Todas as escolas brasileiras receberam, esta segunda-feira, um e-mail que está a gerar indignação - e até promessas de processos em tribunal. Na mensagem, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, pede aos diretores que no dia de regresso às aulas gravem um vídeo dos alunos, professores e funcionários da escola a cantar o hino nacional.
“Prezados Diretores, pedimos que, no primeiro dia da volta às aulas, seja lida a carta que segue em anexo nesta mensagem, de autoria do Ministro da Educação, Professor Ricardo Vélez Rodríguez, para professores, alunos e demais funcionários da escola, com todos perfilados diante da bandeira do Brasil (se houver) e que seja executado o hino nacional”, diz o texto, conforme noticia o jornal brasileiro “Estadão”.
Mas a mensagem prossegue: “Solicita-se, por último, que um representante da escola filme (pode ser com celular) trechos curtos da leitura da carta e da execução do hino nacional. E que, em seguida, envie o arquivo de vídeo (em tamanho menor do que 25 MB) com os dados da escola”. Como remate do e-mail, pode ler-se o slogan de campanha do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.
Contactado pelo “Estadão”, o Governo já veio dizer que a mensagem se trata de uma “recomendação” às escolas e não de uma ordem, acrescentando que a gravação do vídeo diante da bandeira brasileira se enquadra na “política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais”. Mas não travou a indignação que se seguiu, e que incluiu promessas tanto do PSOL como do PT de interpor uma queixa no Ministério Público Federal contra o Governo, acusando este de se “apropriar da coisa pública para interesses particulares”, escreve a BBC Brasil.
Constituição proíbe “promoção pessoal”
Especialistas em Direito contactados tanto pelo “Estadão” como pela BBC Brasil estão alinhados: o pedido para que os alunos cantem o hino nacional e sejam gravados em vídeo pode violar várias normas, tanto por as gravações carecerem de autorização dos pais dos menores como por, de acordo com a Constituição, não ser possível usar órgãos públicos para fazer “promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
Ao “Estadão”, a constitucionalista Vera Chemin relembra que a lei fundamental do Brasil proíbe “nomes, símbolos ou imagens que [configurem] a promoção pessoal de agentes públicos”. Inquirido pela BBC, o professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Carlos Affonso Souza está de acordo com esta avaliação, fundamentando a sua opinião com o artigo 37 da Constituição: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
O professor lembra ainda que há precedentes em casos como este: o Supremo Tribunal Federal condenou José Cláudio Grando, ex-prefeito da cidade de Dracena, São Paulo, por ter usado em documentos públicos ou em camisolas usadas por funcionários municipais os seus slogans de campanha. Na decisão, segundo cita a BBC, pode ler-se que “toda e qualquer conduta que de forma direta ou indireta vincule a pessoa do administrador público a empreendimentos do Poder Público constitui sua promoção pessoal para proveito político, usando ilegalmente a máquina administrativa para esse fim”.
Também o diretor da Associação Brasileira de Escolas Particulares, Arthur Fonseca Filho, se indignou em declarações à comunicação social: “Isso é ilegal, o Ministério da Educação não tem competência para pedir nada disso às escolas”, afirmou, questionando de seguida o uso que o Governo tencionará dar aos vídeos dos alunos e funcionários das escolas: “O Governo vai usar isso como propaganda? Com autorização de quem?”.
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