Economia, Amazónia, Bolsonarismo e não só — eis os desafios que Lula tem pela frente
NELSON ALMEIDA
Pela terceira e última vez, Lula da Silva será Presidente do Brasil. Mas agora terá de governar um país mais polarizado que nunca e “realizar reformas importantes na área económica, ambiental e na política externa”, com a certeza de que “o Bolsonarismo vai continuar na sociedade brasileira mesmo com a saída de Bolsonaro do poder”, antecipa a consultora política Gil Castillo
“Vou governar para 215 milhões de brasileiros e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois ‘Brasis’. Somos um país, um povo — uma grande nação”. No discurso pacificador que Lula da Silva deu este domingo, após os resultados confirmarem a derrota de Bolsonaro, o novo Presidente eleito do Brasil identificou alguns dos desafios que terá pela frente. Lula quer reunificar um país mais dividido — e polarizado — que nunca, e o seu “maior desafio inicial é conseguir ter governabilidade, mantendo equilíbrio e paz, e realizar reformas importantes”, aponta Gil Castillo, consultora política brasileira.
Nos últimos quatro anos de Bolsonaro, as instituições democráticas foram minadas, a extrema-direita impôs-se, os seus defensores tímidos ‘saíram do armário’ e hoje são mais fortes do que o próprio Presidente. “O Bolsonarismo vai continuar na sociedade brasileira mesmo com a saída de Bolsonaro do poder”, analisa Gil Castillo. Um dos grandes desafios de Lula é precisamente esse: “enfrentar uma oposição bastante ferrenha” no congresso nacional “tão polarizado à direita”, com uma grande bancada de deputados bolsonaristas, e ao mesmo tempo “conseguir ter um governo de consenso”.
Jair Bolsonaro, que perdeu com 49,1% dos votos contra a vitória de 50,9% de Lula da Silva, continua, para já, em silêncio (apenas o seu filho comentou esta segunda-feira no Twitter “Não vamos desistir do nosso Brasil”). Por isso, o dia é de “muita expectativa”, continua a especialista em ciência política brasileira. “O próprio facto de Bolsonaro não se pronunciar deixa uma brecha enorme para os partidários mais radicais interpretarem isso como uma não aceitação das eleições”. Muitos brasileiros pró-Bolsonaro acreditam que os resultados das presidenciais foram defraudados e estão a convocar manifestações e a fechar estradas — tudo isto “gera uma instabilidade que não é necessária neste momento”, afirma Castillo.
Lula da Silva, eleito Presidente do Brasil pela terceira vez e com o maior número de votos de sempre numa segunda volta, fez questão de dizer no seu discurso: “Esta não é uma vitória minha, nem do PT [Partido dos Trabalhadores], nem dos partidos que me apoiaram, é a vitória de um enorme movimento democrático que se formou acima dos partidos políticos e dos interesses pessoais, das ideologias, para que a democracia saísse vencedora”. Mas não deixou de admitir as dificuldades que o esperam: “Estou aqui para governar este país numa situação muito difícil. Mas tenho fé que, com a ajuda do povo, vamos encontrar uma saída para que esse país volte a viver democraticamente”.
Economia será “o maior desafio”
O lugar da presidência não é novo para Lula da Silva: já lá esteve entre 2003 e 2011, após ser reeleito para um segundo mandato em 2007. Agora, volta ao cargo mas encontra um país — e um mundo — bem diferente. Nos próximos quatro anos que estará à frente do Brasil, Lula terá uma tarefa mais exigente, que passa por “realizar reformas importantes na área económica, ambiental e na política externa, muito prejudicada durante o período de Bolsonaro”, considera ainda Gil Castillo.
Desde reparar a posição internacional do país, a lutar contra o racismo e a discriminação, “o maior desafio” de Lula será mesmo “a economia”, antecipa a consultura política brasileira. “Estamos agora, depois da pandemia, perante uma recessão mundial muito grande”, pautada pela inflação, desemprego e diminuição do poder de compra dos brasileiros. Neste sentido, será bem mais difícil replicar a prosperidade económica observada nos seus dois primeiros mandatos — entre 2003 e 2009, a classe média no Brasil cresceu cerca de 50%, segundo um relatório do Banco Mundial.
A proteção do ambiente, e em particular da Amazónia, é outra bandeira do novo mandato de Lula da Silva. “O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazónica”, prometeu, afastando-se totalmente da política destrutiva de Jair Bolsonaro: “Vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazónia”. De facto, Bolsonaro foi responsável pelas maiores taxas de desmatamento do chamado “pulmão do mundo” em 15 anos, segundo Tasso Azevedo, coordenador do projeto MapBiomas.
Lula da Silva tem 77 anos, quando terminar o mandato terá 81. Esta será a sua última presidência: no discurso deste domingo anunciou que não concorrerá às presidenciais de 2026. Em contrarrelógio para tornar o Brasil um país melhor, haverá objetivos e promessas, nomeadamente no campo da economia, que “infelizmente não serão cumpridas a curto prazo”, antecipa Gil Castillo. Por último, Lula terá ainda “o desafio de formar uma nova liderança que possa dar continuidade ao seu trabalho [daqui a quatro anos] — algo que ele e o PT ainda não conseguiram fazer”.
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