Ásia

Juiz de Hong Kong recusa proibir cântico pró-democracia e levanta preocupações com liberdade de expressão

Juiz de Hong Kong recusa proibir cântico pró-democracia e levanta preocupações com liberdade de expressão
JEROME FAVRE

O governo de Hong Kong pediu à justiça para impedir que a canção “Glória a Hong Kong” fosse difundida ou executada “com a intenção de incitar outros à secessão ou com intenções sediciosas”. O pedido foi agora rejeitado pelo juiz Anthony Chan, que apesar de considerar que Hong Kong “voltou à normalidade” com a Lei da Segurança Nacional, se mostra preocupado com o efeito que uma injunção teria na liberdade de expressão

Um juiz de Hong Kong rejeitou hoje um pedido do governo local para proibir o cântico pró-democracia “Glória a Hong Kong” que surgiu durante os protestos de 2019 na região administrativa especial chinesa. "Não posso considerar que seja justo e correto conceder esta injunção” de proibição, afirmou o juiz Anthony Chan no acórdão, citado pela agência francesa AFP.

“Este pedido é, por conseguinte, indeferido”, acrescentou.

Em junho, o executivo de Hong Kong apresentou um pedido para impedir que a canção, uma criação anónima, fosse difundida ou executada “com a intenção de incitar outros à secessão ou com intenções sediciosas”.

O executivo explicou que tinha decidido tomar medidas legais depois de a canção ter sido transmitida em várias ocasiões em vez do hino nacional chinês em eventos desportivos no estrangeiro. Registaram-se incidentes na Coreia do Sul durante uma final de râguebi e mais tarde numa emissão televisiva, que suscitaram pedidos de investigação pelo governo de Hong Kong e a emissão de novas instruções pela Federação Desportiva e Comité Olímpico de Hong Kong, China.

Mas o juiz Chan considerou que a proibição de “Glory to Hong Kong” levantaria sérias questões de liberdade de expressão.

“Considero que a violação da liberdade de expressão neste domínio, em especial em relação a terceiros inocentes, constitui o que o direito público considera como ‘efeitos inibidores’”, escreveu na decisão. “Não consigo concordar que os ‘efeitos inibidores’ possam ser descartados simplesmente porque a injunção não visa atividades legais. Não é de todo exagerado imaginar que pessoas perfeitamente inocentes podiam distanciar-se de atos legais a envolverem a música por medo de infringirem a injunção que tem consequências graves”, acrescentou o juiz.

“Embora aceitando plenamente que a injunção não tem qualquer efeito dissuasor, o tribunal tem o dever de ter em conta que existe um vasto leque de pessoas em Hong Kong” com diferentes graus de conhecimento de tal medida, explicou.

Tornado um hino do movimento pró-democracia da cidade, “Glory to Hong Kong” foi escrito e popularizado durante os protestos pró-democracia de 2019, em que milhões de pessoas saíram à rua para exigir liberdades políticas.

Pequim impôs uma lei draconiana de segurança nacional em 2020 para pôr fim ao movimento. A lei prevê prisão perpétua para casos de secessão, terrorismo ou conluio com forças estrangeiras, tendo já sido usada para deter e julgar dezenas de pessoas.

Atualmente, é ilegal cantar ou tocar a melodia de “Glory to Hong Kong” ao abrigo da lei de segurança nacional. Os músicos que a tocaram em público foram processados pelas autoridades.

Li Jiexin, 69 anos, está atualmente a ser julgado por “atuação não licenciada” depois de ter tocado “Glória a Hong Kong” com um erhu, um instrumento chinês de duas cordas, em toda a cidade em 2021 e 2022.

No acórdão do tribunal, o juiz Chan também avaliou se a injunção iria ser mais dissuasora do que a lei penal existente e indicou que a Lei da Segurança Nacional e outros diplomas legais são “robustos”.

“Não há dúvidas de que desde a promulgação da Lei da Segurança Nacional (NSL) Hong Kong voltou à normalidade. Pode ver-se que o regime da lei penal, especialmente a NSL, é eficaz", observou.

Em meados de junho, a canção foi retirada das plataformas de ‘streaming’, incluindo o iTunes e o Spotify, depois de o governo ter intentado uma ação judicial.

Hong Kong, uma antiga colónia britânica, foi integrada na China em 1 de julho de 1997, ao abrigo de um acordo assinado por Londres e Pequim em 1984.

A integração da capitalista Hong Kong na China comunista foi feita com base no princípio “um país, dois sistemas”, que previa a manutenção do modo de vida local durante 50 anos, incluindo as liberdades e direitos individuais.

As autoridades chinesas, no entanto, foram impondo restrições às liberdades políticas no território de 7,4 milhões de habitantes, apesar das críticas locais e internacionais.

Numa entrevista à Lusa em Lisboa, em maio, o ativista Samuel Chu defendeu que a lei de segurança nacional chinesa marcou o desmembramento final do acordo sino-britânico sobre Hong Kong.

“Temos de ter liberdade na China para que haja uma Hong Kong livre”, afirmou na altura, manifestando-se otimista de que o povo do território não deixará de lutar pela democracia.

Natural de Hong Kong, onde nasceu em 1978, Chu é alvo de um mandado de detenção desde 2020, emitido pelas autoridades locais ao abrigo da lei de segurança nacional, vivendo atualmente nos Estados Unidos.

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