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De volta ao normal que não volta

De volta ao normal que não volta

Raquel Moleiro

Jornalista

Bom dia.

A partir de amanhã, a D. Maria vai receber o SMS para tomar a terceira dose da vacina contra a covid-19. A operação iniciou-se com os idosos dos lares e estruturas residenciais, agora avança para os que lá não estão. Ela tem 84 anos e continua autónoma, na sua casa de Sintra. Não é bem dela, mas viveu lá uma vida inteira. É alugada, com aquelas rendas pequeninas que lhe calam as reclamações aos proprietários, que por sua vez fingem não ver as rachas profundas na fachada, as janelas velhas, a humidade entranhada que ela esfrega a lixívia para bem da saúde dos seus. Esfregava. Agora já não tem de quem cuidar.

O marido de sempre, filho do sapateiro da rua que ela conhecera ainda gaiata, morreu de covid. Foi-se num mês e deixou-a sozinha. Na moradia plurifamiliar, na zona histórica de Sintra viviam até há pouco tempo três agregados e agora só resta ela. Dentro e fora. Desapareceram também da rua as vizinhas, as garotas da sua idade como lhes chamava, com quem conversava tantas vezes a partir da janela do primeiro andar, com voz colocada mas sempre doce.

A casa da frente está a ser demolida – era lá o sapateiro – para dar lugar a outra mais moderna, e turística, simulada num letreiro, já sem o limoeiro que servia a rua inteira. O vizinho do lado direito perdeu a razão com a morte da mulher, e foi há uns meses para um lar.

Agora a D. Maria só espera que a administração da terceira dose da vacina - cuja operação deve estar terminada antes do Natal - salve outros do mesmo fado. Para ela a inoculação é só um remendo nos dias a que deixou de chamar vida. Ela bem sabe que o tempo não para, mas a pandemia mudou tudo depressa demais para demasiadas pessoas, de forma irreversível. Ainda assim vai tomá-la e ser mais uma a contribuir para a descida dos números – ontem houve menos internados, menos casos ativos, mais de mil recuperados e incidência em queda -, na esperança que o bicho desapareça de vez e a vida (a dos outros) volte ao normal.

Não devem ser poucos a pedi-lo hoje, neste 13 de outubro, em que se celebra a 6.ª Aparição de Nossa Senhora e o milagre do Sol, e o Santuário de Fátima se enche com dezenas de milhares de fiéis, já sem limites pandémicos de lotação. Ontem foi noite de procissão das velas, na última grande peregrinação do ano, e a imensa luz que iluminava o recinto principal do Santuário diz muito sobre os muitos que lá foram. Estavam inscritos 37 grupos de peregrinos de 12 nacionalidades, o que aponta para o gradual regresso à normalidade na Cova da iria.

E, aparentemente, no resto do país. A fazer Fé no que diz o Governo sobre o Orçamento de Estado, ontem apresentado no Parlamento pelo ministro das Finanças, a proposta integra várias medidas tendentes a apagar os efeitos do vírus na vida nacional. Há um novo incentivo fiscal à recuperação das empresas, aumentos na função pública e das pensões, alívio fiscal para os mais desfavorecidos, combate à pobreza na infância, mais apoios à família e aos jovens, investimento nos serviços públicos de Saúde e Educação, mais quatro hospitais até 2023, fundos para a CP e para a TAP, redução da dívida pública… Veja nesta infografia onde o Governo pretende gastar os €105,8 mil milhões do OE.

Diz o ministro João Leão que é um bom orçamento, de recuperação da normalidade, o que dá o maior impulso macroeconómico de sempre, o mais expansionista, o que permite um crescimento da economia de 5,5% e uma descida do desemprego para 6,5%, e que não vê como não possa ser aprovado.

Mas o seu entusiasmo não contagiou nem PCP nem Bloco de Esquerda que já lhe anunciaram o chumbo, se avançar assim como está. O PAN criticou a falta de ambição, deixando o voto em aberto. Há seis anos que a esquerda não recusava à partida uma proposta de OE de António Costa. Até à fase da especialidade, seguem-se 15 dias de exigências, cedências, intransigências e entendimentos. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares espera uma negociação longa, como no ano passado. E o vencedor é?

OUTRAS NOTÍCIAS

Em Lisboa, Fernando Medina
, que perdeu nas eleições autárquicas o seu lugar como presidente da Câmara Municipal da capital, anunciou agora que renuncia ao cargo de vereador sem pasta, para facilitar a vida ao novo edil, Carlos Moedas. “Julgo que esta é a solução que melhor serve os interesses da cidade, o funcionamento das reuniões do executivo da autarquia e a capacidade da oposição camarária se concentrar no futuro e não no passado”, lê-se na carta que endereçou à Assembleia Municipal.

No Porto, Rui Moreira pede mais vigilância nas ruas, na sequência da morte de um jovem de 23 anos, agredido na madrugada de domingo na baixa da cidade. O autarca garante que já tinha alertado o ministro da Administração Interna e António Costa de que “podia acontecer uma tragédia”, devido às concentrações em áreas públicas de jovens a consumir álcool. Suspeito do crime ficou em preventiva e PGR abriu inquérito ao caso.

O PS entregou ontem no Parlamento um projeto de Lei para estender o período de luto parental dos atuais cinco para 20 dias, na sequência de uma petição com mais de 84 mil assinaturas da Acreditar, a Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro. Além do PS, a petição recebeu o apoio do Bloco de Esquerda, PCP, PAN e PEV, partidos que também anunciaram a intenção de apresentar diplomas sobre o tema. Hoje a organização vai ser recebida pelo PSD.


Esta quarta-feira, será aprovada na Assembleia da República, na Comissão de Orçamento e Finanças, a lei que consagra o direito ao esquecimento. Diz o Público, que a quase impossibilidade de uma pessoa que superou um cancro contrair um crédito à habitação vai acabar em breve. Diploma contra a discriminação nos seguros de vida inclui também VIH e diabetes.

Também hoje a AR acolhe o debate do projeto do PS sobre as alterações à lei-quadro das ordens profissionais, que já mereceu duras críticas de algumas das organizações – há 20 em Portugal. Estão previstas mudanças de fundo, que eliminem entraves no acesso a profissões reguladas, exige Bruxelas.

A África do Sul vai receber financiamento da Organização Mundial da Saúde para desenvolver uma vacina contra a covid-19, com o objetivo de que África se torne autossuficiente na sua produção nos próximos 20 anos.

À população do Afeganistão vai chegar um pacote de ajuda de mil milhões de euros, aprovado pela EU. Haverá ainda apoio adicional especializado para vacinação, abrigo, bem como proteção de civis e dos direitos humanos do povo afegão e dos países vizinhos.

Jair Bolsonaro foi acusado de crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional por uma ONG austríaca. A Allrise afirma que o Presidente brasileiro é responsável anualmente pela desflorestação de cerca de 4 mil quilómetros quadrados da floresta amazónica e que a taxa de desmatamento aumentou 88% desde que chegou ao poder.


Portugal venceu por 5-0 o Luxemburgo, com três golos de Ronaldo e 100ª internacionalização de Rui Patrício. A qualificação para o Mundial de 2022, no Catar, está cada vez mais próxima. Portugal está na 2ª posição do grupo A, com menos um ponto do que a Sérvia.


FRASES

“Foi constatada a forte suspeita de existirem objetos que, apesar de aparentarem corresponder aos que foram apreendidos, poderão não ser os originais.”
Tânia Loureiro Lopes, juíza, no despacho que ditou a remoção das obras de arte que estavam na casa do ex-banqueiro João Rendeiro, na Quinta Patiño (Cascais), para verificação da sua autenticidade. A coleção foi apreendida há dez anos e pertence ao Estado.

“Sem contemplações, não há contemplações neste campo, e todas as ações que tiverem de ser feitas para o reconhecimento da verdade deverão ser feitas.”
António Marto, bispo de Leiria-Fátima, em reação ao relatório sobre os abusos de menores na Igreja em França. Bispos avançam em Portugal com grupo coordenador nacional das comissões diocesanas de proteção de menores e adultos vulneráveis.

"As decisões sobre confinamentos e distanciamento social durante as primeiras semanas da pandemia e os conselhos que levaram a isso são considerados uma das falhas de saúde pública mais significativas que o Reino Unido já viveu".
Relatório do parlamento britânico, que aponta grandes erros à abordagem adotada pelo país face à crise sanitária provocada pela pandemia.

“Não vemos um único sinal que indique que o fim da erupção em La Palma está próximo.”
Carmen López, diretora do Observatório Geofísico Central, em entrevista ao El Mundo. Lava do Cumbre Vieja já atingiu 595 hectares da ilha.



PODCASTS A NÃO PERDER

O 'tautau' de Cavaco Quem esteve tanto tempo sem dizer nada não aparece por acaso... Nesta Comissão Política ainda não se discute o Orçamento de Estado mas há vários temas em cima da mesa: o futuro do CDS, o Conselho Nacional do PSD e a reprimenda de Cavaco Silva. Vitor Matos, David Dinis, Cristina Figueiredo e Filipe Garcia são os comissários de serviço.

🎥 Capitão Fausto, Tim Roth, Sigourney Weaver Neste CineTendinha há destaque para o filme-concerto dos Capitão Fausto com a Orquestra das Beiras, a estrear em breve. Passagem também por Cannes para Rui Pedro Tendinha nos falar das últimas novidades de cinema.

🚗 Quantos carros cabem em 10 anos? O programa da SIC Notícias Volante faz 10 anos. Rui Pedro Reis conversa com Silva Pires sobre os carros mais emblemáticos que conduziram e olham para o Salão da Mobilidade em Munique.


O QUE ANDO A LER

Silverview, de John Le Carré

Não faz bem o meu tipo de livro, nem sequer de filme. Já nem sei há quantos anos – décadas? – não leio nada com espiões e intriga e suspense. Mas esta é a derradeira obra de John Le Carré, e nada como recomeçar pelo fim (e em bom) para retomar o gosto pelo género, perdido algures na adolescência.

Silverview ficou pronto antes da morte do escritor, aos 89 anos, a 12 de dezembro de 2020. Foi o seu 26º livro em 60 anos de carreira, lançado ontem a nível mundial - em Portugal pela D. Quixote. Ainda não deu para ler muito, mas o suficiente para ficar agarrada à história, de espionagem, pois claro, nem que seja pelo detalhe minucioso com que cada personagem é descrita, a antever mistérios debaixo de chapéus de feltro de aba larga e ligações suspeitas entre homens de gabardina que se encontram por acaso em cafés decrépitos que servem omeletes em mesas com toalhas de plástico aos quadradinhos.

Julien Lawndsley, um financeiro de 33 anos largou a city londrina, e o seu Porsche, para abrir uma livraria numa pequena aldeia costeira, no Leste de Inglaterra, e andar de Land Cruiser. Meses depois, um estranho entra na loja. É um homem peculiar, imigrante polaco, Edward Avon de seu nome e, sabe-se mais tarde, antigo agente do M16 já retirado e dono da mansão Silverview, onde vive com a mulher Débora que está a morrer com cancro e a filha de ambos, Lily, a primeira personagem que conhecemos no livro a entregar uma carta da mãe a Proctor, um espião dos serviços secretos no West End de Londres. E por enquanto é isto: um amontoado de personagens fascinantes a quem tenho de deslindar o novelo de interações.

Por hoje é tudo, que o curto já transborda. Acompanhe as notícias do dia no Expresso, Tribuna e Blitz.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RMoleiro@expresso.impresa.pt

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