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A extraordinária Mamona: um salto para o infinito

A extraordinária Mamona: um salto para o infinito

Vítor Matos

Jornalista

Bom dia!

Um centímetro, o infinito. Os atletas da velocidade correm para chegar próximo do zero. Os atletas do triplo salto vivem para chegar perto do infinito. Os Jogos Olímpicos são o pináculo de vidas que se frustram ou se transcendem por causa de um segundo, por causa de um centímetro. Patrícia Mamona disse-o na entrevista que deu há duas semanas ao Expresso: “Para mim, um centímetro são cinco anos de trabalho” (se não é assinante pode ler um excerto aqui). Agora, imagine-se a trabalhar todos os dias para a perfeição, a deitar-se anos a fio às 22h30, a comer uma dieta prescrita, a viver para a perfeição, e a nunca estar satisfeito com o resultado: “O sucesso é algo inalcançável”. Esticar os limites num centímetro é passar um centímetro do que é humanamente possível. A alegria é isto.

Patrícia Mamona é a excelência extraordinária desse exemplo de disciplina, inteligência, dedicação, amor e foco. “Estou orgulhosa de todos nós”, exultou ela no final, “disseram que Portugal é um país pequeno, mas conseguimos fazer coisas grandes”, afirmou ontem depois de ter conseguido a medalha de prata olímpica, atrás de outra atleta sobrehumana, a venezuelana Yulimar Rojas. No primeiro salto, 14,9m, recorde nacional. No quarto ensaio, 15,1m, um recorde sobre o primeiro recorde, e ela, a quem tinham vaticinado ser demasiado pequena para o triplo salto, a superação em pessoa ao fim de 20 anos de trabalho, a entrar para o clube restrito dos 15 metros, vice-campeã olímpica aos 32 anos. E não foi um centímetro: Patrícia Mamona conseguiu melhorar em 35 centímetros a sua melhor marca, que era de 14,66m feitos na véspera de ir para o Japão, como explica a nossa enviada aos Olímpicos, a Lídia Paralta Gomes.

Ela que entrou em Medicina e era a melhor aluna da turma, devia ser uma bandeira (desculpa lá, Ronaldo). E vale a pena deixar aqui uma frase que Patrícia Mamona também deixou naquela entrevista: “Com as medalhas, há sempre aquela conversa de que ‘eles são de raça negra, não são portugueses a sério’. Não sei o que é ser português a sério. Sinto que tenho sangue português, nasci em Portugal, a minha cultura é portuguesa, embora tenha sido influenciada pela cultura africana dos meus pais. Toda eu sou portuguesa, não tenho outra palavra para me descrever”.

Marcelo Rebelo de Sousa telefonou-lhe a agradecer e António Costa sublinhou a “demonstração de superação” da atleta. O cardeal Tolentino Mendonça, como que agradeceu (a todos os atletas, diga-se) nesta notável crónica “Jogos Infinitos” que escreveu na revista do Expresso. Uma nota: na verdade, não somos os melhores do mundo, como Marcelo costuma dizer. Ainda nos falta muito para sermos todos mais Mamona... Mas já voltamos aos olímpicos.

OUTRAS NOTÍCIAS


O Presidente da República encontra-se hoje com Jair Bolsonaro em Brasília - “para construir as melhores pontes” com o Brasil - depois de se ter reunido com o principal rival do Presidente brasileiro nas eleições do próximo ano, o ex-presidente Lula da Silva (que lidera as sondagens), cuja visão que tem do país “ouviu” e “registou”. Esta visita revela duas coisas, pelo menos: primeiro, que Bolsonaro dá zero de importância a Portugal e à língua, ao faltar à reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, para estar num comício com motards; segundo, uma diplomacia e Presidente portugueses foram tão inteligentes como florentinos no sentido de preservarem as pontes para aquele gigante, depois dos últimos anos de afastamento político. "Só dança quem está na roda", como disse Marcelo.

A viagem foi preparada com pinças, para a relação ser com o "povo" brasileiro e não apenas com o poder circunstancial. Se ia ter um encontro com Bolsonaro, talvez fosse boa ideia estar também com Lula. Mas para não dar sinal de que ia privilegiar o principal adversário do Presidente em exercício, meteu os presidentes todos na salada diplomática e antes de ir ver Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em Brasília, esteve com outros ex: Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e José Sarney.

Apesar de estar no Brasil, e de normalmente no estrangeiro não ser comum comentar assuntos internos, o Presidente da República disse que a vacinação das crianças entre os 12 e os 15 anos estava “aberta e livre”, dependente da vontade dos pais. Ora as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa levaram Graça de Freitas a corrigir o Presidente em declarações ao Expresso e a Direção-Geral de Saúde a tomar posição: só com indicação médica é que essas crianças podem ser vacinadas, não basta a vontade dos pais. Do outro lado do Atlântico, o Presidente não resistiu a responder às autoridades de Saúde: "Os médicos só decidem se os pais pedirem. As crianças não podem dirigir-se aos médicos, tem de alguém substituir as crianças".

Se bem que ainda esteja distante o chamado “dia da libertação”, como António Costa lhe chamou, os jovens querem partir já as grilhetas das regras anti-pandemia que acabaram de ser aligeiradas. A Cristina Margato e o Nuno Fox fizeram ontem uma reportagem pela noite lisboeta e descobriram uma capital ávida de “vida loca”, a cumprir regras de forma original: “Não se pode consumir bebidas alcoólicas na rua, põe-se uma mesa na rua. Não se pode dançar na pista, dança-se à volta da mesa. Não se tem certificado, serve uma fotografia do cartão de vacinas. Não se pode beber um café na mesa da pastelaria, bebe-se ao balcão. A criatividade voltou no primeiro dia do mais recente desconfinamento, na noite de Lisboa, e alguns agentes da Polícia Municipal assobiaram para o lado.”

Há dezasseis anos, Manuel Pinho deixava a administração do BES para entrar no Governo de José Sócrates como o homem que ia dar um “choque tecnológico” ao país, e transportar Portugal para uma modernidade ao estilo nórdico. Hoje, o ex-ministro da Economia está arrependido. Lançou o site Confinado, para ir fazendo a sua defesa e anunciou que deve publicar um livro com o mesmo título em breve. No arranque da plataforma, escreveu que ter aceitado um cargo político "foi um erro enorme". Arguido no processo EDP, sob suspeitas de ter sido corrompido, também divulgou a sua declaração inicial no interrogatório da última semana no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), repetindo que não favoreceu a elétrica. Pinho também está a ser investigado por ter continuado a receber dinheiro do Grupo Espírito Santo num offshore enquanto era ministro. “Nunca recebi nada que me fosse indevido”, disse aos procuradores, segundo o documento que revelou.

O prestigiado jornal Politico propôs ao Governo português publicar “conteúdos” a “realçar a presidência portuguesa da União Europeia”, avança esta manhã o "Público" em manchete. O Governo português rejeitou, mas outros já chegram a aceitar. É o jornalismo de qualidade em causa.

O mundo continua empatado pela pandemia: O "Financial Times" noticia que Pfizer e Moderna aumentaram preços das vacinas, o Reino Unido anuncia descontos para promover a vacinação entre os jovens, e apesar de Anthony Fauci reconhecer a existência de um aumento de casos, o responsável pelo combate à covid-19 na América fez saber que os Estados Unidos não vão regressar ao confinamento.

Demos outra vez meia-volta ao planeta para regressarmos aos Jogos Olímpicos, no Japão.

Auriol Dogmo, a portuguesa que lutava por uma medalha no lançamento do peso, não conseguiu chegar ao bronze por apenas 5 cm. Quando alguém pensa que estar em quarto melhor lugar do mundo podia ser uma coisa boa, para uma atleta de alta competição é uma derrota: “A coisa mais horrível que me aconteceu na vida”, disse ontem.

Nelson Évora, 37 anos, campeão olímpico do triplo salto em 2008, revelou num vídeo no Instagram que fez uma operação ao menisco em março deste ano, ficando com menos de 18 semanas para preparar os Jogos Olímpicos Tóquio 2020, que serão os seus últimos.

Foi apenas por um golo (30-31) que a seleção nacional de andebol não passou para os quartos-de-final do torneio olímpico, derrotada pela equipa anfitriã do Japão. "Se tudo fosse feito melhor, planificado melhor, se chegássemos mais cedo, como fizeram os outros...", criticou Paulo Jorge Pereira, o seleccionador nacional.

Na canoagem, Fernando Pimenta e Teresa Portela já estão nas meias-finais que se disputam amanhã, tal como as finais: virá daqui mais alguma medalha?

Com o fim do reinado do relâmpago humano Usain Bolt, descobrimos ontem o novo homem mais rápido do planeta: numa final que não contou com o teórico principal candidato ao ouro, que foi eliminado nas meias-finais, o italiano Lamont Marcell Jacobs foi o mais rápido a sprintar pelos 100 metros fora e muito tempo depois voltou a dar à Europa o título da velocidade.

E agora, o caso político dos Jogos: Krystsina Tsimanouskaya, velocista bielorussa, foi levada para o aeroporto de Tóquio contra a sua vontade para ser devolvida ao seu país, depois de ter criticado os seus treinadores. Mas a velocista recusou voltar ao regime de Lukatchenko, pediu asilo, e não embarcou no voo que lhe era destinado.

O Grande Prémio de Fórmula 1 na Hungria foi dos mais animados da época - que já de si tem sido das mais interessantes dos últimos anos: uma carambola na primeira partida com a pista molhada, Lewis Hamilton sozinho na grelha de partida para a segunda largada com os outros pilotos todos a partirem das boxes - uma coisa nunca vista em 72 anos de F1 - e um vencedor estrante: o francês Steban Ocon, piloto da também francesa Alpine, antiga Renault. E um campeonato renhido com Hamilton a ultrapassar novamente Verstappen nos pontos.


FRASES


Quando estive em Lisboa, vi até que ponto Portugal está na vanguarda em matéria de acção climática em comparação com outros Estados-membros. Por exemplo, no domínio das energias renováveis”.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, Público

O governo olha para os fundos europeus como os autarcas do interior veem as receitas que chegam da capital. Portugal, Lisboa incluída, arrisca transformar-se num lugar pobre onde se passam férias”.
André Abrantes Amaral, Observador

Ficar em quarto é a coisa mais horrível da minha vida”.
Auriol Dongmo, lançadora portuguesa do peso, ao falhar a medalha


PODCAST

Pode ouvir aqui a análide de ontem à noite feita por Luís Marques Mendes na SIC, em que o comentador dá a entender que a remodelação do Governo poderá ser mais cedo do que se pensa, ainda em agosto. E aqui o comentário de Nuno Rogeiro à visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil: “A Língua Portuguesa não é objeto de museu, precisa ser ampliada e trabalhada”, afirmou na SIC.


O QUE ANDO A LER


Depois de acabar o longo “Doutor Fausto”, de Thomas Mann (Relógio d’Água), de que já falei aqui num Expresso Curto, lembrei-me que devia recomendar “Morrer Sozinho em Berlim”; de Hans Fallada (Relógio d’Água), que até já deu um filme, por uma razão simples. Ambos os livros foram escritos durante o nazismo e com a II Guerra Mundial em curso, por autores alemães, que retratam o sentimento de uma parte da sociedade alemã em plena catástrofe, muito antes das leituras distanciadas que viriam depois. Se o herói de Mann vende a alma ao Diabo para ter sucesso e acaba louco e decadente - uma imagem metafórica da própria Alemanha -, os heróis de Fallada cometem verdadeiras loucuras em pleno nazismo para nunca se venderem ao Diabo: salvam a consciência, mas não o corpo (a história é verídica).

Fecho um livro sobre a Alemanha e começo outro (felizmente) mais jovial sobre o Reino Unido e a França: “O Homem do Casaco Vermelho”, de Julian Barnes (Quetzal). Em tempo de Brexit e de afastamento político da “velha Albion” do Continente, o autor percorre diferenças antigas entre franceses e ingleses, de onde a mais evidente - e não sem ironia - será o facto de, apesar da reputação de frios e distantes, os ingleses casarem por amor, enquanto os franceses casam por interesse e depois se deixam conduzir por toda a espécie de paixões e impulsos. A distância entre Calais e Dover no Canal da Mancha parece curta, mas na realidade é muito maior do que nos diz a física.

Este é um livro difícil de classificar: não sendo um romance nem uma biografia, consegue ser ambos e ao mesmo tempo um ensaio histórico em simultâneo. Começa com uma viagem de três franceses a Londres, e serve de gancho para uma biografia de Samuel Pozzi um médico francês importante na época -, a partir da qual se vai fazendo um retrato da Belle Epoque parisense, contrastando com o conservadorismo nas artes e nos costumes vitorianos. Uma excelente maneira de nos confrontar com a época em que se anunciavam outros extremos.

Na BD, fica um livro que não foi fácil de encontrar. Lançado há dois anos no último Festival da Amadora, “O Suicídio de Aleister Crowley”, da série Dampyr (A Seita), está esgotado em quase todo o lado, por boas razões. A história passa-se em Lisboa, em 1930, com Fernando Pessoa como personagem (também entra a célebre Ofélia), sobre a sua relação com o misterioso esoterista e ocultista inglês, Aleister Crowley, que com a ajuda do poeta e de um jornalista encenou o seu suicídio na Boca do Inferno, em Cascais (ainda está lá uma placa). Para além da aventura no domínio do fantástico como todos os livros da série, o álbum oferece-nos belíssimos retratos de Lisboa assim como do Palácio da Regaleira em Sintra. Se o conseguirem encontrar, vale a pena.

Com isto despeço-me. Se está de férias, aproveite bem. Se ainda está a trabalhar, tenha uma boa semana. E continue a acompanhar a atualidade nos sites do Expresso, da Tribuna para os Jogos Olímpicos, e na Blitz.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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