Metade dos regimes democráticos no mundo em declínio, Portugal com défice na participação cívica
Jovens chineses utilizam folha de papel em branco para protestar contra a falta de liberdade de expressão
REUTERS/Thomas Peter
Um em cada dois regimes democráticos em todo o mundo está em declínio, fragilizado por problemas de legitimidade, limitações de liberdades essenciais ou falta de transparência, revela o mais recente relatório sobre o Estado Global das Democracias do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA). Os regimes autocráticos estão a aprofundar os seus métodos de repressão
O número de países democráticos em regressão é o mais alto da última década, diz Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA) “O número de países a nível mundial que avançam rumo ao autoritarismo excede o dobro do número de países que avançam numa direção democrática”, acrescenta o IDEA num relatório que mostra que até democracias estabelecidas, como os Estados Unidos, estão a braços com problemas que minam a sua credibilidade junto dos eleitores.
Nos últimos cinco anos, o progresso das democracias a nível global tem estagnao nos índices do IDEA. Há mesmo regressões e, em vários parâmetros, não estão melhores do que em 1990.
O relatório do IDEA mede o desempenho democrático de 173 países desde 1975 e procura fornecer um diagnóstico sobre o estado das democracias em todo o mundo.
“Democracia saudável” com problemas na participação cívica
Portugal não escapa imune ao clima de erosão dos parâmetros de saúde democrática. No relatório de 2020, o país fora o único do mundo a cair em três parâmetros de saúde democrática em simultâneo. Em 2021, porém, mantém os valores em todos os índices, preservando o estatuto de democracia integral e com valores elevados de democraticidade.
O melhor desempenho de Portugal revela-se nos parâmetros da representatividade do Governo (que mede a legitimidade eleitoral e onde o país está nos primeiros lugares do topo da classificação mundial), na defesa dos direitos fundamentais e no escrutínio dos órgãos executivos, onde tem valores acima da média europeia.
Câmaras de televisão num ato de campanha para as eleições de 8 de novembro nos Estados Unidos, no Estado da Virgínia
Portugal tem mesmo uma ligeira subida no parâmetro de aplicação da Justiça, onde se verificara uma quebra, e mantém elevados níveis de liberdade cívica e de direitos sociais e igualdade.
O ponto mais débil da saúde da democracia portuguesa encontra-se no parâmetro de “democracia direta”, que mede o grau de abertura do regime à participação das posições dos cidadãos na tomada de decisão política, nomeadamente através de referendos ou consultas populares, onde Portugal aparece muito atrás de outros países europeus.
Portugal revela algum défice na participação da sociedade civil, na imparcialidade da administração pública e nos índices de corrupção, com valores ligeiramente abaixo da média europeia, que tem vindo a sofrer uma regressão nos últimos anos.
As causas do declínio global
Quando os investigadores do IDEA procuram encontrar causas para o declínio dos regimes democráticos, detetam explicações no afastamento dos eleitos perante os problemas reais dos eleitores, o aumento da corrupção e a ascensão de partidos demagógicos e populistas que polarizam e radicalizam a atividade política.
Ao mesmo tempo, o relatório deste ano mostra que os regimes autoritários são cada vez mais numerosos e estão a aprofundar a sua atividade repressiva, tendo 2021 sido o pior ano de que há registo.
“Mais de dois terços da população mundial vivem agora em democracias em regressão ou sob regimes autoritários e híbridos”, conclui o relatório, que ainda assim deixa alguns sinais de otimismo, relativamente ao cenário político global.
“As pessoas estão a unir esforços de forma inovadora, para renegociar os termos dos contratos sociais, pressionando os seus governos a satisfazer as exigências do século XXI, desde a criação de estruturas comunitárias de cuidados infantis, na Ásia, até às liberdades reprodutivas na América Latina”, conclui o estudo do IDEA.
Manifestação pela democracia no Irão este sábado, 19 de novembro, em Lisboa
RODRIGO ANTUNES
Em declarações à agência Lusa, o secretário-geral deste instituto com sede em Estocolmo reconheceu que há muitos casos interessantes de atividade cívica, como movimentos ambientais, manifestações a favor dos direitos das mulheres no Irão ou protestos políticos na Tailândia. “Os cidadãos mostram vontade de ultrapassar os limites do politicamente possível.”
“Os próximos anos vão ser desafiantes”, garante Casas-Zamora, lembrando que “ao contrário do que os pessimistas democráticos possam sugerir, os regimes autoritários e sistemas alternativos de governação não superaram o desempenho dos seus pares democráticos”.
Ainda assim, o relatório apresenta indicadores preocupantes para quem acredita neste regime político, como o facto de, no final de 2021, metade dos 173 países avaliados terem revelado declínio em pelo menos um dos atributos democráticos. Na Europa, por exemplo, quase metade das democracias, num total de 17 países, sofreram erosão nos últimos cinco anos.
Nos continentes asiático, africano e sul-americano persistem problemas sistémicos e históricos de graves défices democráticos, com países como Afeganistão, Bielorrússia, Comores ou Nicarágua a repetir o declínio dos parâmetros democráticos.
“A democracia não parece estar a evoluir de uma forma que reflita a rápida evolução das necessidades e prioridades. As melhorias são pouco significativas, mesmo nas democracias em que se regista um desempenho de médio ou alto nível”, conclui o relatório.
O documento do IDEA recomenda uma série de medidas políticas para renovar e reativar os regimes democráticos, nomeadamente com a adoção de contratos sociais mais equitativos e sustentáveis, com reformas das instituições políticas e com o fortalecimento das defesas contra o autoritarismo.
China está a tornar-se um regime mais repressivo
A China ilustra esta tendência de os regimes autoritários se consolidarem e de aprofundarem os valores totalitários e ditatoriais, revelando completa falta de representatividade do seu Governo ou de participação dos cidadãos nas decisões políticas.
Na China, todos os 11 parâmetros relativos à representatividade governativa, à participação cívica ou ao escrutínio do Executivo apresentam valores negativos, muito abaixo dos níveis mesmo de outros regimes totalitários.
Protestos contra a política de "zero covid# em Beijing, na China, dia 28 de novembro
Com valores intermédios, aparecem parâmetros como o acesso à Justiça ou os direitos sociais e igualdade, bem como a igualdade de género ou a ausência de corrupção, mas mesmo assim em níveis abaixo das médias globais recomendadas.
O único parâmetro em que a China se compara favoravelmente com outros dos 173 países é o do sistema de segurança social, onde o desempenho está acima da média global.
A liberdade de expressão, a ser testada com as manifestações contra a estratégia do regime de Pequim para lidar com a covid-19, aparece em níveis muito próximos do zero, tal como a liberdade religiosa ou de movimento, num país que tem intensificado as suas políticas de controlo sobre os cidadãos.
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