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Europeus não olham para a China como rival, mas fornecimento de armas à Rússia poderia mudar atitude

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Santiago Urquijo

A Rússia é vista pela maioria dos europeus de onze países como rival ou adversário, o que não acontece com a China. Uma sondagem do European Council on Foreign Relations mostra que as pessoas estão, ainda assim, dispostas a retomar algum tipo de relação com a Rússia se a paz chegar através de negociações. Em caso de conflito entre os Estados Unidos e a China por causa de Taiwan, preferem a neutralidade

Europeus não olham para a China como rival, mas fornecimento de armas à Rússia poderia mudar atitude

Salomé Fernandes

Jornalista da secção internacional

Em contexto de guerra na Europa e a pouco mais de um ano de eleições para o Parlamento Europeu, uma sondagem do European Council on Foreign Relations (ECFR) em onze países europeus concluiu que a maioria dos cidadãos europeus não olha para a China como rival ou adversário. No entanto, haveria mais europeus a favor do que contra a imposição de sanções caso a China fornecesse armas à Rússia. O inquérito realizou-se em abril de 2023 e abrangeu mais de 16 mil cidadãos.

Os europeus olham para a China e a Rússia de forma diferente. Em média, 47% consideram a China um aliado ou parceiro com que é necessário cooperar, enquanto apenas 23% veem isso na Rússia. Apenas 35% consideram a China um rival ou adversário, enquanto 64% têm essa visão sobre a Rússia. Nem todos os que responderam ao inquérito têm posição definida. A Suécia e a Alemanha são os país onde mais pessoas encaram a China como rival (com que é necessário competir) ou adversário (com que se está em conflito).

A análise económica também reflete uma visão geral mais positiva face à China, ainda que a maioria dos europeus considere que o país colabora com a Rússia. O volume de cidadãos que consideram que a importação de combustíveis da Rússia traz “maioritariamente riscos” ou “mais riscos do que benefícios” é de 49%, fixando-se nos 22% quando estão em causa as trocas comerciais e relação de investimento com a China.

“De muitas formas, os cidadãos europeus estão mais na equipa Macron do que na equipa Von der Leyen. Não veem a China como potência que desafia e quer prejudicar a Europa nem aderem ao enquadramento ‘democracia versus autocracia’ promovida pela administração de Biden”, indica o relatório.

Os dados mostram que, em todos os Estados incluídos no inquérito, pelo menos metade dos cidadãos pretende que o seu país volte a ter algum tipo de relações com a Rússia, se a guerra acabar com uma paz obtida na mesa das negociações.

As declarações da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do Presidente francês, Emmanuel Macron, transparecem o contraste de posicionamento em relação à segunda maior economia mundial. Enquanto Macron pede para não se regressar a uma “lógica de blocos”, Von der Leyen defende que se aposte na redução de riscos.

O inquérito abrangeu Áustria, Bulgária, Dinamarca, França, Alemanha, Hungria, Itália, Países Baixos, Polónia, Espanha e Suécia. É da autoria dos analistas políticos Jana Puglierin e Pawel Zerka e traça comparações com os resultados de um inquérito de 2021, para concluir que a percentagem de cidadãos que consideram a Rússia inimiga ou rival da Europa aumentou. Há dois anos era cerca de um terço, agora ronda os dois terços. A Bulgária é o único país onde a Rússia continua a ser vista como aliado ou parceiro.

Ainda assim, os dados mostram que em todos os Estados incluídos no inquérito, pelo menos metade dos cidadãos pretende que o seu país volte a ter algum tipo de relações com a Rússia, se a guerra acabar com uma paz obtida na mesa das negociações.

A linha vermelha

A China absteve-se na votação da resolução das Nações Unidas que condenou a invasão militar e estreitou a cooperação estratégica com a Rússia. A relação entre os dois países é fruto de tensões internacionais. Os Estados Unidos já acusaram Pequim de ponderar dar apoio militar letal à Rússia e a União Europeia expressou preocupação com essa possibilidade. No entanto, o conselheiro de Estado chinês Wang Yi indicou que Pequim não faz tenção de fornecer armas a Moscovo.

Este seria um ponto de viragem para os cidadãos europeus. Se o fornecimento de armas da China à Rússia passasse de hipotético a real, a atitude de quem respondeu ao inquérito mudava. Em média, 41% apoiava a imposição de sanções à China, mesmo que causasse danos sérios às economias ocidentais, por oposição a 33% que seriam contra esse passo.

No entanto, apontam os autores, “os países europeus estão longe de estar unidos nisto”. Em cinco dos onze países em análise, são mais as pessoas que se opõem à imposição de sanções à China do que as que apoiam a medida: tratam-se da Alemanha, Hungria, Áustria, Itália e Bulgária.

Quando se colocam exemplos práticos da presença económica da China na Europa, a maioria dos cidadãos revela cautela. Que pensam de empresas chinesas comprarem empresas de tecnologia europeias? Em média, 52% consideram isso “inaceitável”. Também se opõem à compra de jornais (59%) e a detenção por empresas chinesas de infraestruturas como pontes e portos na Europa (65%). E há mais pessoas contra do que a favor de firmas chinesas construírem esse tipo de infraestruturas ou comprarem uma equipa de futebol.

O estudo revela que a preocupação cresceu desde finais de 2020. “Os três países onde a população mais se opõe à presença económica da China são Áustria, Alemanha e Países Baixos – enquanto a Bulgária e Espanha são os mais abertos”, pode ler-se no documento.

Apesar de a maioria dos europeus considerar os Estados Unidos um “aliado” ou pelo menos um “parceiro necessário com quem devemos cooperar”, há pouca confiança de que a proteção americana baste para que a Europa possa deixar as preocupações de parte. Três em cada quatro pessoas acreditam que a Europa não pode estar dependente e precisa de recursos de defesa próprios, resultados que o estudo considera deverem “tranquilizar” a classe política, que pretende comunicar à população aumentos da despesa com recursos militares.

Perante a proximidade aos Estados Unidos, como olham os europeus para Taiwan? O inquérito conclui que em caso de conflito, a vontade de apoiar Washington contra a China a nível militar não aumentaria. A Suécia é o país com mais cidadãos a favor de apoio aos Estados Unidos, e mesmo aí, não ultrapassa os 35%. Na Bulgária o apoio desce para 8%. Em média, 62% dos cidadãos optam pela neutralidade.

Cidadãos querem ser ouvidos

Os europeus querem ter maior influência em assuntos de política externa, com a maioria a defender que não são suficientemente ouvidos pelo Governo do seu país. Pawel Zerka, um dos autores do estudo, reconhece que os líderes europeus não podem governar sem apoio dos cidadãos, mas entende que não devem seguir apenas as opiniões do público. “Se basearem as suas ações nas expectativas do público, não se prepararão para cenários altamente disruptivos – com consequências possivelmente devastadoras para a segurança europeia. Deveriam entrar num diálogo ativo com as suas populações, para as preparar para vários cenários geopolíticos e decisões difíceis, e comunicar o perigo da inação”, escreveu Zerka.

Quanto ao papel que a Europa deve assumir na política externa, à semelhança dos resultados de um inquérito de 2021, há um objetivo que sobressai: ser um bastião da democracia e dos direitos humanos.

Jana Puglierin descreve que os europeus procuram uma UE “mais auto-suficiente” na política externa e com recursos de defesa. “Este pode ser um momento decisivo para a UE, e coloca a questão de saber se consegue reconciliar as diferenças de opinião internas e mudar da dependência dos Estados Unidos para uma posição em que possa adotar as suas próprias posições políticas”, escreveu.

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