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Nobel da Paz 2021 vai para a Liberdade de Expressão: Maria Ressa e Dimitri Muratov

Maria Ressa das Filipinas e Dmitri Muratov da Rússia, são os dois galardoados com o Nobel da Paz 2021
Maria Ressa das Filipinas e Dmitri Muratov da Rússia, são os dois galardoados com o Nobel da Paz 2021
EPA

O Nobel da Paz 2021 vai para a liberdade de expressão e informação. “Não existe democracia sem liberdade de expressão”, disse Berit Reiss-Andersen, porta-voz do comité norueguês, quando anunciou que os dois distinguidos são os jornalistas e ativistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, países em que este direito democrático não está garantido

Os jornalistas Maria Ressa e Dmitri Muratov são os dois galardoados com o prémio Nobel da Paz 2021, anunciado esta sexta-feira, pontualmente, às 11h em Oslo (uma hora menos em Portugal). A filipina Ressa e o russo Muratov são profissionais que lutam pela “defesa da liberdade da expressão”, segundo o comité Nobel noruegês, responsável pela atribuição deste prémio, entre os cinco que Alfred Nobel legou.

O dois laureados vão receber dez milhões de coroas suecas (quase um milhão de euros), um diploma e uma medalha do Nobel. A entrega do prémio acontecerá em Oslo a 10 de dezembro.

“O jornalismo independente e baseado em factos serve para [nos] proteger do abuso de poder, das mentiras e da propaganda de guerra. Sem liberdade de expressão e de imprensa, será difícil promover com êxito a fraternidade entre as nações, o desarmamento e uma ordem mundial melhor para ter sucesso no nosso tempo”, disse Berit Reiss-Andersen.

Quem é o jornalista português que foi proposto para Nobel da Paz?

Recorde-se que os nomes dos candidatos aos Nobel, exceto a candidatura laureada, e dos respetivos proponentes permanecem em segredo durante 50 anos, ao abrigo das regras do Comité Nobel. Entre 1901 e 1967 foram apresentadas 4425 candidaturas ao Nobel da Paz, segundo informação da Fundação Nobel.

Ao longo destes 66 anos de candidaturas, que podem ser consultadas no arquivo online da Fundação Nobel, surge um único nome português: Sebastião Magalhães Lima, escritor, jornalista, co-fundador do matutino “O Século”, de que foi o primeiro diretor, foi indigitado para o Nobel da Paz em 1909 pelo deputado Feio Terenas, que tinha sido eleito para as Cortes em 1908. O nome do Parlamento ainda era este, porque a implantação da I República só viria em 1910.

Os distinguidos em 1909 foram Auguste Marie François Beernaert e Paul Henri Benjamin Balluet d’Estournelles de Constant, pela seu papel “proeminente no movimento internacional” para o estabelecimento da paz.

Com a implantação da I República, a 5 de outubro de 1910, Magalhães Lima é um dos candidatos ao cargo de (primeiro) Presidente da República eleito em Portugal. Nesse tempo o chefe de Estado era eleito por voto indireto. A 24 de agosto de 1911 o resultado foi conhecido: Manuel de Arriaga eleito por 121 votos e Magalhães Lima (um dos quatro candidatos) teve apenas um voto.

Dois anos antes de o nome de Magalhães Lima ser proposto para o Nobel da Paz, em 1907, o Comité norueguês distinguiu o italiano Ernesto Teodoro Moneta, pelo seu trabalho em prol da paz. Moneta era também jornalista e, nessa época, os limites entre a atividade de informar e militar no terreno eram muito mais ténues. Louis Renault foi o outro co-galardoado com o Nobel da Paz nesse ano.

Em 2021, o Comité Nobel Norueguês recebeu 329 candidaturas ao Prémio Nobel da Paz, sendo que 234 são de personalidades individuais e 95 de organizações.

O número de candidaturas que deram entrada em 2021 é o terceiro mais alto de sempre, tendo o recorde sido registado em 2016, ano em que o Comité recebeu 376 candidaturas ao galardão que tem como objetivo – definido por Alfredo Nobel – distinguir quem contribui para “a aproximação dos povos e a eliminação ou redução dos armamentos, bem como a formação ou promoção de congressos de paz”.

As candidaturas ao Nobel da Paz são válidas desde que apresentadas por cidadãos ou entidades que cumpram as regras definidas pelo prémio, como é o caso de pessoas ou organizações (já) galardoadas com o Nobel da Paz, professores universitários, parlamentares ou governantes de Estados reconhecidos pelo Direito Internacional. Os critérios definidos pela Fundação Nobel pode ser lidos no site do Prémio Nobel.

O nome do cidadão ou organização laureada com o Nobel da Paz é quase sempre surpresa e 2021 não foi exceção, como sucedera em 2020. Recorde-se que há um ano os três grandes favoritos (cujo nome foi repetido amiúde pela imprensa internacional) eram a ativista ambiental Greta Thunberg, o opositor russo Alexei Navalny e o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom. No final, o prémio foi entregue ao Programa Alimentar Mundial pelo “esforço no combate à fome, pelo seu contributo para criar condições de paz nas zonas afetadas por conflitos, tentando (assim) evitar que a fome seja usada como uma arma de guerra”, como tantas vezes acontece.

Os grandes favoritos de 2021

Alterações climáticas, direitos humanos, saúde e vacinação eram os temas que mais consenso reuniam para 2021, bem como os protagonistas que atuam em sua defesa. Até às 11h desta sexta-feira (em Oslo) ninguém sabia se o Nobel seria novamente entregue a uma organização ou a uma ou mais personalidades, mantendo-se a prática de não galardoar organizações dois anos seguidos.

Segundo a revista “Time”, alguns dos nomes tidos como favoritos eram os mesmos de há um ano, como a Organização Mundial da Saúde pelo papel desempenhado no programa COVAX de vacinação contra a covid-19 que, desde fevereiro último, assegurou a distribuição de 311 milhões de vacinas em 143 países. A nível coletivo, a publicação referia a organização Repórteres Sem Fronteiras. Recorde-se que a situação vivida pelos jornalistas afegãos poderia ter pesado na escolha desta entidade, que luta pela liberdade de informação e de expressão, direito que não está garantido em mais de cem países.

O opositor russo Alexei Navalny, que já foi considerado pela Amnistia Internacional como prisioneiro político [prisioneiro de consciência], a oposicionista bielorrussa Svetlana Tikhanovskaya, que se candidatou às eleições do seu país em vez do marido, Sergei Tikhanovskaya, que tinha sido preso pelo regime do fiel aliado de Putin, Alexander Lukashenko, e a ambientalista Greta Thunberg eram os três nomes individuais que reuniam maior consenso.

A agência France Presse define a jornalista filipina Maria Ressa, 58 anos, como “um símbolo da luta pela liberdade de imprensa”. Em 2012, Ressa foi uma das fundadoras do site de notícias Rappler, plataforma que reúne reportagens multimédia e artigos que oferecem um olhar não oficioso sobre a governação do Presidente Rodrigo Duterte.

Ressa e o site Rappler enfrentaram acusações criminais depois de publicarem trabalhos sobre Duterte. Recorde-se que a jornalista já tinha sido nomeada Pessoa do Ano pela “Time”, em conjunto com outros, em 2018, pelo "seu trabalho sobre liberdade de imprensa”, escreve a France Presse. As sucessivas detenções de que foi alvo chamaram a atenção do mundo para o seu caso e a falta de liberdade de expressão nas Filipinas.

Uma das melhores prendas que Dimitri Muratov poderia desejar quando fez 60 anos chegou três semanas antes do aniversário. A outra seria poder informar livremente no seu país, a Rússia, mas a atribuição do Nobel da Paz 2021 ao seu trabalho em defesa da liberdade de expressão é o reconhecimento da sua luta e de todos os seus camaradas de profissão na Rússia e na “Novaya Gazeta”, jornal onde trabalha.

Nos últimos 21 anos foram assassinados sete jornalistas desse diário, entre eles Anna Politkovskaya, Anastasia Baburova e Yuri Shchekochikhin. Morreram todos por causa do trabalho de investigação que estavam a desenvolver.

Jornalismo de causas

Muratov e o jornal onde trabalha fazem o que na gíria da profissão se denomina por jornalismo de causas, e o direito à liberdade de expressão é a sua causa. Em 2007, foi galardoado com o prémio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comité para a Proteção de Jornalistas e, três anos depois, o Governo francês condecorou-o com a ordem da Legião de Honra pela defesa da liberdade de imprensa em tempos difíceis. Há cinco anos, em 2016, Muratov recebeu o prémio Golden Pen of Freedom [caneta de outro pela liberdade] da Associação Internacional de Editores.

A história da “Novaya Gazeta” começa em 1993 quando um grupo de 50 profissionais do “Pravda” abandona o antigo órgão oficial do regime soviético para criar um novo jornal, que fosse visto como “fonte honesta, independente e diversificada”. Investigar temas como direitos humanos, abusos de poder e corrupção tem sido um dos esforços permanentes deste título.

O Nobel prova que o esforço é muitas vezes recompensado: a redação do “Novaya Gazeta” começou com dois computadores e duas salas. Nenhum dos trabalhadores recebia salário. O título teve um papel tão importante na abertura política da Rússia que o ex-Presidente soviético Mikhail Gorbachev doou parte da verba do Nobel da Paz que recebera em 1990 para pagar salários e equipar a “Novaya Gazeta”.

Informar é um direito e um dever democrático. O (triste) barómetro da organização Repórteres sem Fronteira diz que só em 2021 já foram mortos 24 jornalistas no exercício da profissão, quatro assistentes de media perderam a vida, e há 350 jornalistas presos

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mgoucha@expresso.impresa.pt

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