Durante os primeiros 757 dias de invasão russa na Ucrânia, o Kremlin sempre considerou que as suas ações no país se enquadravam numa “operação militar especial”. A rigidez da sua mensagem resultou em dezenas de milhares de detenções, penas de prisão e multas a jornalistas, opositores políticos e civis em manifestações, por pedirem o fim da guerra. Agora, menos de uma semana depois da reeleição incontestável de Vladimir Putin, o Governo russo admite finalmente que está “em estado de guerra”, após dois anos o conflito embrenhou-se na sociedade russa.
A mudança de posição surgiu esta sexta-feira, numa entrevista publicada pelo jornal russo Argumenty i Fakty, assumida pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. “Estamos em estado de guerra. Sim, começou como uma operação militar especial, mas assim que todo este bando se formou, quando o Ocidente coletivo participou em tudo isto ao lado da Ucrânia, para nós tornou-se uma guerra”, disse.
Para muitos especialistas, o chamar a guerra pelo nome tem um objetivo pouco subtil. Sónia Sénica, docente universitária de Relações Internacionais, explica que o elevado resultado do atual Presidente russo representa uma legitimação da “união e coesão nacional em torno de Vladimir Putin”, e a vitória eleitoral deu à liderança russa motivos para “encetar um caminho cada vez mais firme, no plano interno, mas também de maior assertividade e de maior militarização no plano da sua política externa”.
“Nós sabemos que as linhas estruturantes da ação russa têm pendido nesse sentido e, como estamos a perceber, a Rússia está não só a fazer perdurar o conflito no tempo, mas está também a preparar o seu ambiente doméstico para um contexto de guerra mais alargado”, afirmou a professora na Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (IPRI-NOVA), que notou que a mobilização de civis “não é uma medida popular”, tendo em conta as manifestações na primeira mobilização”, em setembro de 2022.
José Milhazes, jornalista, autor de vários livros sobre a Rússia e comentador da SIC, antecipa a mobilização de meio milhão de russos até ao verão, considerando que “a parada está a aumentar” e que o resultado expectavelmente elevado a favor de Putin “fazem agora com que ele se tente apresentar a um nível muito superior e mais forte”.
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