Internacional

Ásia Central: o regresso de Xi Jinping

Vladimir Putin e Xi Jinping
Vladimir Putin e Xi Jinping
SPUTNIK

A China está “disposta a aprofundar a aprofundar a pragmática cooperação com a Rússia em áreas como o comercio, a agricultura e conectividade”, mas manifesta preocupações acerca da invasão da Ucrânia. Esta semana, um jornal do Partido Comunista chinês publicou um editorial intitulado "A China nunca esteve envolvida no conflito Rússia-Ucrânia"

António Caeiro

Pela primeira vez desde o início da pandemia, em janeiro de 2020, o presidente chinês, Xi Jinping, saiu esta semana da China, numa viagem de três dias por dois países da Ásia Central. Uma viagem curta, mas muito densa no plano simbólico e geo-estratégico, e que ficou também marcada pelo seu primeiro encontro com o “velho amigo” Putin após a invasão russa da Ucrânia.

A viagem começou no vizinho Cazaquistão, uma ex-república soviética que está a tentar sair da sombra russa e onde há nove anos Xi anunciou o seu projeto para a construção de uma nova Rota da Seda ligando Ásia, Europa e Africa. O presidente chinês voou depois até ao Uzbequistão, para participar na cimeira da Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), realizada na lendária cidade de Samarcanda com a presença do homologo russo e dos líderes de mais de uma dezena de países, desde a Índia à Turquia.

No encontro com Xi, na tarde de quinta-feira, o Presidente russo agradeceu “a posição equilibrada” da China sobre a guerra na Ucrânia, mas reconheceu que os “amigos chineses” têm também “duvidas e preocupações” acerca do conflito. Foi a primeira vez que Putin evocou publicamente as “preocupações” da China. Não precisou quais, adiantando apenas que iria “explicar a posição da Rússia” durante a reunião bilateral com Xi - a 39.ª do género desde que o líder do Partido Comunista Chines assumiu o cargo de Presidente da República, em março de 2013.

O relato da agência noticiosa oficial também é vago: “O Presidente Xi Jinping disse que a China está pronta para trabalhar com a Rússia no alargamento de um forte apoio recíproco em questões relativas aos seus respetivos interesses fundamentais”. Segundo a mesma fonte, Xi indicou igualmente que “a China está disposta a aprofundar a aprofundar a pragmática cooperação com a Rússia em áreas como o comercio, a agricultura e conectividade”.

Mesmo na véspera do encontro, um jornal do Partido Comunista chinês publicou um editorial intitulado “A China nunca esteve envolvida no conflito Rússia-Ucrânia”. O título assentava em dois argumentos: “A natureza da relação de Pequim com Moscovo e Kiev não mudou” e “a China sempre defendeu o respeito pela soberania e integridade territorial de todos os países”.

Fundada em 2001 pela China, Rússia e quatro antigas repúblicas soviéticas de maioria muçulmana (Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão) para combater as “três forças diabólicas” (separatismo, terrorismo e extremismo), a SCO acabou por suscitar a adesão da Índia, Paquistão e Irão. Além dos membros efetivos, conta com “estados observadores” (Afeganistão, Bielorrússia e Mongólia). Arménia, Azerbaijão, Camboja, Nepal, Turquia e Sri Lanka são “parceiros de diálogo”, o mesmo estatuto já solicitado por três países do Medio Oriente (Arábia Saudita, Egito e Catar). “A SCO deverá tornar-se uma das mais influentes organizações internacionais fora da influência dos Estados Unidos”, vaticinou um jornal de Pequim.

O âmbito da organização já excedeu as questões de segurança. “Como a confrontação com a China e a Rússia liderada pelos Estados Unidos perturbou a economia glocal e a estabilidade da cadeia de abastecimentos, a SCO pode ser uma plataforma para o multilateralismo económico e para impulsionar a integração regional”, afirmaram analistas citados esta semana na imprensa chinesa.

Antes de aterrar em Nur-Sultan, a capital do Cazaquistão, Xi Jinping definiu assim as relações entre os dois países: “Somos bons vizinhos, verdadeiros amigos e parceiros fiáveis”. Numa altura em que as autoridades locais receiam o antagonismo do seu outro grande vizinho, a Rússia, a declaração do Presidente chinês é mais do que bem-vinda.

Há cerca de três meses, num fórum económico em São Petersburgo, o Presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev, criticou o reconhecimento das duas repúblicas separatistas da Ucrânia (Donetsk e Lugansk), apoiadas pela Rússia. O seu discurso foi muito criticado na imprensa russa, que acusou Tokayev de “ingratidão”. Intervindo no mesmo forum, Putin reafirmou que “a União Soviética é a Rússia histórica”.

Rico em urânio, petróleo, gás e outros recursos naturais, o Cazaquistão é também geograficamente crucial: confina com o Xinjiang, uma região autónoma da China, de maioria muçulmana, que segundo indicou há duas semanas um Alto-Comissário da ONU tem sido palco de “graves violações dos direitos humanos”. A alegação, contestada pelo Governo chinês, diz respeito aos uigures, uma etnia com raízes e famílias dispersas ao longo de uma fronteira com 1700 quilómetros de extensão.

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