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Hungria vai realizar “consulta nacional” sobre adesão da Ucrânia à UE: arma política não tem validade legal

Hungria vai realizar “consulta nacional” sobre adesão da Ucrânia à UE: arma política não tem validade legal
WOJTEK RADWANSKI

O Governo do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, anunciou que vai organizar uma consulta pública aos cidadãos para saber o que eles pensam da adesão da Ucrânia à União Europeia, intuito já muito criticado por Orbán

Hungria vai realizar “consulta nacional” sobre adesão da Ucrânia à UE: arma política não tem validade legal

Ana França

Jornalista da secção Internacional

O Governo húngaro vai perguntar aos seus cidadãos o que pensam da adesão da Ucrânia à União Europeia, através de uma “consulta nacional”, um mecanismo de auscultação da opinião dos eleitores que não equivale a um referendo por não ter validade legal. O anúncio foi feito pelo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Tamas Menczer, no Facebook.

No dia 8 de novembro, a Comissão Europeia deu luz verde à Ucrânia e à Moldávia para iniciarem negociações de adesão à UE, mas o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, que se opõe a uma entrada da Ucrânia na UE desde que esse assunto se tornou uma discussão séria em Bruxelas, sinalizou esta sexta-feira que pode mesmo estar a preparar-se para vetar o início destas conversações que precisam da aprovação dos líderes dos 27 Estados-membros antes de poderem começar.

Essa segunda luz verde devia acender-se já no próximo Conselho Europeu, marcado para os dias 14 e 15 de dezembro, em Bruxelas, mas não é certo que isso vá acontecer. “A Ucrânia não está de modo algum pronta a dar seguimento às suas ambições de aderir à União Europeia. A posição clara da Hungria é que as negociações não devem começar”, disse o líder húngaro à rádio pública nacional, citado pela Associated Press.

O vídeo de Menczer, apesar de ser um anúncio, parece suscitar já um lado “certo” que os eleitores devem escolher. O secretário de Estado presenta a putativa adesão da Ucrânia de uma forma claramente negativa, dizendo que essa realidade significaria “a importação da guerra” para dentro da comunidade europeia e também uma perda de fundos comunitários muito significativa, já que um país tão grande e com tão grandes necessidades económicas podia sugar uma boa parte dos fundos que agora vão para a Hungria.

Se as equações para a atribução de subsídios se mantiver igual depois da adesão de Kiev, o que é pouco provável, é possível que os países que hoje são beneficiários líquidos de fundos comunitários possam passar a ser contribuintes em primeiro lugar, mas nada disso é certo.


A hostilidade dirigida à Ucrânia por parte do Governo em Budapeste não é um dado novo na política europeia dos últimos quase dois anos. A Hungria já se recusou a apoiar pacotes de sanções contra a Rússia, disse recentemente que não iria aprovar mais nenhum pacote de ajuda monetária (o mais recente, que deverá ser aprovado em dezembro, é de 50 milhões de euros), nunca doou armas à Ucrânia, é contra a entrada do país na NATO, e Viktor Orbán não tenta esconder que tem outros amigos além dos seus colegas da UE. O recente encontro com Vladimir Putin em Pequim, que recebe pouca ou nenhuma atenção dos líderes ocidentais, foi só a última cartada do menino rebelde da UE.

É possível que esses fundos venham a ser libertados se a UE, como parece ser o caso, estiver disposta a descongelar um outro montante de ajuda - aquela que a Hungria deveria ter recebido como ajuda à crise provocada pela pandemia mas acabou retida nos cofres da UE por culpa daquilo que a Comissão considera as falhas da Hungria em cumprir as exigências europeias no que ao Estado de Direito e aos direitos das minorias diz respeito.

O “Financial Times” escreveu, no início de outubro, que as conversações no sentido de desbloquear esse dinheiro para que, assim, o valor destinado à Ucrânia também pudesse seguir caminho estavam bem encaminhadas. Prevê-se a libertação de 13 dos 22 mil milhões congelados até ao fim de novembro - algo que ainda não foi confirmado nem por Budapeste nem por Bruxelas.

Uma das principais queixas de Orban contra a atual administração em Kiev, encabeçada pelo Presidente Volodymyr Zelensky, é a falta de respeito que o primeiro-ministro diz existir pela preservação da língua e cultura húngaras na Ucrânia. Fazendo eco das palavras de Orban, Menczer afirma no vídeo que a Ucrânia “tirou os direitos da comunidade nacional húngara”. Uma das principais fontes de conflito tem sido uma lei linguística de 2017 que exige que pelo menos 70% do ensino acima do quinto ano seja ministrado em ucraniano.

Kiev tem estado a falar com Budapeste para resolver a questão da língua de ensino da minoria húngara na Ucrânia, disse a secretária de Estado para a Integração Europeia da Ucrânia, Olha Stefanishyna, ao “European Pravda” a 7 de novembro. Ao “Kyiv Independente”, a governante confirmou que não só existem reuniões entre delegações de especialistas de ambos os países, como também já há uma proposta de lei registada no parlamento ucraniano, para ser debatida e votada em breve. Ou seja, a retórica de Budapeste não passa disso mesmo, porque existe de facto uma tentativa, de ambos os lados, de “atender às necessidade das minorias”.

Em janeiro, o governo húngaro divulgou os resultados de uma outra “consulta nacional” sobre a política de sanções da UE, na qual 97% dos inquiridos se mostraram contra as sanções impostas à Rússia. Cerca de 1,4 milhões de cidadãos terão participado nesta consulta. Esta ferramenta é vista como um adereço político do governo de Orbán para levar na mala quando visita Bruxelas. As participações são baixas e não existe qualquer supervisão, que seria normal, num ato eleitoral. Um questionário é enviado para casa das pessoas e a recolha de opiniões prolonga-se por vários meses.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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