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Nobel da Paz em tempo de guerra: 123 anos de história, as vezes em que não foi atribuído e as escolhas polémicas

Os Prémios Nobel distinguem “aqueles que, durante o ano anterior, terão conferido o maior benefício à Humanidade”
Os Prémios Nobel distinguem “aqueles que, durante o ano anterior, terão conferido o maior benefício à Humanidade”
Sergei Gapon / Anadolu / Getty Images

Com o mundo tomado por duas guerras com impacto mundial, o Comité Nobel anuncia esta sexta-feira a quem atribui o Prémio da Paz 2024, pela 123.ª vez desde a sua instituição. Por 19 vezes, optou por não o atribuir, em especial durante os dois conflitos mundiais. Em várias vezes, distinguiu quem efetivamente contribuiu para cessar hostilidades

Margarida Mota

Jornalista

Os Prémios Nobel têm na sua origem a fortuna de um industrial sueco que, no seu testamento com data de 27 de novembro de 1895, destinou parte substancial a premiar “aqueles que, durante o ano anterior, terão conferido o maior benefício à Humanidade”.

Um dos cinco campos que Alfred Nobel identificou como merecedores de reconhecimento foi o da paz, em concreto “a pessoa que terá feito o maior ou melhor trabalho em prol da fraternidade entre as nações, da abolição ou redução dos exércitos permanentes e da realização e promoção de congressos de paz”.

Em 122 anos de atribuição do Nobel da Paz (1901-2023), nem sempre o prémio distinguiu esforços de paz concretizados. Em 2009, por exemplo, Barack Obama, em início de mandato, ganhou o Nobel “pelos seus esforços extraordinários para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre povos”, no que foi amplamente considerado um prémio prematuro.

O único “não”

Mas também há exemplo de um laureado com contributos decisivos para a paz que rejeitou receber o prémio. Aconteceu em 1973 quando a guerra no Vietname ainda não tinha terminado e o Comité Nobel entendeu reconhecer os esforços de Henry Kissinger (secretário de Estado norte-americano) e de Le Duc Tho (político vietnamita) “por terem negociado conjuntamente um cessar-fogo no Vietname em 1973”.

Nenhum dos laureados compareceu à cerimónia de atribuição do Nobel, em Oslo. Mas enquanto no caso do norte-americano tratou-se de uma impossibilidade, já o vietnamita rejeitou o prémio. “A paz ainda não foi estabelecida”, afirmou, justificando assim a sua ausência.

Tho e Kissinger foram os principais negociadores dos Acordos de Paz de Paris, assinados a 27 de janeiro de 1973, com a designação oficial de “Acordo para Acabar com a Guerra e Restaurar a Paz no Vietname”. As armas, porém, só se calaram em definitivo em 1975.

No século XX, por várias vezes, o Nobel da Paz distinguiu efetivamente protagonistas de conflitos duradouros que souberam enterrar os machados de guerra e estender a mão ao inimigo. Aconteceu em especial na década seguinte, no fim da Guerra Fria, quando várias disputas se resolveram.

1993
O prémio foi entregue ao negro Nelson Mandela (líder da luta contra o apartheid) e ao branco Frederik W. de Klerk (Presidente da África do Sul) “pelo seu trabalho para o fim pacífico do regime do apartheid e para lançar as bases para uma nova África do Sul democrática”. No ano seguinte, Mandela substituiria De Klerk na presidência do país.

1994
Três personalidades foram distinguidas “pelos seus esforços para criar paz no Médio Oriente”. Foram eles o líder palestiniano Yasser Arafat, o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin e o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel Shimon Peres. A 13 de setembro de 1993, tinham sido assinados os Acordos de Oslo, o último entendimento visando a paz, até hoje, entre israelitas e palestinianos.

1998
Os galardoados foram os irlandeses John Hume (republicano) e David Trimble (unionista), “pelos seus esforços para encontrar uma solução pacífica para o conflito na Irlanda do Norte”. Foram os principais arquitetos do Acordo de Sexta-feira Santa, de 10 de abril desse ano, que trouxe a paz à Irlanda do Norte, após 30 anos de violência entre cristãos e protestantes.

Noutros anos, o Nobel da Paz distinguiu protagonistas de apenas um dos lados de determinada contenda.

2016
O Presidente da Colômbia Juan Manuel Santos recebeu o Nobel “pelos seus esforços resolutos para pôr fim à guerra civil" que durava "há mais de 50 anos no país”. O Governo colombiano acabara de assinar um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), mas os rebeldes não foram contemplados com o Nobel.

2019
O distinguido foi o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, “pelos seus esforços para alcançar a paz e a cooperação internacional e, em particular, pela sua iniciativa decisiva para resolver o conflito fronteiriço com a vizinha Eritreia”. Assinada a 9 de julho de 2018, uma declaração conjunta dos dois países colocara um ponto final à guerra entre ambos, mas o Comité não reconheceu o contributo do Presidente eritreu Isaias Afwerki.

Em 122 edições, o Nobel da Paz não foi atribuído por 19 vezes: quatro durante a Grande Guerra (de 1914 a 1916 e em 1918), cinco no decurso da II Guerra Mundial (entre 1939 e 1943) e também em 1923, 1924, 1928, 1932, 1948, 1955, 1956, 1966, 1967 e 1972.

Com duas guerras transfronteiriças em curso (na Ucrânia e no Médio Oriente), outras votadas ao esquecimento (como a do Sudão) e poucos esforços para as resolver, o Comité Nobel anunciará, esta sexta-feira, quem — se alguém — tem remado contra a maré.

O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, assim como o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA, na sigla inglesa) estão entre os favoritos a arrebatar o galardão deste ano.

O Nobel da Paz 2024 será conhecido pelas 10 horas de Portugal Continental. O anúncio pode ser seguido através da transmissão em direto do Comité Nobel.

Este prémio é atribuído por um comité eleito pelo Parlamento da Noruega (Stortinget) e é entregue, todos os anos, numa cerimónia realizada em Oslo, a 10 de dezembro, dia do aniversário da morte de Alfred Nobel.

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