Espanha

Amnistia, mediação e reconhecimento da legitimidade: conheça as condições de Carles Puigdemont para apoiar novo Governo de Pedro Sánchez

Carles Puigdemont enumerou em Bruxelas as suas condições para viabilizar o terceiro Executivo do socialista Pedro Sánchez
Carles Puigdemont enumerou em Bruxelas as suas condições para viabilizar o terceiro Executivo do socialista Pedro Sánchez
JOHN THYS/AFP/Getty Images

Antigo presidente do governo catalão fez anúncio em Bruxelas, onde vive fugido à justiça espanhola. Votos dos nacionalistas são essenciais para viabilizar terceiro mandato do primeiro-ministro socialista

Amnistia, mediação e reconhecimento da legitimidade: conheça as condições de Carles Puigdemont para apoiar novo Governo de Pedro Sánchez

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

Se quiser que o partido independentista Juntos pela Catalunha (JxC) apoie a sua investidura para um terceiro mandato como primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez terá de garantir o “abandono completo e efetivo” da via judicial contra os envolvidos na intentona separatista de 2017. Quem o anunciou, esta terça-feira, foi Carles Puigdemont, chefe de facto do JxC e antigo presidente do governo regional catalão (2016-17).

“Estaremos prontos para uma negociação histórica caso se criem as condições necessárias”, afirmou. Sem elas “não faria sentido embarcarmos numa negociação posterior, porque na política espanhola todas as precauções são poucas.”

Numa conferência de imprensa em Bruxelas, o agora eurodeputado foragido à justiça espanhola indicou três condições para abrir negociações com o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda) de Sánchez. As outras duas são “respeito pela legitimidade democrática” da fação independentista catalã, criação de um “mecanismo de garantia” dos acordos que venham a ser firmados entre o Estado central e a Catalunha.

“Espiam-nos, infiltram-se, fabricam montagens”

“Deve haver um reconhecimento da legitimidade democrática do independentismo. Pediram à Europol que nos designe como terroristas, tentaram todas as atuações necessárias”, protestou. “Espiam-nos, infiltram-se, fabricam montagens para fazer detenções sem fundamentos para paralisar a independência da Catalunha.”

Quanto ao fim da via judicial para perseguir os separatistas, Puigdemont defende que “1 de outubro não foi um delito, nem a declaração de independência nem as manifestações posteriores”, referindo-se à data do referendo realizado à revelia da lei espanhola e fortemente reprimido pela polícia. O então presidente proclamou a independência no parlamento regional, dias depois, mas suspendeu-a passados minutos. Ato contínuo, o Governo espanhol, na altura do Partido Popular (PP, direita) e chefiado por Mariano Rajoy, suspendeu a autonomia da Catalunha, aplicando o artigo 155 da Constituição, e dissolveu as instituições políticas catalãs.

Nove cumpriram pena, Puigdemont fugiu

Lembre-se que nove políticos catalães já foram condenados e cumpriram penas de cadeia por esses factos, tendo beneficiado de indultos promovidos pelo Executivo cessante de Sánchez. Muitos outros têm ainda processos abertos, incluindo os que optaram pelo exílio, como Puigdemont, que perdeu a imunidade de que gozava por ser membro do Parlamento Europeu e que seria provavelmente preso caso entrasse hoje em Espanha, sob acusações de desvio de fundos e desobediência.

Deixar cair a via jurídica é, a seu ver, uma “exigência ética”, ao passo que negociar com Madrid é “questão de vontade política”. Puigdemont exige uma lei de amnistia “desde a consulta de novembro de 2014”, promovida pelo seu antecessor no governo regional, Artur Mas. Considera isso fulcral para “reparar uma injustiça”.

Pede ainda um “compromisso histórico” com a Catalunha, para encetar conversações que possam culminar num acordo também ele “histórico”. Defende a “criação de um mecanismo de mediação e verificação do seguimento dos acordos que os dois partidos principais não estão hoje em condições de dar”. Justifica-o com a falta de confiança na palavra que vem de Madrid.

Defendendo que não há “receita autonómica” para os problemas da Catalunha, o fugitivo afirma que “o povo catalão tem o direito de tornar realidade a decisão que já tomou em 2017, e só um referendo acordado com o Estado pode alterar esse mandato”. Acontece que Espanha não reconhece validade à votação de 2017, na qual, aliás, os catalães contrários à independência escolheram em massa não participar, para não legitimar uma consulta que consideravam ilegal. E que um referendo legal é impossível à luz da Constituição espanhola. Frise-se, porém, que Puigdemont não indicou a realização de um referendo como condição para apoiar Sánchez.

As contas de Sánchez e Feijóo

Os votos do JxC são essenciais para reconduzir Sánchez, caso este venha a ser designado pelo rei Filipe VI como candidato a primeiro-ministro, após a previsível investidura falhada de Alberto Núñez Feijóo, do PP, vencedor das legislativas de 23 de julho. Este foi indigitado pelo monarca e vai tentar ser investido a 26 de setembro pelo Congresso dos Deputados, mas faltam-lhe votos. Conta com os 137 do PP, os 33 do Vox (extrema-direita), um da União do Povo Navarro e outro da Coligação Canária. Somam 172, o que não chega para ser empossado à primeira volta (que exige 176, maioria absoluta dos deputados em funções) nem à segunda (que requer mais votos a favor do que contra).

Sánchez prevê ter os votos do PSOE (121 deputados), da frente de esquerda Somar (31) — cuja líder, Yolanda Díaz, vice-primeira-ministra e ministra do Trabalho, se reuniu com Puigdemont em Bruxelas, segunda-feira —, do Bloco Nacionalista Galego (1), do Partido Nacionalista Basco (5) e do Unir o País Basco (Euskal Herría Bildu, sucessor do braço político do grupo terrorista ETA, 6 assentos). Tornam-se indispensáveis os do JxC (7) e da Esquerda Republicana da Catalunha (outros tantos).

O Governo de Sánchez respondeu repetidas vezes que as concessões têm como limite a Constituição. Se a consulta popular que os independentistas exigem é impossível, já a amnistia, até há poucos meses tabu, começa a ser objeto de discussões políticas e pareceres de juristas. Díaz criou, há semanas, um grupo de especialistas para desbravar o caminho legal para cumprir as exigências dos partidos catalães para a investidura de Sánchez, embora o Governo presidido por este último se tenha demarcado da iniciativa da ministra e do Somar.

PSOE dividido

A questão catalã é controversa entre socialistas. Vários barões regionais e figuras da dimensão do ex-primeiro-ministro Felipe González têm advertido contra cedências aos que querem dividir Espanha.

Sánchez atirou, ainda assim, rebuçados aos independentistas. Enquanto a legislatura passada foi a dos indultos aos condenados no processo catalão e da reforma dos delitos de sedição e desvio de fundos, assegurou numa intervenção em Madrid, a nova legislatura tem de servir para “deixar realmente para trás a fratura” do conflito político catalão. “É o tempo da audácia, da política, de continuar a avançar na convivência.”

O Governo já teve gestos de “boa vontade” para com a ERC e o JxC. Fez eleger presidente do Congresso dos Deputados uma catalanista convicta, Francina Armengol, antiga presidente do governo regional das ilhas Balares; permitiu que os dois partidos catalães tivessem grupo parlamentar próprio, com o que isso implica de subvenções e poder de intervenção; autorizou o uso das línguas co-oficiais do Estado (catalão, galego e basco) nas sessões ordinárias do Parlamento; e abriu caminho para que se tornem oficiais na União Europeia.

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