Governo de Macron sobrevive a duas moções de censura devido à polémica reforma das pensões
BERTRAND GUAY
Propostas da extrema-direita e do centro não tiveram votos suficientes para fazer cair o Executivo liderado pela primeira-ministra Elizabeth Borne. Reforma que sobe a idade da reforma dos 62 para os 64 anos é aprovada, mas ainda falta um crivo Constitucional para poder ser implementada. População responde ao resultado da votação com mais protestos
O Governo francês resistiu esta segunda-feira a duas moções de censura apresentadas na Assembleia Nacional, após ter dado luz verde à polémica reforma das pensões sem levar a legislação ao Parlamento (através de um mecanismo previsto na Constituição denominado 49.3).
As moções de censura foram apresentadas pelo Reagrupamento Nacional (RN), partido de extrema-direita até recentemente liderado por Marine Le Pen; e pelo Loit, um grupo parlamentar centrista com apenas 20 deputados. Esta última proposta recolheu os votos favoráveis de 278 deputados – menos 9 do que o número necessário para alcançar uma maioria capaz de derrubar o Governo da primeira-ministra Elizabeth Borne, escolhida pelo Presidente Emmanuel Macron após as legislativas de 2022. A proposta da extrema-direita teve ainda menos votos.
O grupo parlamentar da “Renascença”, afeto a Macron e ao Governo, tem o maior número de lugares na Assembleia Nacional – mas perdeu a maioria absoluta no ano passado, o que significa que o Governo poderia ter sido derrubado se todos os grupos da oposição se unissem em torno de uma das moções de censura, incluindo deputados dos Republicanos, partido conservador e liberal fundado por Nicolas Sarkozy.
Assim, e já depois de ter tido luz verde do Senado na semana passada, a reforma das pensões está oficialmente aprovada – mas ainda não pode ser implementada. Isto porque a aliança de esquerda NUPES, que agrega partidos como a França Insubmissa, Partido Socialista francês ou os Verdes, já garantiu que vão pedir um parecer ao Conselho Constitucional de França (equivalente ao Tribunal Constitucional português).
Segundo o repórter do canal “France 24” presente no Parlamento, os deputados da esquerda não estavam à espera que a votação fosse tão renhida. “Este Governo já está morto aos olhos dos franceses, já não tem qualquer legitimidade”, denunciou Mathilde Panot, deputada da França Insubmissa, um dos partidos cujos deputados seguraram cartazes alusivos à morte do Executivo após os resultados serem conhecidos.
A medida prevê o aumento da idade da reforma dos 62 para os 64 anos, concretizando uma política há muito defendida por Macron. O objetivo é garantir a sustentabilidade do sistema da segurança social – cujas contas ficarão equilibradas em 2023 com a nova legislação, garante o Executivo. Além disso, pretende-se apertar os critérios para a obtenção de uma pensão completa, e limitar algumas das benesses plasmadas nas carreiras dos funcionários públicos (incluindo, por exemplo, os trabalhadores do metro de Paris).
Em Paris, poucos minutos depois do chumbo das moções de censura ter sido anunciado, centenas de manifestantes começaram uma marcha gritando pela “demissão” de Macron. Segundo a “Agence de Presse”, os protestos transformaram-se rapidamente em confrontos físicos com a polícia, algo que se tem repetido nos últimos dias na capital francesa.
Também esta tarde, “centenas” de estudantes da Universidade de Paris avançaram para ocupar – outra vez – uma zona perto da estação de metro de Tolbiac, diz a AFP. À semelhança dos últimos dias, a maioria das refinarias no país continua em greve, dificultando o abastecimento de veículos. O Governo já ameaçou com requisições civis a estes trabalhadores caso os transtornos para a economia nacional se mantenham. Está marcada uma nova greve geral para esta quinta-feira, 23 de março.
Popularidade de Macron em queda, fantasma da extrema-direita à espreita
Segundo o Global Pension Index 2022, um relatório elaborado pela empresa de recursos humanos Mercer, França tem o 22º melhor sistema de pensões com 63 pontos em 100 (entre 44 países). Uma das medidas sugeridas para tornar o sistema mais robusto é justamente subir a idade da reforma, levando a uma maior participação laboral das faixas etárias mais velhas para acompanhar a crescente esperança média de vida.
Os partidos da oposição – e os milhões de cidadãos que têm tomado as ruas nas últimas semanas – discordam destas medidas. Os sindicatos apontam que a mudança vai afetar sobretudo os trabalhadores braçais e pouco qualificados, que tendencialmente começam a trabalhar mais cedo. A NUPES defende a criação de um imposto sobre os “super-lucros” para resolver os problemas de sustentabilidade da segurança social.
Macron, ex-banqueiro da Goldman Sachs, tomou duas decisões polémicas poucos meses depois de tomar posse em 2017: aboliu um imposto especial sobre a riqueza, e flexibilizou as leis laborais para ser mais fácil contratar e despedir funcionários. O Presidente também tentou implementar a reforma das pensões no seu primeiro mandato, mas acabou por ceder.
A sessão desta segunda-feira não foi tão animada como na semana passada, quando a primeira-ministra foi impedida de discursar por deputados a cantar a Marselhesa, o hino nacional francês, o que obrigou à suspensão dos trabalhos durante dois minutos.
Ainda assim, houve tempo e espaço para a discórdia ficar vincada antes da votação das moções: logo a abrir, Charles de Courson, deputado do grupo centrista Liot responsável por uma das moções de censura, acusou o Executivo de “negar a democracia” ao evitar a votação parlamentar, e pediu “coragem” e “respeito pelas instituições” a Macron. Mathilde Panot citou jornais internacionais para desacreditar a proposta do Executivo. “A situação é grave”, afirmou no seu discurso.
A defesa da reforma coube à deputada Aurore Bergé, uma das principais aliadas de Macron. Entre vaias e palavras de desagrado, sobretudo por parte dos deputados do RN, Bergé lembrou que não mexer na lei das pensões iria ter um grande impacto no défice. Num discurso que tentou unir a esquerda e o centro ao mesmo tempo que isolava a extrema-direita, a deputada pediu “solidariedade intergeracional” aos seus colegas e à população.
Citado num artigo publicado na última sexta-feira no “The Guardian”, o líder do sindicato CGT, Philippe Martinez, sublinhou que Macron estaria a “dar as chaves da presidência” a Le Pen nas eleições presidenciais de 2027 se dispensasse o voto parlamentar para aprovar a reforma.
Macron tomou essa decisão – fontes próximas do Presidente francês têm garantido nas últimas semanas que este não iria ceder – e por isso agora terá de lidar com a contestação social nas ruas, que promete não abrandar nas próximas semanas. A partir de agora, o Presidente terá também de se preocupar em manter vivo o seu Governo (e liderança): a sua popularidade atingiu em fevereiro mínimos históricos dos últimos três anos, com apenas 32% dos franceses satisfeitos com o trabalho do Presidente (uma queda de dois pontos percentuais em relação a janeiro).
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