Se uma aeronave militar invadisse o espaço aéreo português, tal como uma russa terá entrado esta terça-feira na Turquia, os pilotos que fossem enviados ao encontro do suspeito teria de cumprir um conjunto de regras de empenhamento de força que, no limite dos limites, poderiam colocar a ordem para neutralizar a ameaça na mão do primeiro-ministro. Mas vamos por partes.
Tal como os turcos, Portugal tem em alerta permanente, entenda-se 24 horas por dia, sete dias por semana (Natal e Ano Novo incluídos), fruto dos compromissos com a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) parelhas de caças F-16 e respetivos pilotos e mecânicos, prontos para descolar ao encontro de uma qualquer aeronave suspeita que esteja a sobrevoar (ou se encaminhe) para o espaço aéreo português.
Civil ou militar?
Mesmo que se trate apenas de uma aeronave civil com problemas técnicos, o que até tem acontecido cinco ou seis vezes por ano, esta parelha segue ao seu encontro só depois de falharem todos contactos rádio entre os controladores aéreos militares e a aeronave em causa.
Não havendo resposta às comunicações, os pilotos têm de equipar-se e conseguir estar no ar em menos de 15 minutos depois de tocar o alarme na Base Aérea n.º 5, em Monte Real, Leiria. Qualquer um deles terá de saber de cor as regras que começará a aplicar assim que intercetar e identificar visualmente a aeronave suspeita.
Colocado perante o caso concreto, o piloto terá de saber reagir de acordo com as condições que encontrar. Há diversas manobras, convencionadas internacionalmente, através das quais poderá dar instruções ao outro piloto. Ao posicionar-se em cima e à esquerda da aeronave intercetada, o piloto do F-16 estará a pedir-lhe para segui-lo.
Mesmo no caso de uma aeronave militar, só perante uma atitude hostil e deliberada é que o piloto poderá adotar uma resposta adequada. E nem é preciso que sejam efetuados disparos. “Iluminar” o F-16 da Força Aérea Portuguesa com um radar de tiro, equipamento que permite guiar um projétil até ao alvo, e que é facilmente detetado pelos sistemas instalados no avião português, manifestando desta forma intenção de fazer fogo, será sempre considerada uma atitude hostil.
“Uma situação destas desenrola-se, por vezes, muito rapidamente”, lembra ao Expresso uma fonte militar conhecedora do processo e poderá não ser possível cumprir todos os passos. Se tiver tempo para reportar ao centro de comando e controlo, as regras de empenhamento portuguesas, que são semelhantes às da NATO, preveem dois grandes cenários.
Tratando-se de um avião militar e estando o país em estado de guerra, a decisão de abater essa aeronave será da responsabilidade do chefe do Estado-Maior da Força Aérea e, em última instância, do chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas. Não é obrigatório mas se estes dois altos chefes militares considerarem necessário, poderão chamar o ministro da Defesa e o primeiro-ministro. Estes responsáveis políticos terão sempre de tomar a decisão final se não tiver sido declarado o estado de guerra.
Tratando-se de uma aeronave civil, a decisão escalará sempre até ao ministro da Defesa e ao chefe do Governo, não sendo suficiente a decisão militar. Até ao 11 de Setembro de 2001, era impensável empenhar uma aeronave militar no abate de um avião civil. Mas o mundo mudou…
Olh'ó passarinho
Esta terça-feira, pela primeira vez desde o final da Guerra Fria, um caça russo SU-24 empenhado em missões de combate ao autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) foi abatido por dois F-16 da Força Aérea da Turquia, ao ter, alegadamente, violado o seu espaço aéreo. O aparelho russo caiu em território sírio e os dois pilotos russos ejetaram-se, tendo sido avistados em paraquedas. Moscovo garante que não violou o espaço aéreo da Turquia e Ancara diz que os pilotos russos não responderam a dez avisos feitos durante cinco minutos, num sinal de que teriam sido cumpridas as suas regras de empenhamento.
Em entrevista concedida à televisão turca a 5 de outubro, depois de um outro caça russo ter sido detetado junto à fronteira com a Síria, o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu garantiu que Ancara iria aplicar as suas regras de empenhamento a todos aqueles que violassem o seu espaço aéreo. “Até um pássaro será intercetado”, disse.