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ONU diz que guerra no Sudão empurra o país para a “maior crise de fome do mundo”

Refugiados fogem da guerra no Sudão
Refugiados fogem da guerra no Sudão
Getty Images

Cinco milhões de sudaneses já estão a passar fome e 18 milhões estão em risco. A situação tende a agravar-se com cada vez menos ajuda humanitária a chegar ao país devido aos bloqueios do governo e falta de financiamento internacional

ONU diz que guerra no Sudão empurra o país para a “maior crise de fome do mundo”

Eunice Parreira

Jornalista

Maia de 25 milhões de pessoas no Sudão, Sudão do Sul e no Chade podem enfrentar a “maior crise de fome do mundo” devido à guerra civil que assola o país, alerta o Programa Alimentar Mundial (PAM) da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, 90% das pessoas estão em zonas inacessíveis à ajuda do PAM devido à violência constante e à interferência das partes em conflito.

“Há vinte anos, Darfur [região no oeste no Sudão] foi a maior crise de fome no mundo e o mundo mobilizou-se para responder. Mas, hoje, a população do Sudão foi esquecida”, disse a diretora executiva do programa, Cindy McCain, após uma visita aos deslocados no Sudão do Sul.

A redução das colheitas é um dos fatores que tem agravado a fome no país. Embora os campos de agricultura estejam situados em zonas mais calmas, as cadeias de abastecimento foram comprometidas. Pesticidas, fertilizantes e sementes foram roubados dos armazéns e os agricultores adiaram plantar ou decidiram mesmo não cultivar devido à instabilidade provocada pelo conflito. “O combustível é vendido no mercado negro e os preços subiram 300%. Infelizmente, tudo isto indica o fracasso da época de plantação”, afirmou Mahdi Ahmed, um agricultor, citado pela agência noticiosa Reuters.

Como o enfraquecimento da economia fez disparar os preços dos alimentos, apenas 5% da população consegue pagar uma refeição diária, segundo o PAM. Atualmente, cerca de 18 milhões de pessoas enfrentam uma grave escassez de alimentos e cinco milhões estão a passar fome.

Mais oito milhões de sudaneses estão deslocados

Em abril de 2023, o Sudão mergulhou numa guerra quando se iniciaram os confrontos entre as forças armadas sudanesas e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido. A guerra rapidamente atingiu mais zonas do país, o que provocou mais de seis milhões de deslocados internamente e quase dois milhões saíram do Sudão em direção aos países vizinhos. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, o Sudão é o país com a maior crise mundial de deslocados.

Nos últimos dez meses, 600.000 sudaneses chegaram ao Sudão do Sul, e os que chegaram recentemente representam 35% daqueles que enfrentam fome severa. A crise também se estende aos mais novos, com uma em cada cinco crianças subnutrida nos centros do principal posto transfronteiriço entre os países.

“Conheci mães e crianças que fugiram para salvar as suas vidas, não uma, mas várias vezes, e agora a fome está a apertar-lhes o cerco”, disse Cindy McCain, após uma visita a um dos centros de refugiados. “As consequências da inação vão muito além de uma mãe incapaz de alimentar o seu filho e irão moldar a região nos próximos anos”, afirmou ainda.

Ajuda humanitária é cada vez mais escassa

A agência alimentar das Nações Unidas avisa que a resposta humanitária está a atingir um ponto de rutura. Além da crise de fome, também os cuidados de saúde têm sofrido impactos. Cerca de 65% da população não tem acesso a serviços de saúde, o que torna os surtos de doenças frequentes, já foram registados cerca de 10.500 casos de cólera.

A situação agravou-se ainda quando o Governo revogou as autorizações para a entrada de camiões humanitários na fronteira. Entretanto, no início de março, foi aprovada a utilização de uma passagem perto do Chade para a entrega de ajuda humanitária, mas vários grupos humanitários garantem que as entregas de ajuda foram suspensas devido ao receio que estivesse a ocorrer comércio transfronteiriço de armas por parte do grupo paramilitar, avança a ‘ABC News’.

Os ataques constantes dos Hutis a navios no Mar Vermelho também têm dificultado o fornecimento de ajuda. “Os carregamentos que demoravam uma ou duas semanas, no máximo, demoram agora meses”, disse o diretor do Comité Internacional de Resgate no Sudão, Eatizaz Yousif.

Com as atenções voltadas para as crises na Ucrânia e em Gaza tem sido difícil mobilizar a comunidade internacional para contribuir com o financiamento necessário. O gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU tinha solicitado 2,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,5 mil milhões de euros) aos doadores, contudo, até à data, apenas foi angariado 4,87% do necessário.

“A crise no Sudão é uma tragédia que parece ter sido ter caído no nevoeiro da amnésia global”, disse o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, que relembrou que este conflito tem impedido a entrada ajuda humanitária.

Desde março de 2024 que o país não conta com a ajuda da Missão Integrada de Assistência à Transição das Nações Unidas no Sudão. “As Nações Unidas não estão a abandonar o Sudão. Continua fortemente empenhada em prestar assistência humanitária que pode salvar vidas e em apoiar o povo sudanês nas suas aspirações a um futuro pacífico e seguro”, garantiu o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, num comunicado.

António Guterres apelou ainda às partes envolvidas na guerra do Sudão para colocarem as armas de lado e empenharam-se em “conversações de paz alargadas que conduzam ao reinício de uma transição democrática liderada por civis”. À semelhança do líder na ONU, a diretora do PAM fez um “apelo urgente para que os combates cessem e para que todas as agências humanitárias sejam autorizadas a fazer o seu trabalho de salvar vidas”.

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