Longevidade

Viver em comunidade e manter a independência: as chaves da habitação colaborativa

Viver em comunidade e manter a independência: as chaves da habitação colaborativa
Ilustração Sara Tarita

Diferentes modelos e projetos de habitação colaborativa surgiram nos últimos anos em vários países europeus, mas a origem remonta à Dinamarca, nos anos 70. Em Portugal, há dois projetos-piloto em preparação. Promover a autonomia e fintar a solidão são algumas das vantagens para a fase a que os suecos chamam “segunda metade da vida”

Viver sozinho ou numa casa demasiado grande, frequentar um centro de dia ou ir para um lar. São realidades comuns quando chega a reforma, os filhos já saíram de casa, há mais tempo livre, podendo até ser necessário algum tipo de apoio, à medida que a idade avança. No entanto, novas formas de viver têm surgido nos últimos anos.

A habitação colaborativa é uma alternativa em crescimento – sobretudo na última década – e que pode assumir diversas formas. “É um conceito que abrange diferentes modelos de habitação coletiva”, explica ao Expresso a arquiteta Sara Brysch. Entre eles estão projetos de cohousing, novas cooperativas de residentes, ecoaldeias ou iniciativas de autoconstrução, enumera a investigadora, a concluir um doutoramento sobre habitação colaborativa na Universidade de Tecnologia de Delft, nos Países Baixos.

Aquilo que “une todos estes modelos” é a gestão e organização coletiva, em que as pessoas desempenham um “papel ativo” através de “processos participativos”, tanto no projeto de arquitetura como na “futura gestão do complexo habitacional”, detalha Sara Brysch. Existe uma “vontade de viver em comunidade e de poupar recursos económicos, sociais e naturais”. “Há um papel bastante central na figura do residente, para que possa fazer parte do processo e que, de algum modo, ajude a criar a tal comunidade que procura e um sentido de pertença.”

A ideia de viver em comunidade traduz-se numa “configuração espacial diferente”. “Normalmente, as unidades de habitação são mais pequenas que o normal, respondem às necessidades básicas e específicas de cada família ou indivíduo e depois são complementadas com espaços comuns, também decididos pelo grupo”, esclarece a arquiteta. Cozinha, lavandaria, sala de estar ou biblioteca são algumas das possibilidades para as zonas partilhadas. As tarefas e serviços podem ser responsabilidade dos residentes ou prestados por profissionais.

Para os mais velhos, este espírito representa “um combate automático à questão da solidão”, além de promover a autonomia e a independência, numa habitação “mais ajustada” às suas necessidades, aponta Sara Brysch. Existe também a hipótese de criar projetos intergeracionais – a cooperativa de habitação espanhola La Borda, em Barcelona, é um exemplo –, que a arquiteta considera ser um modelo ainda mais interessante, ao fomentar “a ideia de entreajuda, em que os mais novos ajudam os mais velhos quando é preciso e estes, por exemplo, cuidam dos miúdos, como uns avós emprestados”.

Alternativa à institucionalização

O provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto encara este conceito de habitação como uma “alternativa à forma institucional da estrutura residencial para pessoas idosas”, onde estão a chegar em idade avançada, entre os 80 e os 85 anos. Por outro lado, António Tavares refere que, um pouco mais cedo – a partir dos 70, 75 anos –, as pessoas podem encontrar solução neste tipo de equipamentos, “se não quiserem ficar com as suas habitações porque são muito grandes ou por razões de segurança”, ou enquanto “alternativa ao apoio domiciliário”.

“Há aqui um manter a vida na mesma, não estar institucionalizado, mas estar num ambiente mais protegido. A independência é completa. As pessoas mantêm a sua atividade”, destaca o provedor, comparando com a vivência num lar, em que há algumas condicionantes em termos de movimento e o cumprimento de determinadas regras.

De acordo com a mais recente Carta Social – documento que reúne os dados sobre a rede de serviços e equipamentos sociais tutelados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social –, em 2020 o país contabilizava 2568 estruturas residenciais para maiores de 65 anos, 2086 centros de dia e 2693 respostas de serviço de apoio domiciliário. Neste grupo etário, dados do Instituto Nacional de Estatística e da Pordata indicam que 446.900 pessoas viviam sozinhas em 2021.

Em Portugal, Sara Brysch considera que “tem havido bastante interesse” na área da habitação colaborativa, mas há ainda falta de informação. António Tavares assinala que “ainda não temos bem legislação para este tipo de situação, mas ela está prevista na Lei de Bases da Habitação”. O país está ainda a dar os primeiros passos: em 2018, nasceu a Hac.Ora Portugal Senior Cohousing Association – com o objetivo de promover e apoiar a criação deste tipo de comunidades – que, no ano seguinte, organizou uma conferência internacional sobre o tema, no Porto.

Nesse ano, a Santa Casa da Misericórdia do Porto anunciava o lançamento de dois projetos-piloto, que estimava estarem prontos em 2021. Devido à pandemia, não foi possível avançar como pretendido e, neste momento, António Tavares garante ao Expresso que o objetivo se mantém, apesar de não conseguir prever uma data para a concretização. Estão a ser feitos estudos e os dois terrenos, propriedade da Santa Casa, estão já escolhidos e são de “fácil acesso”: um localiza-se junto ao Lar Nossa Senhora da Misericórdia e outro em frente ao Hospital Conde de Ferreira. Cada um terá capacidade para cerca de 30 residências, numa “comunidade perfeitamente autónoma”.

Diversidade de projetos

Este é um exemplo de uma iniciativa por parte do sector social, mas há outras possibilidades. Em muitos projetos, grupos organizam-se e “procuram uma propriedade coletiva ou cooperativa, ou seja, o residente não é o proprietário da sua casa, a propriedade pertence à cooperativa”, o que “ajuda a que este tipo de habitação não entre no mercado especulativo”, afirma Sara Brysch.

Na Suécia, os moradores “fazem parte do processo de desenvolvimento do projeto, mas normalmente estas iniciativas são financiadas e geridas por empresas municipais”. O país tem um modelo que se destina à intitulada “segunda metade da vida” – é exclusivo para pessoas com mais de 50 anos e todas as instalações “estão preparadas para receber pessoas mais velhas”.

A origem da habitação colaborativa está precisamente na Escandinávia, em particular na Dinamarca, nos anos 70. Neste caso, a ideia inicial foi “fugir do mundo confuso da cidade e criar um espírito de entreajuda entre famílias” com a deslocação para zonas rurais, vivendo de um modo “mais sustentável e ecológico, mais em slow living”, num modelo que “continua a prevalecer” no país, refere a investigadora.

A variedade de projetos foi-se expandindo ao longo do tempo e no mapa europeu, com evolução recente em países como França, Espanha e Itália. Em Viena (Áustria) e New Barnet (Inglaterra), surgiram comunidades exclusivas para mulheres. Devido a esta amplitude de iniciativas, a Universidade de Delft criou o Co-Lab Mapping Project, com o objetivo de “mapear o número de habitações colaborativas em diferentes países, os nomes específicos de cada modelo e as suas características”, indica Sara Brysch, que integra a equipa de investigação. A ideia passa por, no futuro, a informação estar categorizada de forma validada, de modo a permitir análises e comparações a nível europeu.

Este texto faz parte do projeto “Longevidade: um novo desafio”, lançado pelo Expresso em 2022, em parceria com a Fidelidade e Novartis

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: scbaptista@impresa.pt

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