“Asseguro-lhe que o sangue dos manifestantes mortos não será desperdiçado e que os direitos por que lutavam serão repostos”, diz ao Expresso uma ativista sudanesa que, por motivos de segurança, prefere não ser identificada. Dois dos seus amigos, manifestantes como ela, estão entre os 108 mortos contabilizados pelo Comité Central dos Médicos Sudaneses na sequência da repressão militar de segunda-feira na capital, Cartum. Os números oficiais não coincidem: o Ministério da Saúde fala em 61 mortos.
A União Africana (UA) suspendeu esta quinta-feira a participação do Sudão em todas as atividades da organização, “com efeito imediato”, “até ao estabelecimento efetivo de uma autoridade de transição liderada por civis”. Esta é, segundo a UA, “a única saída para a atual crise”, sendo também a reivindicação principal dos manifestantes desde a deposição do Presidente Omar al-Bashir em abril, ao fim de três décadas no poder e após meses de protestos.
Desde então, é o Conselho Militar de Transição que está aos comandos do país, o mesmo órgão que, no início da semana, ordenou a dispersão dos manifestantes que se concentravam há semanas no exterior do quartel-general do Exército. Na quarta-feira, o comité de médicos, um dos principais propulsores dos protestos, anunciou que 40 corpos tinham sido encontrados no rio Nilo.
Manifestantes prometem prosseguir desobediência civil
Logo na segunda-feira, o presidente da comissão da UA, Moussa Faki, pediu uma “investigação imediata e transparente de forma a responsabilizar todos os envolvidos [na repressão violenta]”. A UA já tinha alertado para a possibilidade de suspensão do país se os militares não deixassem o poder mas, no sábado, alargou o prazo para o fazerem, depois de o prazo anterior ter sido ignorado.
Os líderes do movimento de contestação prometem continuar a sua campanha de desobediência civil até que os militares sejam afastados do poder e os responsáveis pelas mortes dos manifestantes sejam levados à justiça. A Associação de Profissionais do Sudão, outra das células dos protestos, apelou esta quinta-feira ao bloqueio de estradas e pontes para “paralisar a vida pública em todo o país” em retaliação pela repressão militar.
Corpos retidos no quartel-general do Exército
“Os manifestantes mantêm-se fortes e muito positivos”, assegura ao Expresso a ativista. Ela confirma os relatos de que alguns corpos tinham sido atirados ao Nilo e diz que “outros foram deixados no quartel-general do Exército e não se pode chegar até eles”. A ativista desmente, no entanto, que os hospitais estejam a ser encerrados pelos militares. “Sei de apenas um que foi fechado devido à incapacidade de obter a medicação e o material necessários para socorrer os feridos”, refere.
Outro dado que afirma estar em condições de confirmar diz respeito aos problemas vividos no aeroporto internacional de Cartum: “Os militares retiraram os pilotos e funcionários do complexo à força e sob a ameaça de armas.”
Militares “abrem os braços às negociações sem restrição”
O chefe do conselho de transição, o general Abdel Fattah al-Burhane, disse na quarta-feira que os militares “abrem os braços às negociações sem restrição e apenas pelo interesse nacional, de modo a fundar um poder legítimo que reflita as aspirações da revolução dos sudaneses”. Na véspera, o responsável tinha dito o oposto, cancelando um plano para um período de transição de três anos e anunciando a realização de eleições nos próximos nove meses.
Uma aliança da oposição e de manifestantes rejeitou a proposta dos militares. “Não aceitamos o convite do Conselho Militar de Transição”, declarou à agência Reuters Madani Abbas Madani, um dos dirigentes da Aliança de Forças da Liberdade e da Mudança. “Já não confiamos numa junta que impõe o medo à população nas ruas”, acrescentou.
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