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Câmara dos Representantes revela primeiras transcrições de testemunhas no processo de destituição de Trump: “Nunca vi nada assim”

Marie Yovanovitch, antiga embaixadora dos Estados Unidos na Ucrânia
Marie Yovanovitch, antiga embaixadora dos Estados Unidos na Ucrânia
The Washington Post/Getty Images

Trata-se dos testemunhos de Marie Yovanovitch, antiga embaixadora dos Estados Unidos na Ucrânia, e de Michael McKinley, antigo conselheiro do departamento de Estado e ex-embaixador no Brasil, que prestaram declarações à porta fechada perante o Comité de Inteligência

O comité da Câmara dos Representantes do Congresso dos Estados Unidos, que está a conduzir a inquirição de testemunhas no processo de impeachment aberto contra Donald Trump, divulgou esta segunda-feira as primeiras transcrições de declarações de duas das pessoas já ouvidas.

Trata-se dos testemunhos de Marie Yovanovitch, antiga embaixadora dos Estados Unidos na Ucrânia, e de Michael McKinley, antigo conselheiro do departamento de Estado, que prestaram declarações à porta fechada perante o Comité de Inteligência a 11 e a 16 de outubro, respetivamente.

Yovanovitch revelou que teve conhecimento de que Rudy Giuliani estaria interessado ou que já estaria efetivamente a comunicar com alguém na Ucrânia, com o fim de investigar informações para o jogo político interno, no final de 2018. Foi através do Governo ucraniano que a ex-embaixadora dos Estados Unidos descobriu os contactos entre o ex-procurador-geral da Ucrânia, Yuriy Lutsenko, e o advogado pessoal de Donald Trump. “[Disseram-me] que tinham planos e que iam fazer coisas, incluindo comigo”, disse Yovanovitch na audição. O staff da ex-embaixadora alertou-a de que Lutsenko a queria prejudicar nos Estados Unidos. A destituição daquele cargo, diz, foi consequência daquelas reuniões.

De acordo com Yovanovitch, o ex-procurador-geral não terá apreciado que o gabinete da então embaixadora tenha feito pressão em três dossiers: reformas na Procuradoria-Geral da República; investigar os autores das mortes de “inocentes” na Praça Maidan durante a “Revolução da Dignidade”; e, finalmente, investigar casos de branqueamento de capitais. Yovanovitch diz que o interesse de Lutsenko na embaixada norte-americana em Kiev se resumia ao agendamento de reuniões com procurador-geral norte-americano e FBI, pois teria “informações importantes para eles”. A ex-embaixadora acusou ainda o ex-procurador-geral daquele país de lançar boatos sobre ela, nomeadamente sobre a existência de uma lista de personalidades intocáveis. Yovanovitch negou a existência da lista.

Noutra parte da audição, Yovanovitch confirmou que um oficial ucraniano lhe disse para estar atenta - ou, literalmente, “ter cuidado com as costas” -, pois os aliados de Trump estariam a minar a posição dela com a intenção de a remover do cargo. A ex-embaixadora foi retirada da Ucrânia por motivos de segurança. Disseram-lhe que Washington estava preocupado com ela e que, por isso, teria de apanhar o "próximo avião": "Tens de ir para casa imediatamente", disse Carol Pérez, de um gabinete de assuntos de política externa. Yovanovitch ficou surpreendida na altura, sem compreender a razão.

Depois de uma conversa com Rudy Giuliani sobre Joe Biden (ver AQUI envolvimento do ex-vice-presidente dos EUA), ministro do Interior, Arsen Avakov, mostrou-se reticente quanto ao envolvimento da Ucrânia na política doméstica norte-americana: “É um lugar muito perigoso para se estar”, terá dito Avakov a Yovanovitch, justificando que, desde a independência, aquele país beneficia do apoio de Republicanos e Democratas. Mas a razão desse incómodo de Avakov prende-se com a história que envolve Paul Manafort, que, soube-se no fim de semana, forjou a teoria de que a Ucrânia, e não a Rússia, acedeu aos servidores do Partido Democrata ‘hackeou’ e-mails democratas durante a corrida presidencial de 2016. Nessa conversa com Avakov, Yovanovitch confirmou, referindo-se à família Biden e à empresa de gás natural Burisma (que contratou um dos filhos do candidato à Casa Branca), que era um objetivo da abordagem de Giuliani e associados descobrir algo que pudesse prejudicar uma campanha presidencial.

A ex-embaixadora revelou ainda ter-se sentido “em choque” e “ameaçada” quando soube do conteúdo do telefonema entre Donald Trump e o Presidente Zelenskyi. O Presidente norte-americano referiu que Yovanovitch e as suas ligações na Ucrânia eram “más notícias” e que a diplomata teria de “experienciar algumas coisas”. Yovanovitch disse ter ficado preocupada. “Ainda estou.”

Na semana passada, o tenente-coronel Alexander Vindman, oficial condecorado do Exército e especialista em assuntos ucranianos no Conselho de Segurança Nacional dos EUA, declarou que a transcrição da chamada telefónica entre o Presidente norte-americano, Donald Trump, e o seu homólogo da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, omitiu palavras e frases importantes (ver AQUI).

"Nunca vi nada assim"

Michael McKinley, ex-conselheiro do secretário de Estado Mike Pompeo, revelou numa audição posterior à de Yovanovitch que se demitiu por estar preocupado com as movimentações nos bastidores para a recolha de “informação política negativa para propósitos domésticos”.

“Em 37 anos de diplomacia [“Foreign Service”] e de diferentes partes do globo e de trabalhar em tantas matérias controversas, e de trabalhar 10 anos em Washington, nunca vi nada assim”, atirou McKinley sobre essa busca de informação prejudicial para a guerra política interna.

O ex-conselheiro de Pompeo revelou ainda que, depois de se saber que Trump chamara “más notícias” a Yovanovitch, sugeriu uma declaração de apoio à ex-embaixadora de Kiev, algo que a própria achou boa ideia. Mike Pompeo “decidiu que era melhor não fazer uma declaração naquela altura”, admitiu McKinley.

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