Acordo de saída
O acordo, negociado em novembro do ano passado entre a ex-primeira-ministra britânica Theresa May e o negociador-chefe da União Europeia (UE) para o Brexit, Michel Barnier, define o que irá acontecer aos cidadãos do Reino Unido que vivem nos restantes países da UE e vice-versa. O documento também fixa em cerca de €45 mil milhões o montante que o Reino Unido tem de pagar à UE para sair (correspondente a compromissos previamente assumidos). E, não menos importante, define como evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (independente e membro da UE), dado que, além da UE, o Reino Unido pretende abandonar o mercado único e a união aduaneira.
Adiamento
A uma semana da primeira data oficial do Brexit (29 de março), foram apresentadas a May duas contrapropostas ao adiamento que pedira, até 30 de junho: uma se conseguisse a aprovação do acordo pela Câmara dos Comuns, outra em caso de um terceiro chumbo, como veio a acontecer. Na altura, o jornal “The Guardian” escrevia que o adiamento por um ano, até 31 de março de 2020, constava de documentos internos da UE elaborados antes da cimeira de líderes em março deste ano. Segundo fontes citadas pelo diário britânico, essa data teria sido proposta a May se a primeira-ministra tivesse formalmente pedido uma prorrogação mais longa. No início de abril, e após um primeiro atraso até 12 desse mês, o Reino Unido e a UE acordavam um adiamento até 31 de outubro, prazo que Boris Johnson tem repetido como um mantra, antes e depois de substituir May na liderança do Partido Conservador e do Governo. O Reino Unido sairá da UE até àquela data com ou sem acordo, diz à exaustão. Entretanto, o projeto de lei a debater esta quarta-feira prevê que, se chegar a 19 de outubro sem acordo, o Governo terá de pedir à UE novo adiamento do Brexit, até 31 de janeiro, a menos que o Parlamento aprove a saída sem acordo, um cenário altamente improvável.
Artigo 50
A 1 de dezembro de 2009, entrava em vigor o Tratado de Lisboa, assinado dois anos antes, no culminar da terceira presidência portuguesa do Conselho da UE. O tratado contém o famoso artigo 50, que define os passos que um país deve dar se pretender abandonar o bloco comunitário. Na sequência da vitória do leave no referendo de 2016, May ativou o artigo a 29 de março de 2017, abrindo uma janela de dois anos para o Brexit se consumar. O prazo funciona quer haja ou não acordo, a não ser que os 27 aprovem o adiamento por unanimidade ou se o país revogar a ativação do artigo 50, o que pode fazer unilateralmente.
‘Backstop’
Neste momento, não há quaisquer entraves à circulação entre a província britânica da Irlanda do Norte e a República da Irlanda, país independente e Estado-membro da UE. O backstop é uma cláusula de salvaguarda: caso o Reino Unido e os 27 não criem até ao fim de 2020 (período transitório do Brexit) uma relação bilateral que evite a fronteira, o Reino Unido ficará em união aduaneira com a UE até que tal suceda. Se for preciso acionar o backstop, a Irlanda do Norte ficará sujeita a certas regras do mercado único, ao contrário do resto do Reino Unido. Não há mecanismo de saída bilateral deste regime, só por mútuo consentimento. Para Johnson, o backstop é “inviável”, “antidemocrático” e “inconsistente com a soberania do Reino Unido”, além de poder, a seu ver, minar o processo de paz na Irlanda do Norte, enfraquecendo “o equilíbrio delicado” do acordo de paz da Sexta-feira Santa, assinado em 1998. “Tal como está”, o acordo para o Brexit voltará a não passar no Parlamento britânico, avisava ainda em agosto o primeiro-ministro.
Cancelamento
Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça da UE deliberou que o Reino Unido poderia cancelar todo o processo do Brexit sem a anuência dos restantes 27. No entanto, esse cenário é altamente improvável, uma vez que uma franja considerável da população e dos políticos quer efetivamente abandonar o espaço comunitário e até deputados que votaram remain têm renitência em contrariar de modo tão frontal o resultado do referendo de 2016. É difícil conceber tal cenário sem nova consulta popular ou eleições legislativas com vitória clara de um partido que proponha a revogação do artigo 50.
Conservadores rebeldes
São 21 os deputados conservadores que, mantendo-se no partido, desafiaram a orientação de voto do líder na terça-feira. Minutos depois da votação em que Johnson perdeu, começaram a receber chamadas a informar que já não representavam o Partido Conservador em Westminster, com a consequente exclusão de candidaturas a futuras eleições. Entre eles estão antigos membros do Governo de May, como Philip Hammond (ex-ministro das Finanças), David Gauke (ex-ministro da Justiça) ou Rory Stewart (ex-ministro do Desenvolvimento Internacional), além de nomes de grande prestígio como Kenneth Clarke – o deputado há mais tempo em funções, desde 1970 – e Nicholas Soames, neto do antigo primeiro-ministro Winston Churchill.
Mudanças
O Governo britânico chegou a acordo com a UE com vista a proteger os direitos dos cidadãos europeus e respetivas famílias a residir no Reino Unido. Mas, com o Brexit, os cidadãos do espaço comunitário têm de se candidatar ao estatuto de residente permanente. O estatuto será concedido àqueles que vivem no Reino Unido há cinco anos consecutivos, enquanto os restantes terão um estatuto de pré-residente permanente. Num cenário de saída sem acordo, a grande certeza para os estudantes é... a incerteza. E isto aplica-se tanto a cidadãos da UE que pretendam estudar no Reino Unido como aos estudantes britânicos que planeiem estudar em qualquer um dos restantes 27 Estados-membros. Segundo um estudo do Fundo Monetário Internacional, Portugal será a sexta economia da UE mais afetada pelo Brexit num cenário de acordo de comércio bilateral entre o Reino Unido e o espaço comunitário. Se a relação pós-Brexit se basear nas regras da Organização Mundial do Comércio, Portugal cai para a 12.ª posição na lista dos Estados-membros mais afetados. Em traços largos, a economia pode perder até 0,4%, as exportações arriscam cair até 26% e o setor do turismo será bastante afetado.
Novas eleições
É o cenário mais plausível a sair da intensa primeira votação que o Governo de Boris Johnson disputou esta terça-feira na Câmara dos Comuns e que se saldou numa pesada derrota para o Executivo. Com 328 votos a favor e 301 contra, os deputados aprovaram a realização do debate e votação de um projeto de lei que impede um Brexit sem acordo e obriga o Governo, à falta de consenso com os 27, a pedir novo adiamento da saída da UE até 31 de janeiro de 2020. Johnson avisou que, se a lei passar, será forçado a pedir eleições antecipadas, embora a contragosto. Antecipar o ato eleitoral – que, em condições normais, aconteceria em 2022 – exige o voto de dois terços da Câmara dos Comuns. A data provável das eleições seria 14 ou 15 de outubro. Apesar de o primeiro-ministro ter dito que não pretendia novas eleições, uma fonte do Executivo citada pela imprensa britânica advertiu os deputados de que essa seria a consequência de votarem desalinhados do Governo. Johnson caracterizou os rebeldes como “colaboradores” da UE que estão a minar a posição negocial de Londres. “O primeiro-ministro parece estar a fazer tudo o que pode para provocar novas eleições, embora diga que é a última coisa que quer”, disse, citada pela agência de notícias Reuters, uma fonte próxima do grupo de deputados conservadores que se opõem a uma saída sem acordo.
Saída sem acordo
Johnson insiste em ver o backstop retirado do acordo de saída e fala em “arranjos alternativos” e soluções tecnológicas mas, até ao momento, na ausência de um verdadeiro mecanismo de substituição, a UE recusa-se a retirá-lo do acordo. Londres não apresentou, de resto, quaisquer propostas concretas a Bruxelas nesses entido. O chefe do Governo insiste num Brexit consumado até 31 de outubro, com ou sem acordo. Pelo caminho, vai garantindo que ainda pretende sair naquela data com um acordo e muitos deputados asseguram que tudo farão para impedir uma saída desordenada (ler o resumo da última noite aqui). No entanto, a suspensão do Parlamento durante cinco semanas reduziu o número de dias úteis que os deputados dispõem para impedir uma saída sem acordo. O Governo alega que a suspensão dos trabalhos parlamentares ainda dará tempo para se debater o plano de saída do Reino Unido da UE antes de 31 de outubro. No entanto, os críticos dizem tratar-se de uma tentativa de impedir os deputados de travarem um Brexit sem acordo.
Segundo referendo
É essa a intenção da campanha People’s Vote, cujos ativistas militam por uma segunda consulta popular. Um segundo referendo ao Brexit suscitaria sempre discussão sobre que pergunta e que opções de resposta incluir. Há três que parecem incontornáveis: saída da UE nos termos do acordo de May, saída sem acordo ou permanência na UE. A própria forma de apurar o vencedor seria objeto de debate. Contudo, quem se opõe sublinha que o referendo de 2016 já deixou bem claro que o povo britânico quer abandonar a UE. Até agora, não surgiu uma maioria parlamentar a favor do regresso às urnas.
Suspensão do Parlamento
A 28 de agosto, Johnson pediu à rainha Isabel II a suspensão do Parlamento e a monarca acedeu, num gesto meramente formal – legalmente, podia opor-se mas politicamente seria um precedente grave. Os trabalhos parlamentares estarão encerrados entre a próxima segunda-feira, 9 de setembro, e 14 de outubro, a data fixada para a apresentação no Parlamento do programa de Governo para a próxima legislatura. Na altura, a rainha lerá um discurso escrito pelo Executivo. Isto se não houver convocação de eleições para essa data, que obrigaria a mudar os planos.
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