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Deputados conservadores lançam moção de censura contra Boris Johnson

Boris Johnson durante um Conselho de Ministros
Boris Johnson durante um Conselho de Ministros
DANIEL LEAL/Getty Images

Grupo parlamentar do Partido Conservador decide esta segunda-feira o destino do primeiro-ministro britânico, depois de ter sido alcançado o limiar de 54 deputados a pedir a sua demissão. Esta só acontecerá se 180 apoiarem a ideia

Deputados conservadores lançam moção de censura contra Boris Johnson

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

Acabado o Jubileu de Platina de Isabel II, a política retoma o seu curso normal no Reino Unido. Ou melhor, “normal” pode não ser a palavra adequada quando o chefe do Governo corre o risco de ser demitido pelo sua própria formação política. O facto é que durante as comemorações dos 70 anos de reinado Boris Johnson foi a única figura a receber apupos dos cidadãos sempre que se fez ver em público.

O grupo parlamentar do Partido Conservador realiza esta segunda-feira uma votação secreta para decidir o destino do primeiro-ministro. Isto acontece porque pelo menos 15% dos seus deputados (isto é, 54 dos 359 de que os tories dispõem) pediram formalmente o seu afastamento.

“Em consonância com as regras, será realizada uma votação entre as 18h e as 20h de hoje, segunda-feira, 6 de junho”, anunciou o deputado Graham Brady, presidente do Comité 1922. Este é um grupo de parlamentares conservadores sem funções governativas que gere os procedimentos de eleição e deposição do líder do partido.

É através de cartas a Brady que os deputados exprimem a falta de confiança no chefe do Executivo. Sabia-se que mais de 30 o tinham feito, porque os próprios anunciaram, mas o número não é público até o limiar ser alcançado.

O lançamento desta moção de censura interna não implica a destituição do primeiro-ministro. Para tal, mais de metade dos deputados terão de apoiá-la, ou seja, 180 votos contra Johnson. Caso tal aconteça, este fica impedido de concorrer à eleição que se seguirá para lhe suceder; caso, pelo contrário, a bancada decida manter o primeiro-ministro, este fica livre de moções de censura durante um ano.

Boris Johnson promete resistir

O gabinete de Johnson reagiu de forma combativa. “Esta noite é a ocasião para pôr fim a meses de especulação e permitir que o Governo trace uma linha e ande para a frente, resolvendo as prioridades do povo”, afirmou um porta-voz.

Johnson discursará ao grupo parlamentar antes da votação. “Agrada ao primeiro-ministro a oportunidade de se defender perante os deputados e recordar-lhes que estão unidos e focados nas questões que interessam aos eleitores. Não há força política mais formidável”, indica o porta-voz.

“O primeiro-ministro aguentará e lutará”, afirmara à Sky News, na véspera, o ministro da Saúde, Sajid Javid, pondo a hipótese de o limiar de 54 deputados ser atingido. Já esta segunda-feira, muitos parlamentares quiseram exprimir apoio ao chefe nas redes sociais, sobretudo os que integram o executivo. Foi o caso dos titulares das pastas das Finanças, Rishi Sunak; Negócios Estrangeiros, Luz Truss; ou Justiça, Dominic Raab.

Truss é vista como potencial sucessora em caso de queda de Johnson. Outros aspirantes são Jeremy Hunt, que ocupou em tempos a mesma carteira ministerial e foi adversário do atual primeiro-ministro nas eleições para a chefia do partido, em 2019; Sunak e Javid também entram nas apostas dos jornais, bem como o ministro da Educação, Nadhim Zahawi; o da Defesa, Ben Wallace; a sua antecessora Penny Mordaunt; os deputados Tom Tugendhat e Mark Harper. Outro ex-rival e agora aliado de Johnson pode avançar, embora tenha dito um dia que não voltaria a concorrer: Michael Gove, ministro da Habitação e Comunidades.

Oposição aplaude censura

Ao contrário dos subalternos de Johnson, a oposição aconselha os conservadores a livrarem-se dele quanto antes. Para o líder do Partido Trabalhista, o anúncio da votação é “o princípio do fim” do consulado do primeiro-ministro.

“Se olharmos para exemplos anteriores de votações de censura, mesmo quando os primeiros-ministros conservadores lhes sobreviveram — e ele pode sobreviver hoje —, o mal já está feito e costumam cair de forma razoavelmente rápida, em seguida”, afirmou Keir Starmer.

O que afirma aplica-se à antecessora de Johnson. Theresa May venceu uma votação de censura em dezembro de 2018, em pleno processo de saída da União Europeia, e poucos meses depois anunciou que saía. A contestação era excessiva.

Para Starmer, afastar Johnson “é do interesse nacional”, porque “perdeu a confiança do país” e “não tem um plano”. O chefe dos Liberais Democratas reforça a ideia: “Não há, simplesmente, desculpa para apoiarem Boris Johnson”, afirmou Ed Davey.

Condenando “o comportamento e as mentiras” do governante, afirma que Johnson “violou a lei e fez festas enquanto milhões de pessoas tomavam a atitude certa e seguiam as regras durante a pandemia, mesmo ficando impedidos de ver os seus entes queridos”. Mantê-lo seria “um insulto”.

O “grotesco” escândalo das festas ilegais

Na noite de domingo, após o fecho das celebrações das sete décadas de reinado de Isabel II, o ex-governante Jesse Norman divulgou em público a carta que acabaria por desencadear a votação.

Nela, resume alguns dos motivos principais para a contestação a Johnson. “Chefiou uma cultura de infração casual à lei no n.º 10 de Downing Street relativamente à covid”, acusou, referindo-se ao escândalo conhecido como ‘Partygate’. Dezenas de ajuntamentos em violação das regras sanitárias foram cometidos por membros e funcionário do mesmíssimo Governo que impôs essas regras.

O relatório da investigadora Sue Gray sobre essas festas revela, na opinião de Norman, um cenário “grotesco”. Acresce que não se tratou (pelo menos em todas as ocasiões) de reuniões imprevistas ao fim da jornada de trabalho, tendo mesmo havido convites por email com sugestão de cada comensal trazer a sua garrafa. A insistência de Johnson (multado pela polícia por isto) em que nunca percebeu que os encontros eram de lazer foi pouco convincente.

O antigo secretário de Estado critica ainda Johnson por se predispor a violar o Protocolo da Irlanda do Norte, assinado com a UE para regular a complicada fronteira daquele território do Reino Unido na sequência do ‘Brexit’. Faltar à palavra seria, alerta, “economicamente muito danoso, politicamente tolo e quase decerto ilegal”.

Por fim, a política de deportar candidatos a asilo para o Ruanda, projeto-estrela da ministra do Interior, Priti Patel, parece a Jesse Norman “feia, provavelmente contraproducente e de duvidosa licitude”.

As urnas também contam

A moção de censura não é totalmente surpreendente, na medida em que vários títulos da imprensa britânica mantêm há meses uma contabilidade das cartas enviadas ao Comité 1922. Contava-se que não acontecesse antes dos festejos do Jubileu da rainha, para não estragar a ocasião.

Muitos admitiam, contudo, que acontecesse mais tarde. A 23 de junho haverá duas eleições intercalares para substituir deputados conservadores caídos em desgraça. Um foi condenado por agressão sexual, outro apanhado a ver pornografia em plena sala das sessões da Câmara dos Comuns.

Os críticos não quiseram esperar pelos resultados dessas eleições. Bastou-lhes o acumular de revelações, a antecipação do que vier a apurar uma comissão parlamentar que investiga se Johnson mentiu aos deputados sobre o ‘Partygate’ e o terrível desaire do Partido Conservador nas eleições locais do passado dia 5 de maio.

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