Internacional

Tsipras versus Mitsotakis. Chegou o dia de enfrentar a mãe de todas as batalhas

7 julho 2019 10:23

Micael Pereira

Micael Pereira

Grande repórter

Kyriakos Mitsotakis, ao lado de Passos Coelho em 2016, quando começou a liderança do Nova Democracia

nuno veiga

Um defende um aumento de 15% do salário mínimo nos próximos dois anos, o outro quer uma descida de 28 para 20% no IRC. Mas dificilmente serão os detalhes dos programas eleitorais que irão convencer as pessoas a votar em qualquer um deles este domingo. Sem estarem muito entusiasmados com Mitsotakis, rosto da Nova Democracia e da direita, os gregos parecem fartos do primeiro-ministro Tsipras e do seu Syriza, o partido que deixou de ser da esquerda radical quando aceitou fazer tudo o que a troika lhe exigiu

7 julho 2019 10:23

Micael Pereira

Micael Pereira

Grande repórter

Alexis Tsipras, de 44 anos, deverá dar lugar a Kyriakos Mitsotakis, de 51, no cargo de primeiro-ministro da Grécia, não importa o que possam ambos ter dito nos longos 26 dias gastos na campanha para as eleições legislativas deste domingo.

Tsipras, líder do Syriza, parece ter ficado com o destino da sua não recondução como chefe de governo traçado logo depois de ter chegado ao poder, na sequência de acontecimentos ocorridos no intervalo de apenas seis meses. O primeiro acontecimento foi o referendo de julho de 2015 lançado por sua iniciativa, em que o “não” a um segundo programa de resgate da troika formada pelo FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu não foi respeitado; e o segundo momento foi quando, mais tarde, e apesar de ter ganho umas segundas eleições legislativas logo em setembro de 2015, marcadas como uma necessidade de legitimação da concordância inesperada do Syriza com as medidas de austeridade exigidas por Bruxelas, Mitsotakis chegou a presidente da Nova Democracia em janeiro de 2016, depois de este partido de direita atravessar um período de baixa popularidade.

Surpreendentemente, apesar de se tratar de um típico representante da mesma elite política do país (é filho de um ex-primeiro-ministro) que parecia ter sido rejeitada com o aprofundamento da crise económica e social no país, Mitsotakis foi bem recebido. A partir daí, os estudos de opinião passaram a indicar que os gregos acreditavam haver uma solução alternativa. Para a maioria dos eleitores, com a demonstração prática de que Tsipras não era tão de esquerda como reivindicava, ou pelo menos não era capaz de fazer tão diferente como os outros antes dele, ficava quebrado o elã que ele trazia como líder da oposição. Se dúvidas pudesse haver, elas foram tiradas nas eleições europeias e nas eleições locais, ambas ocorridas em maio deste ano, e em que a Nova Democracia bateu o Syriza sem grande dificuldade.

As sondagens mais recentes, feitas ao longo da última semana, aumentaram o intervalo de vantagem que Mitsotakis já levava sobre Tsipras, ultrapassando agora a fasquia dos 10% e reforçando as hipóteses de o líder da Nova Democracia vir a obter uma maioria absoluta, isto é, mais de 150 dos 300 lugares do parlamento helénico. Onze empresas de estudos de sondagens dão-lhe mais de 35% de intenções de votos (sendo que a sondagem mais favorável dá-lhe 40%), o que é suficiente para garantir essa maioria, já que no sistema eleitoral grego, o partido vencedor ganha um pacote extra de 50 lugares.

Uma recuperação difícil

Olhando para os últimos quatro anos, além de ter passado de uma situação de défice para um superávit orçamental, o Syriza diz que o seu governo conseguiu reduzir a taxa geral de desemprego no país de 27% para 19% e a taxa de desemprego jovem de 60% para 47% (ainda assim, muito altas) e conseguiu que fossem criados 380 mil postos de trabalho até ao final do ano passado, depois de terem sido destruídos um milhão de empregos entre 2010 e 2014. Quanto ao salário mínimo, que tinha caído 22% (era de 750 euros), incrementou um aumento de 11% no seu valor, sendo que ainda não está ao nível pré-crise.

Outras melhorias introduzidas no mercado de trabalho entre 2015 e 2019 incluíram a redução de situações clandestinas — em que os patrões pagam por fora aos trabalhadores, sem contratos e sem pagamento de impostos e contribuições para a segurança social — de 20% para 9%, além de um reforço das ações feitas pela inspeção do trabalho, a extensão de contratos colectivos de trabalho para 215 mil trabalhadores e 2,4 mil milhões de euros em programas de apoio para 240 mil desempregados.

No seu programa eleitoral, debaixo de um slogan que enfatiza um regresso à sua base ideológica mais de esquerda (“agora nós decidimos pelas nossas vidas”), Tsipras prometeu a criação de meio milhão de novos postos de trabalho e um aumento de 15% do salário mínimo nos próximos dois anos, de forma faseada, que, a concretizar-se, permitiria ultrapassar pela primeira vez o valor nominal que tinha antes de 2010 (mas em termos reais, dada a subida constante do custo de vida).

O ainda primeiro-ministro anunciou também o lançamento de incentivos para as empresas optarem por contratar a tempo inteiro (um dos problemas na Grécia tem sido o crescimento desproporcionado de empregos a meio tempo, aprofundando um cenário de precarização generalizada). Estas medidas seguem a par com investimentos em educação, na saúde e nos apoios sociais. Mas aparentemente não chegam para convencer os gregos.

Embora o Syriza tenha incluído na sua agenda para um segundo governo algumas reduções de impostos — incluindo um corte de 30% a 50%, consoante o valor patrimonial das casas, no equivalente ao IMI para os proprietários de imóveis, e a descida da taxa mais baixa do IVA de 13% para 11% —, a Nova Democracia é imbatível no tipo de promessas que fez para aliviar o fardo fiscal dos contribuintes gregos, especialmente o das empresas, em linha com uma ideologia mais de direita.

Mitsotakis diz que vai reduzir o IRC de 28% para 20% (em Portugal é de 21% neste momento) nos próximos dois anos, em paralelo com uma descida do imposto sobre as mais valias financeiras e dos dois níveis de IVA (de 24% para 22% e, no IVA reduzido, de 13% para 11%) de forma gradual, ao longo de quatro anos.

Quanto aos impostos sobre o rendimento, o líder da Nova Democracia promete baixar a taxa de solidariedade (para quem tem maiores salários) de 20% para 15% e cortar no escalão mais baixo do IRS, com os trabalhadores que recebem menos de 10 mil euros por ano a passarem a pagar 9% em vez dos atuais 22%. Nas ruas de Atenas, as pessoas encaram o programa do partido com cepticismo, pela forma como ficou claro para os gregos que quem decide a política financeira do país é Bruxelas e Frankfurt.

“Acredito que amanhã irá nascer um dia melhor para o nosso país”, disse um muito autoconfiante Mitsotakis este domingo, depois de ter ido votar. Na sua ida à urna, Tsipras foi mais dramático. "Os gregos estão a decidir o rumo que o país tomará nos próximos quatro anos, a decidir o que será o resto de suas vidas”, disse, citado pelo jornal Ekathimerini. “Gostaria particularmente de apelar aos jovens que tradicionalmente fazem a diferença, para que não deixem que sejam os outros a tomar uma decisão crucial sobre o seu futuro. Penso que esta é uma batalha crucial, que travamos com optimismo e determinação até ao último minuto, para que os sacrifícios do nosso povo não sejam desperdiçados.”