Uma ideia de cada vez para construir a felicidade coletiva
Proximidade: o Expresso percorreu os distritos de Santarém, Lisboa e Setúbal em busca de pessoas e projetos que contribuem para melhorar a vida em sociedade — na sua rua, no seu bairro ou na sua cidade. “Se todos quisessem, o mundo seria maravilhoso.” A frase era muitas vezes usada pelo comendador Rui Nabeiro e é aplicada todos os dias pelos protagonistas desta reportagem. Na primeira viagem pelo país encontramos quem proteja a memória de outros tempos, os que desde pequenos cuidam do futuro do planeta e aqueles que não se satisfazem sem garantir que todos têm uma vida feliz. São vizinhos, colegas e amigos. Acompanhe nos próximos meses
Dona Maria Torrada (Abrantes, Distrito de Santarém)
“Trate-me só por Maria”, pede a proprietária da Taberna Torrada, a única em Barca do Pego, concelho de Abrantes. Aos 86 anos, viúva e sem filhos, recorda-se bem dos tempos em que, há mais de seis décadas, o pai trabalhava nos fornos de cal. “Havia aqui seis fornos. Ia-se buscar as pedras a 30 metros de fundura, e as mulheres levavam-nas à cabeça até ao forno”, revive. O produto final, a cal, era aplicado na época como hoje é usado o cimento. Aliás, esta guardiã do património da memória aponta para as paredes da taberna para assinalar que “só há cimento nas colunas” e que “o resto é tudo feito com cal”. A indústria do cimento matou a atividade que empregava a gente da região, mas nem por isso este velho ofício se perdeu no tempo.
O projeto Abrantes + Til, da cooperativa social Human Coop, tem procurado fazer, com o apoio das freguesias, um levantamento das tradições locais e ligar os sábios, como Maria Torrada, às novas gerações, para que a memória perdure. Para isso, levam às 13 escolas primárias do concelho “os dinamizadores, que são as pessoas idosas, porque são eles que têm esse conhecimento”, explica-nos Daniela Canha.
A coordenadora do projeto diz que esta é uma forma de as pessoas se sentirem “valorizadas, empoderadas e ativas”, mas também de passar a tradição aos mais novos. Alguns dos workshops são feitos nas escolas, enquanto outros, como visitas aos fornos de cal ou aos teares, levam os alunos até aos dinamizadores. “Uma das coisas que mais nos surpreendeu foi os miúdos estarem tão atentos”, remata Daniela Canha. Depois de quase 600 crianças alcançadas com a iniciativa, que reuniu apoio da autarquia e da associação Tagus, a Human Coop espera conseguir financiamento para manter o Abrantes + Til no próximo ano letivo.
Uma terra para todos
Chegam um pouco de todo o mundo, mas sobretudo do Brasil, Angola e Índia. Carla Guerra, coordenadora do projeto Articular.com, tem assumido a missão de, ao longo de 18 meses, criar uma estrutura de integração que apoie a chegada de imigrantes à cidade de Santarém. “Fizemos workshops, reuniões e ações de integração”, refere.
A iniciativa — que junta a autarquia, o Lar Evangélico Nova Esperança e a Associação Luso-Brasileira de Integração, Arte e Cultura — alcançou quase 200 imigrantes e membros da comunidade de etnia cigana, que foram apoiados em áreas como o acesso à saúde, à formação e ao trabalho. “Conseguimos colocar 14 pessoas no mercado”, assinala. O objetivo é valorizar a multiculturalidade no município.
Segunda oportunidade para viver
Restaurante social "É Uma Mesa" (Bairro Padre Cruz, Distrito de Lisboa)
Localizado no 2º andar do edifício do Centro de Recursos DLBC, no Bairro Padre Cruz, em Carnide, o É Uma Mesa dificilmente passa despercebido. A preparação da comida para o almoço denuncia uma cozinha semicheia de trabalhadores, cada um com a sua função e todos com o mesmo objetivo: agarrar a oportunidade que a vida lhes trouxe.
“Identificamos pessoas em situação de sem-abrigo, migrantes e com outras vulnerabilidades”, refere Florencia Salvia, coordenadora deste restaurante social criado pela Associação Crescer. Enquanto conhecemos os cantos à casa, cruzamo-nos com Jacinto, de 62 anos, que faz parte da equipa há quatro meses. “Estou na cozinha. É um trabalho difícil, mas estou a gostar muito”, garante.
Uma vez selecionados, os candidatos recebem formação em competências sociais, hotelaria e higiene e segurança alimentar, para, no final, integrarem a equipa do restaurante. “Passam aqui seis meses em formação prática”, diz Florencia. Após a experiência, o próximo passo é encontrar um trabalho permanente no sector. “É um processo complicado, mas muito recompensador.”
Já apita o novo comboio da Costa da Caparica
CicloExpresso (Almada, Distrito de Setúbal)
São 8h10, estão 25 graus na Costa da Caparica e as bicicletas começam a surgir na partida do CicloExpresso, o projeto que, em Almada, é liderado por Liliana Madureira. Duas vezes por semana, os ‘maquinistas’ deste comboio acompanham mais de 20 crianças até à EB1 Costa da Caparica, uma das três escolas abrangidas.
“Gosto de fazer este caminho. É divertido”, conta a pequena Nina. Ao longo do percurso de 3 quilómetros, mais crianças vão-se juntando nas estações predefinidas — há pais que sobem a bordo, outros despedem-se à distância. “Planeamos as linhas para que o percurso passe perto do maior número possível de crianças”, aponta Liliana. A formação aos voluntários inclui ensinar a parar o trânsito para as bicicletas passarem. Ainda não são 9h e já chegámos ao destino.
Viajamos mais 30 quilómetros até à SNL Ibérica, no Barreiro, onde trabalha Catarina Costa. Aos 28 anos, é uma entre centenas de pessoas com deficiência que a cooperativa social Rumo ajuda a integrar profissionalmente. “Estou aqui há três anos e estou muito contente”, sublinha Catarina, de sorriso esticado. Esta é a sua primeira experiência laboral, mas, assegura Isabel Mendes, responsável de Recursos Humanos, “é muito cumpridora, motivada e alegre”.
Rui Grilo, presidente da Rumo, quer garantir que todos têm “igualdade de oportunidades”, mostrando às empresas que quem vive com deficiência tem “valor e mérito”.
O que é o Bairro Feliz
O projeto
O Bairro Feliz tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais públicas ou privadas (associações, IPSS, fundações, cooperativas) ou grupos de vizinhos até cinco pessoas inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros.
As ideias
Enquadram-se em seis áreas: ambiente; apoio animal; apoio social e cidadania; cultura, património, turismo e lazer; educação; e saúde, bem-estar e desporto. Estas são analisadas por um painel de jurados que faz uma primeira seleção e depois levadas a votação popular nas lojas.
O prémio
Cada vencedor ganha até €1000 para desenvolver o seu projeto.
Os prazos
As candidaturas estão a decorrer até 4 de julho. Serão avaliadas de 5 de julho a 9 de outubro e votadas nas lojas de 10 de outubro a 25 de novembro, dia em que serão também anunciados os vencedores.
No primeiro ano procurámos ideias para tornar os bairros mais felizes. No segundo, os bairros mais felizes. Agora procuramos as pessoas mais felizes com os seus bairros. Pelo terceiro ano consecutivo, o Expresso associa-se ao projeto Bairro Feliz — um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias.
Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de junho de 2023 (texto editado a 4 de julho de 2023, às 14h17)