A Rússia passou a semana a bombardear a Ucrânia como não se via desde o início da guerra. Avanços no terreno? Nenhuns
Uma senhora carrega ajuda humanitária fornecida pelo World Food Program, perto da cidade de Lyman, libertada pelos ucranianos recentemente
Paula Bronstein
Logo na segunda-feira, Kiev foi atingida. Não acontecia desde junho. Todas as regiões foram atacadas, mais de uma dezena de infraestruturas críticas estão danificadas. A Rússia passou a semana a tentar vingar-se da destruição de parte da ponte Kerch, que liga a Rússia à península da Crimeia e é um um ponto fulcral no abastecimento das tropas russas, mas nem por isso tem conseguido avançar no terreno, antes pelo contrário. Os mísseis assustam e destroem mas parecem não estar a demover o exército ucraniano do seu propósito
Desde os primeiros dias de guerra que o território ucraniano não era tão fustigado por ataques de artilharia. Depois da explosão de parte da ponte de Kerch, que liga a península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, a território russo, Vladimir Putin não podia deixar passar muito tempo sem mostrar a sua força e deixou cair sobre a Ucrânia todo o tipo de ataques: drones telecomandados com explosivos (os chamados “kamikaze”, por explodirem quando contactam com o alvo), artilharia de vários tipos, mísseis de cruzeiro (que têm carga explosiva), tudo isto lançado não só de terra como também do mar Negro e do mar Cáspio.
“Eles usam os seus rockets para nada, apenas para assustar as pessoas”, disse Volodymyr Ariev, membro do Parlamento da Ucrânia, citado pelo New York Times. Não é bem assim. Pelo menos para quem sente os ataques a cair do céu sobre sítios que não se podem antever.
Logo na segunda-feira, segundo as autoridades ucranianas, oito regiões e 11 infraestruturas essenciais para a vida civil foram atingidas. No fim do dia, a Rússia tinha lançado cerca de uma centena de mísseis de cruzeiro sobre a Ucrânia, metade dos quais terão sido intercetados pela defesa antiaérea de Kiev.
Apesar de muitos dos projéteis terem aterrado em locais onde apenas abrem buracos na estrada ou em campos agrícolas, as vítimas mortais dos bombardeamentos desta semana já passaram das três dezenas e a destruição de parte de centrais nucleares e termoelétricas é realmente um problema. Várias partes da Ucrânia estão com cortes de energia e o abastecimento de água é intermitente mas nada disto se traduziu em qualquer avanço russo no terreno.
Na sexta-feira, o Estado-Maior ucraniano disse, no seu relatório matinal, que durante todo o dia de quinta-feira o exército e a força aérea russos atacaram locais em todo o país, de Kiev a Mykolaiv. “O inimigo não está a diminuir os ataques nem sobre infraestruturas críticas nem sobre objetos civis”, lê-se no relatório, que enumera 88 ataques.
Também na sexta-feira, numa tentativa de acalmar a blogosfera de especialistas militares russos, um grupo de homens bastante lido e extremamente duro na crítica à estratégia do Kremlin, não por não apoiar a guerra mas por achar, no geral, que a Rússia devia estar a esmagar totalmente o inimigo e não está, Putin anunciou o envio de novas forças para a frente de batalha, mais especificamente 16.000 recrutas, recentemente mobilizados “em unidades que se envolvem no cumprimento de tarefas de combate”.
Desta forma, a guerra está cada vez mais dividida entre dois cenários distintos: por um lado os ataques da Rússia sobre infraestruturas essenciais, prédios de habitação, parques infantis, antenas de comunicação, e, por outro, a estagnação ou mesmo retrocesso das tropas russas no terreno, onde os ucranianos continuam a conseguir manter um maior equilíbrio de forças e até avançar um pouco, como está a acontecer na região de Kherson, no sul.
A Ucrânia está a investir na reconquista do distrito de Kherson, a partir de vários pontos ao longo da linha administrativa que o separa do distrito de Mykolaiv, que a Ucrânia controla
DIMITAR DILKOFF/Getty Images
A Rússia disse na quinta-feira que as suas forças estavam prontas a ajudar a retirar civis da região de Kherson, à medida que a Ucrânia ganha terreno na região - ainda que lentamente. A contraofensiva deste outono, não só à volta de Kherson como também a reconquista de todo o distrito de Kharkiv, a nordeste, mudou o ímpeto da guerra e refutou uma ideia que se havia instituído não só na Rússia mas também no Ocidente de que, embora a Ucrânia pudesse defender o território com firmeza, faltar-lhe-ia quase sempre a capacidade de reconquistar o que já tinha perdido.
A administração imposta pela Rússia na região de Kherson já está a pedir a Moscovo ajuda para começar a evacuar as cidades mais expostas aos avanços ucranianos. Vladimir Saldo, governador da região empossado por Moscovo, pediu ao Kremlin para ajudar na retirada de civis. “Estou a dirigir-se à liderança russa. Gostaria de pedir ajuda para organizar isto”, disse ele, num vídeo que acabou por se tornar viral nas redes sociais russas nos últimos dias. Isto porque Saldo disse ainda ter a certeza que “a Rússia não abandona os seus”, o que está a ser usado para pressionar o Kremlin a agir, já que toda a propaganda russa têm sido escrita à volta de um ponto fulcral: é preciso salvar os russófonos das garras dos nacionalistas ucranianos. É natural que o povo russo exija precisamente o que lhe foi prometido.
O especialista militar ucraniano Oleh Zhdanov, em entrevista à agência de notícias Associated Press, atribuiu os planos de evacuação à “incerteza sobre se os russos serão capazes de manter a cidade de Kherson” e às lições que o Kremlin terá aprendido “quando as tropas de Kiev penetraram nas defesas das forças de ocupação na região de Kharkiv”, no mês passado. “Os russos temem uma repetição da debandada da região de Kharkiv. Nessa altura, foram abandonados equipamentos militares e também arquivos, e por isso eles estão a tentar agir com alguma antecedência”.
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