de disco ao vivo da jovem cantora. Está para chegar “L’amour à la folie”, provável último registo do duo (também do Mali) Amadou & Mariam, já que o primeiro se finou em abril último. As faixas já disponíveis prometem. Na erudita, Jordi Savall atira-se às “Estações” de Joseph Haydn, com os seus agrupamentos La Capella Reial de Catalunya e Le Concert des Nations; e o britânico John Rutter promete para outubro “In the poet’s garden”, interpretado pelos Cambridge Singers. Também fiquei curioso com a ópera de Dino D’Santiago, que falou com o Mário Rui Vieira e a Rita Carmo para a Blitz. Até que saiam, vou ouvir Silvia Pérez Cruz e Salvador Sobral ao Coliseu.

Com a chávena a deitar por fora, este Curto fica por aqui. Acompanhe connosco a atualidade, enquanto fechamos mais uma edição impressa do semanário, que tem tudo para o levar amanhã às bancas. Até breve e até sempre!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pcordeiro@expresso.impresa.pt

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