Afeganistão. G7 falha objetivo de alargamento do prazo para a retirada de pessoas. UE usa os seus milhões para pressionar talibãs
Charles Michel, Boris Johnson e Ursula von der Leyen
PETER NICHOLLS/REUTERS
Já terminou a cimeira extraordinária do G7 e o principal objetivo, o alargamento do prazo para a presença das forças internacionais no país, não foi alcançado. O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está confiante que vai conseguir retirar todos os afegãos que colaboraram com as tropas da coligação até dia 31 de agosto e os talibãs já prometeram "consequências graves" se assim não for. Do lado da UE prometeu-se ajuda humanitária e assistência financeira - isto se talibãs demonstrem respeito pelos direitos humanos
Os membros das sete economias mais poderosas do mundo já terminaram a sua reunião sobre o futuro da presença militar internacional no Afeganistão e, no entender da União Europeia, o fim da campanha não é sinónimo de abandonar o país à sua sorte. “O fim das operações militares no Afeganistão não é o fim do nosso compromisso de promover o Estado de direito, a democracia e os direitos humanos no mundo. Pelo contrário, temos de ser mais determinados do que nunca”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, em conferência de imprensa no final da reunião virtual extraordinária do G7, que se realizou esta terça-feira.
Charles Michel garantiu também que a EU vai fazer todos os possíveis para assegurar proteção aos afegãos que fogem do regime talibã, mas ressalvou que “ainda é cedo para saber que tipo de relação vai existir com as novas autoridades afegãs”.
Jovens esperam por um voo no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, no Afeganistão
Na manhã desta terça-feira, os representantes dos vários comités parlamentares de assuntos externos dos países do G7, emitiram um comunicado onde deixaram claro que a comunidade internacional deve evitar oferecer legitimidade ao novo governo, já que só depois de reconhecido é que o regime pode começar a pedir apoio a organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional.
O reconhecimento do governo (ou não) é uma das últimas armas de negociação das quais a comunidade internacional ainda dispõe para pressionar os talibãs a respeitar, por exemplo, os direitos das mulheres e meninas no país. De um dia para o outro, muitas foram impedidas de continuar a estudar ou trabalhar fora de casa. “A UE fará o seu papel para garantir a segurança e as condições de evacuação dos afegãos que desejem e será assegura proteção internacional aos que enfrentam perseguição”, garantiu Michel.
A retirada de afegãos continua no aeroporto de Cabul, controlado ainda por forças norte-americanas, apoiadas pelos aliados
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também usou a disponibilidade financeira da UE para tentar pressionar os líderes talibãs. Ursula von der Leyen disse que a União Europeia tem um fundo de mil milhões de euros para ajudar o Afeganistão, mas que esse dinheiro está suspenso até que exista a garantia de que os direitos humanos vão ser respeitados.“Temos mil milhões de euros para o Afeganistão, mas esta assistência está congelada até que tenhamos uma garantia sólida e vejamos no terreno ações credíveis por parte dos talibãs de que as condições estão a ser cumpridas”.
Para von der Leyen é “um dever moral” da UE ajudar. “É um dever moral ajudar o povo afegão, fornecendo-lhe o máximo de apoio e condições tanto quanto for possível. A situação é uma tragédia para o povo afegão e um recuo para a comunidade internacional”.
Lailuma Sadid, jornalista afegã, vive em Bruxelas com o estatuto de refugiada
Mesmo depois de conhecida a posição da administração norte-americana em não prolongar a data de saída, Charles Michel disse que “é importante tentar prolongar essa data”. “De qualquer forma, estamos a trabalhar para que a ajuda humanitária possa chegar ao país após essa data [31 de agosto]”, acrescentou.
A última pergunta da conferência de imprensa foi também aquela que gerou uma resposta mais estranha. Um dos jornalistas na sala perguntou qual é a opinião da Comissão sobre a proposta do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, para a formação de um contingente militar de 50 mil pessoas para responder a situações como a do Afeganistão. “Não estou ao corrente dessa proposta”, disse von der Leyen, secundada por Charles Michel.
Biden mantém data de saída, Johnson pede que G7 use a sua “muito considerável influência”
O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, decidiu que não vai alargar o prazo para a retirada das tropas norte-americanas do país, disse um membro da sua administração à agência Associated Press. Considerando os riscos de continuar com as forças no terreno a decisão foi a de completar todos os esforços de retirada até à próxima terça-feira. Mesmo assim, Biden pediu à sua equipa para preparar “planos de contigência” caso seja necessário, afinal, permanecer mais uns dias.
No fim da reunião, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, participou também uma curta conferência de imprensa e garantiu que o G7 conseguiu “desenhar um mapa comum para as negociações com os talibãs”. Questionado sobre se tinha falhado em convencer o Presidente dos Estados Unido a alargar o prazo de retirada, Johnson esquivou-se à pergunta, apontando antes que, até esta terça-feira, o Reino Unido já retirou 9.000 pessoas de Cabul, em 57 voos: “um esforço enorme por parte do nosso pessoal militar”, classificou.
Johnson mostrou-se confiante que será possível “retirar ainda milhares de pessoas" do Afeganistão mas sublinhou que “a situação no aeroporto não está a melhorar”. “São momentos angustiantes para aqueles que estão tentando sair e é difícil para os nossos militares também”.
Sobre o tal roteiro para um entendimento com os talibãs, a condição “número um” e que o regime “tem de garantir até 31 de agosto e depois” é a “passagem segura para quem quer sair”. Ora durante a reunião do G7 os talibãs disseram precisamente o contrário, ou seja, que a saída de mais cidadãos vai ser impedida. “Alguns deles dirão que não aceitam, mas espero que vejam que não tem sentido porque o G7 tem uma influência muito considerável, seja ela económica, diplomática ou política”.
O primeiro-ministro britânico dedicou ainda alguns minutos da conferência de imprensa a tentar explicar o contexto histórico do Afeganistão “É preciso reconhecer que a história do Afeganistão é cíclica, infelizmente. Ao longo de diferentes épocas, diferentes forças expedicionárias foram enviadas por diferentes potências com o objetivo de desestabilizar o país. Temos de acreditar num mundo em que o povo afegão encontre a liderança, encontre a sabedoria de se unir, para que todas as facções possam chegar a um acordo sobre um caminho a seguir para aquele país”. “É muito difícil às potências ocidentais - concluiu o chefe do Governo britânico fazendo eco do que Joe Biden já tinha dito - impor este tipo de ordem a um país se o país não estiver disposto a fazê-lo sozinho”.
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