Portugal investe €400 milhões no envelhecimento

Estado: seguindo as recomendações europeias do livro verde do envelhecimento, Portugal está já a aplicar fundos na requalificação de unidades de cuidados continuados
Estado: seguindo as recomendações europeias do livro verde do envelhecimento, Portugal está já a aplicar fundos na requalificação de unidades de cuidados continuados
O livro verde do envelhecimento, uma diretiva que une os vários Estados-membros no combate à transição demográfica, foi aprovado durante a presidência portuguesa da União Europeia. Portugal está já a aplicar verbas de um total de €400 milhões em políticas de envelhecimento saudável e ativo. O investimento, contemplado no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e ao abrigo do Portugal 2030, que fixa os grandes objetivos estratégicos até 2027, tem especial foco na longevidade.
“Há algumas medidas que já estão a ser implementadas pelo Governo e definidas para a atribuição dos financiamentos, medidas de aumento da capacidade dos cuidados de saúde para os mais idosos, segurança social, e aposta na qualidade de equipas e cuidados diferenciados para preservar a autonomia e capacidade das pessoas”, diz Nuno Marques, presidente da Algarve Biomedical School e do Observatório Nacional de Envelhecimento, organismo que tem monitorizado as várias ações do Governo na área da longevidade.
Portugal tinha até há pouco tempo em cima da mesa uma proposta de “Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025”, cujos objetivos passavam pela promoção de estilos de vida saudável e vigilância da saúde, segurança, educação e sinalização de pessoas em situação de vulnerabilidade. Com a adaptação do livro verde do envelhecimento europeu, a estratégia governativa — tutelada sobretudo pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social — passará do papel ao terreno durante os próximos anos.
Uma das principais apostas é a adaptação dos lares de terceira idade em unidades de cuidados continuados. O objetivo não é apenas aliviar as urgências hospitalares, tantas vezes sobrecarregadas por idosos que “poderiam evitar estas deslocações”, mas também por manter a autonomia e capacidade desta parte da população mais fragilizada, a nível de saúde mas também de finanças. “Nos cuidados domiciliários tínhamos muito a questão do apoio alimentar e higiene, mas não havia ainda a criação de equipas multidisciplinares que preservem a autonomia das pessoas, e isso está a ser implementado, já há verbas definidas para aquilo que chamamos apoio domiciliário 4.0”, disse o investigador, reforçando a importância da existência de serviços de apoio à longevidade e vida autónoma. Agora, diz Nuno Marques, “teremos de esperar pelos resultados”.
“Famílias Primeiro”
Este foi também um dos temas discutidos durante a última reunião do Conselho Consultivo do projeto “Longevidade”. Numa altura em que a Europa enfrenta enormes desafios provocados pela guerra na Ucrânia, a crise energética e a subida galopante da inflação, tornou-se imperativo acelerar o apoio aos pensionistas, que são também dos mais vulneráveis da população portuguesa, e que serão contemplados no pacote de medidas extraordinárias, destinadas a reforçar os rendimentos da população. Este novo regime de apoios, intitulado “Famílias Primeiro”, inclui também trabalhadores, crianças e jovens.
Nesse sentido, Luís Jerónimo, diretor do programa Desenvolvimento Sustentável da Fundação Calouste Gulbenkian, reconhece que têm sido dados passos importantes, referindo-se, por exemplo, ao estatuto do cuidador informal e aos documentos estratégicos que têm sido desenvolvidos e apresentados pelo Governo na área do envelhecimento ativo. No entanto, o investigador deixa uma ressalva: “Percebemos que face à magnitude deste problema as respostas ainda são insuficientes.” “O Estado tem uma dupla função: ser financiador e regulador destas respostas, e, em termos de financiamento, são verbas que vêm da Segurança Social através de acordos de cooperação, que financiam uma série de estruturas por todo o país, nas respostas sociais das pessoas mais velhas, serviços de apoio domiciliário, entre outros.”
“Mais dependentes que crianças”
De forma “simplista”, diz Luís Jerónimo, os financiamentos apostam no número de camas e não tanto na qualidade desses serviços”. “Uma das coisas que podemos melhorar é uma maior correlação entre o financiamento e a qualidade do serviço prestado.” “Começam a haver estruturas para responder a cuidados continuados mas de forma ainda insuficiente.” “O que temos é uma estrutura muito orientada para questões de emergência aguda, e esse sistema funciona, mas não está preparado para as doenças associadas ao envelhecimento, para a prevalência de doenças crónicas.”
O médico Rui Tato Marinho, diretor do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), onde são acolhidos doentes com algumas das patologias com maior morbilidade em Portugal — cancro do pâncreas, esófago, colo retal e estômago —, concorda que é preciso maior investimento. “Tal como a sociedade prepara bem os cuidados das grávidas, da idade pediátrica, devia também olhar com mais carinho para os idosos, que vão acabar por ficar mais dependentes do que as crianças”, afirma o médico, alertando para a necessidade de apostar também no reforço de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde. “Os próprios médicos são cada vez mais velhos e em maior número.”
Linhas públicas de financiamento
Para retirar alguma pressão aos serviços hospitalares, parte das medidas a serem implementadas ao abrigo do PRR passam pela criação de estruturas residenciais de idosos, com linhas de financiamento. “Tem sido feito um esforço no programa deste Governo”, volta a afirmar Nuno Marques, que alerta para uma questão fundamental: o trabalho sénior. “A passagem à reforma deve ser progressiva para haver uma redução de tempo de trabalho sem quebras de rendimentos. Para não prevalecer aquela ideia de que ‘eu era muito útil e no dia seguinte deixei de ser.’”
Nesse sentido, o sector social tem sido fundamental na transição para a reforma. Mas este período da vida, como notou Maria Amélia de Cupertino de Miranda, presidente da Fundação António Cupertino de Miranda, e membro do Conselho Consultivo do projeto Longevidade, levanta outros problemas que é urgente tratar: a literacia financeira e digital, que assume um papel fundamental na gestão das pensões de reforma, rendimentos e poupanças. “As pessoas vivem com reformas curtas e não sabem geri-las. Precisam de conhecimento, de serem capacitadas para saber resolver problemas do dia a dia, de aprender a lidar com o orçamento e que adquiram conhecimentos sobre seguros de saúde.”
O que é o envelhecimento ativo?
Segundo documento do Governo, é o processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, melhoria da qualidade de vida, à medida que as pessoas envelhecem. Objetivo: manutenção da capacidade funcional.
Quais os planos do Governo?
Existe apenas uma proposta de “Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025”. Passa pela promoção de estilos de vida saudável e vigilância da saúde, segurança, educação e sinalização de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Que outras organizações trabalham na longevidade?
Têm sido sobretudo as autarquias, como Lisboa, Porto, Coimbra e Loulé — cuja câmara está a investir €50 milhões. Até agora, o único organismo estatal com uma estratégia implementada é a Direção Regional de Políticas Integradas de Longevidade, no Funchal.
Após reunião do Conselho Consultivo do projeto Longevidade, alguns membros deram propostas para melhorar a vida dos idosos, do sistema de saúde, da prevenção, das pensões e da literacia financeira e digital.
Trata-se do primeiro organismo estatal constituído a pensar na longevidade dos portugueses. Uma iniciativa do Governo Regional da Madeira.
De que forma podemos inverter a nossa pirâmide demográfica? Que estratégias devem ser implementadas para vivermos mais e com melhor saúde?
Longevidade
Vamos viver mais anos. Que avanços na saúde podem marcar as próximas décadas? Qual o impacto do envelhecimento nas nossas poupanças, nas cidades, na nossa vida social? Em 2022, o Expresso lança um projeto sobre este novo desafio, com o apoio da Fidelidade e da Novartis.
Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de setembro de 2022
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