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Guerra na Ucrânia

Nuno Rogeiro: “As minhas fontes [na Ucrânia e na Rússia] foram construídas e cultivadas desde o tempo da União Soviética até hoje”

Nuno Rogeiro: “As minhas fontes [na Ucrânia e na Rússia] foram construídas e cultivadas desde o tempo da União Soviética até hoje”
SIC Notícias

O comentador e analista da SIC tem sido uma das caras mais conhecidas (e comentadas) do grande público durante a Guerra na Ucrânia, e garante ao Expresso que tem falado com Volodymyr Zelensky "por interposta pessoa" desde o início da invasão. Já comentou outras duas guerras em permanência, mas esta é sem dúvida a mais difícil: “Há muitas zonas cinzentas entre o que existe, o que não existe, o que nunca existiu e o que poderia ter existido”, diz, antes de recusar acusações de parcialidade para um dos lados: “Podemos não gostar de bruxas, mas elas existem e devem ser assinaladas”

Nuno Rogeiro: “As minhas fontes [na Ucrânia e na Rússia] foram construídas e cultivadas desde o tempo da União Soviética até hoje”

Tiago Soares

Jornalista

Desde que a invasão russa da Ucrânia começou, os dias de Nuno Rogeiro passaram a ter 72 horas. “Recolher e analisar informações sobre a guerra é o essencial do dia, e cada hora vale por duas ou três”, começa por dizer o comentador e analista que passou a ser uma figura quase sempre presente na antena da SIC Notícias.

Nuno Rogeiro tem sido um dos comentadores mais ‘comentados’ do espaço mediático português, juntamente com nomes como o jornalista José Milhazes (durante vários anos correspondente da SIC na Rússia) ou o jurista e ex-espião Alexandre Guerreiro. No entanto, se Guerreiro só agora se tornou conhecido do grande público, Rogeiro já anda nisto há muitos anos: licenciado em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, ajudou a criar o curso de Relações Internacionais na Universidade Lusíada, onde deu aulas, e foi jornalista e colaborador em jornais como “O Século”, “O Independente” ou “O Diabo” - tendo nesta última publicação assumido as funções de chefe de redação e mais tarde de diretor-adjunto. Já teve carteira Profissional de Jornalista, que entregou quando deixou o cargo no "O Diabo".

Passou pela rádio (TSF e Rádio Comercial), mas foi na televisão que encontrou o seu lugar mais duradouro: começou por ser comentador na RTP, em 1989, ganhando um destaque quase diário dois anos depois, com o início da Guerra do Golfo. Em 2003, quando começa a Guerra no Iraque, Rogeiro muda-se para a SIC, canal com o qual continua a trabalhar até hoje e onde é autor do programa “Leste/Oeste”, focado em política internacional e emitido aos domingos à tarde. Além disso, escreve há vários anos para a revista “Sábado”.

Para alguém habituado a tanta exposição, Rogeiro resistiu bastante a dar esta entrevista: “Nós não somos a notícia”, respondeu o comentador ao Expresso por várias vezes, tanto ao telefone como durante os momentos de preparação nos estúdios da SIC para entrar em directo.

É verdade: quem está do lado de cá do ecrã ou da folha de papel não é, por norma, notícia. “Está prestes a acontecer um cataclismo, não devíamos perder tempo com isto”, argumentou o comentador. Terá razão, mas também é verdade que poucos comentadores se têm destacado tanto a analisar o atual conflito na Europa - seja pelo conhecimento técnico que aparenta ter sobre as armas usadas no campo de batalha (e que o Expresso já teve oportunidade de validar), seja pela quantidade de informação aparentemente certeira que apresenta aos telespectadores. Informação, em boa parte, que só pessoas no terreno (ou muito próximas dele) conseguiriam dar.

Rogeiro foi particularmente visado pela opinião pública - sobretudo online - quando respondeu assim a uma pergunta do jornalista da SIC, num dos primeiros dias da invasão russa: “Não falei com Volodymyr Zelensky [Presidente da Ucrânia] nas últimas 72 horas.” A frase poderia ter sido dita de forma irónica - é improvável que um comentador português consiga entrar em contacto com um líder de um país estrangeiro em guerra - mas não pareceu. Por esta e outras tiradas - a 4 de março, disse que tinha acabado de falar ao telefone com um alto responsável da central nuclear de Zaporizhia, pouco depois de esta ter sido atacada pelas tropas russas - muitas pessoas têm posto em causa a veracidade das informações que apresenta.

"Sim, tenho falado com Zelensky por interposta pessoa. Tem acontecido desde o dia 24 de feveireiro [início da invasão]", garante Rogeiro. Diz que não pode "dar mais pormenores" mas lembra que o Presidente da Ucrânia "fala bem inglês embora não o faça frequentemente." Além disso, assegura que tem estado em contacto com membros dos governos ucraniano e russo nas últimas semanas, e também com membros das forças de segurança e de defesa dos dois países. "Os contactos mais frequentes são com a parte militar no caso ucraniano, e político-diplomática no caso russo", diz.

Adianta ainda que tem com estas fontes “graus de confiança e compromisso diferentes”, da mesma forma que o tipo de fontes - mais ou menos bem colocadas - também varia. “É preciso sobretudo ter bons canais na área da defesa, segurança, serviços de informações civis e militares, unidades de combatentes, mas também bons canais nos sectores políticos e diplomáticos empenhados neste conflito”, assegura.

Mas como é que se conseguem criar e manter todos estes canais de informação? Nuno Rogeiro não quer “dar pormenores”, mas aponta: “Obviamente que essas fontes foram construídas e cultivadas desde o tempo da União Soviética até hoje. É um esforço constante, dado que as pessoas mudam, as instituições mudam, os estados mudam. Quem não se mantiver atualizado e com fontes credíveis limita-se a repetir o que outros observam", sublinha, adiantando que já fez várias viagens à Rússia e à Ucrânia - a este último país com mais frequência.

Um “enorme esforço” para distinguir “o trigo do joio”

Uma análise da conta de Nuno Rogeiro no Twitter mostra que as informações partilhadas pelo comentador são, na sua esmagadora maioria, de fontes credíveis: contas oficiais das autoridades públicas e militares da Ucrânia; páginas da sociedade civil como a “Ukraine Weapons Tracker”, um projecto que acompanha a utilização de armas militares na Ucrânia e já com créditos firmados noutros conflitos; ou contas confirmadas de jornalistas, políticos e investigadores internacionais - o tipo de pessoas que qualquer jornalista português usa para cruzar e dar informação sobre a Guerra na Ucrânia.

Rogeiro também partilha conteúdos de páginas com aparências menos fidedignas e que disponibilizam pouca informação sobre si próprias - complicando assim a tarefa de verificação de factos. É o caso da página “The RAGE X - Intel”, por exemplo, que se descreve como sendo especializada na cobertura de conflitos armados e tecnologia militar - mas que vários jornalistas teriam reservas em citar isoladamente (incluindo o jornalista que está a escrever este texto).

Mas lá está: o principal analista internacional da SIC já não é jornalista, já não está obrigado a seguir o Código Deontológico da profissão. Porém, preocupa-se com as fake news que estão a ser criadas durante esta Guerra: “O problema não é só entre verdade e mentira formais”, sublinha, adiantando que o trabalho essencial passa pela “interpretação [de informações] de meios [de comunicação social] que nos chegam às mãos e circulam”; o “desmantelamento de falsificações/alterações”; e a “distinção entre dados falsos (ou seja, que nunca foram verdadeiros)”; e a confirmação de “dados antigos ou ultrapassados que se fazem passar por actuais.”

É a terceira vez que Nuno Rogeiro está a comentar uma guerra em directo, e esta é sem dúvida a vez mais difícil: “Na Guerra do Golfo, o espaço dos chamados ‘meios sociais’ não existia, só comunicação convencional e institucionalizada. Na Guerra do Iraque, já existia informação alternativa, mas hoje cada pessoa é [em simultâneo] comunicador e receptor de comunicação, fotógrafo e consumidor do produto, jornalista e leitor”, analisa o comentador da SIC.

Por isso, neste momento é preciso um “um enorme esforço" para distinguir “o trigo do joio.” “Da escassa comunicação passámos a demasiada informação, que tem de ser verificada”, diz. E como é que isso se faz? Para começar, “convém publicar imediatamente uma correcção sempre que se assinale um erro”. Mas esta tarefa “não é fácil” nem “nunca pode ser perfeita”: “Há muitas zonas cinzentas entre o que existe, o que não existe, o que nunca existiu e o que poderia ter existido.” Também por isso, diz que é importante tentar distinguir entre erros acessórios e fundamentais, e entre erros involuntários e propositados.

Comentários parciais? “As bruxas existem e devem ser assinaladas”

“Por cá, os comentadores da SIC Notícias Nuno Rogeiro e José Milhazes são duma pobreza confrangedora, não conseguindo disfarçar a sua colagem férrea a uma das partes. Onde devia haver independência, existe uma doentia servo-dependência”, criticava há dias um internauta português no Twitter. Enquanto ator no espaço mediático, Rogeiro sublinha que a sua principal preocupação é sempre “distinguir sempre entre a objectividade e a imparcialidade.”

“A objectividade é a necessidade ver os factos com clareza e reportá-los, enquanto a imparcialidade tem a ver com a escala axiológica - ou seja, com os valores. Numa invasão e numa guerra de agressão, é preciso aliar sempre as duas coisas”, diz o analista. A axiologia é o campo da filosofia que estuda os valores e a sua ordenação na vida do ser humano. Está intimamente ligada ao campo da ética, por exemplo, e pode ser uma grelha útil para analisar o que está a acontecer na Ucrânia.

Nuno Rogeiro parece achar que sim. Lembra que “reprovar e condenar uma guerra não significa ignorar que ela está a acontecer”, e também “não significa abdicar de a descrever ao pormenor ou na generalidade.” Não sabe se o trabalho dos analistas e comentadores está a ser útil ou importante para ajudar os milhões de espectadores portugueses a perceber a Guerra - “Não faço a mínima ideia, têm de fazer essa pergunta ao público” - mas quer continuar a aliar a objetividade e a imparcialidade nas suas intervenções: “Podemos não gostar de bruxas, mas elas existem e devem ser assinaladas”, finaliza.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: tsoares@expresso.impresa.pt / tiago.g.soares24@gmail.com

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