O que pode Portugal aprender com as medidas de habitação tomadas no estrangeiro?
Berlim, na Alemanha foi uma das cidades a impôr o controlo de rendas
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O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos 10 meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 temas diferentes da economia e da sociedade e o primeiro é a habitação
Ana Baptista
Os Factos
Os preços da casas na Europa começaram a subir de forma mais expressiva em 2015 e 2016.
Os aumentos não foram, contudo, iguais em todos os países. Por exemplo, na Alemanha cresceram a uma média de 7% entre 2016 e 2022; em Espanha, a uma média de 5%; na Hungria a uma média de 15% e em Portugal, a uma média de 8%.
De 2021 para 2022, Portugal teve o maior aumento de preços desde 2016 e um dos maiores entre os 27 países da Europa: 12,6%.
AUMENTO DOS PREÇOS DAS CASAS NA EUROPA ENTRE 2016 E 2022
As rendas também subiram, segundo dados do Eurostat. Por exemplo, em Berlim, a renda média era de €1600 em 2016 e em 2022 chegou aos €1950. Em Munique o aumento foi maior: de €2100 em 2026 para 2650€ em 2022. Já em Madrid, as rendas cresceram significativamente, de €1700 em 2016 para €2500 em 2022 e em Lisboa ainda mais, passando de €1400 em 2016 para €2900 em 2022.
Têm sido tomadas medidas para combater estes aumentos. Em Espanha, por exemplo, estabeleceu-se um limite de 2% na atualização das rendas para 2022. Este ano, o governo espanhol anunciou que o limite iria passar para 3% até 2025 e que se a reabilitação de uma casa arrendada custar mais de 10% do valor de mercado desse imóvel, o proprietário pode aumentar o preço da renda até 10%.
Em Portugal, o programa Mais Habitação institui um limite do aumento das rendas de 2%, ainda que com benefícios fiscais, e mantém as rendas anteriores a 1990 congeladas.
O controlo de rendas tem sido um mecanismo usado em muitos países da Europa, em alguns casos há já muitos anos, como na Alemanha. Uma das formas é ao definir zonas de elevada pressão habitacional onde as rendas iniciais ou os seus aumentos não podem subir acima de um determinado nível.
Na Dinamarca foi criada a “lei Blackstone” que proíbe aumentos de rendas durante cinco anos e ainda a oferta de dinheiro aos inquilinos para abandonarem as casa onde viviam. É ainda preciso uma autorização do Ministério da Justiça se um estrangeiro quiser comprar uma casa.
Na Áustria e na Suíça foi limitada a compra de casas por não residentes na UE ou que não tenham visto de residência.
Foram ainda anunciadas medidas para aumentar a oferta de casas. Em 2021, a Alemanha estabeleceu como objetivo a construção de 400 mil casas por ano, das quais 100 mil seriam com rendas acessíveis.
Em Espanha, o governo de Pedro Sanchéz tem como objetivo construir 183 mil casas públicas e de renda acessível nos próximos anos.
Em Portugal, o objetivo é, desde 2018, construir ou disponibilizar 26 mil casas de habitação social que terão de ser feitas até 2026 porque estão incluídas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Mas, de acordo com as autarquias há 64 mil famílias a precisar de habitação social.
Como chegámos até aqui
Como referido em cima, o aumento dos preços das casas na Europa tornou-se mais expressivo a partir de 2015 e 2016, quando se começou a recuperar da crise de 2011, a economia animou e as taxas de juro estavam anormalmente baixas.
Mas, nos últimos anos, a subida de preços agravou-se e uma das principais causas é a falta de oferta, o que se vê, por exemplo, no facto de se continuarem a vender mais casas usadas do que novas.
Casas novas e usadas na Europa em 2022
Por exemplo, na Alemanha, a falta de casas no mercado está no nível mais baixo dos últimos 20 anos e estima-se que haverá uma escassez de 700 mil apartamentos no país em 2025, segundo dados da Federação da Propriedade Alemã.
Em Portugal, não há números concretos das necessidades globais de habitação, mas dados recentes apontam para que haja cerca de 700 mil casas vazias (e a precisar de algum tipo de obras); 1,1 milhão de casas sem uso permanente (algumas de segunda habitação) e mais de 500 mil casas onde vive mais do que uma família (de acordo com os Censos).
Na Europa, o baixo volume de construção é apontado como um dos principais factores para a falta de casas, mas há outros como o aumento dos preços de construção provocado pela pandemia e pela guerra na Ucrânia (em Portugal estima-se que seja um aumento de 23%); do crescimento do Alojamento Local que alguns especialistas dizem ter retirado casas ao mercado; ou do aumento da procura por parte de estrangeiros com mais poder de compra. Nos aumentos mais recentes, a inflação é também apontada como uma das principais causas.
Em Portugal, acrescem os licenciamentos que podem demorar três anos a chegar ou o IVA na construção a 23%, como refere a Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII); o crescimento significativo do Alojamento Local que alguns especialistas dizem ter retirado casas ao mercado ou ainda os vistos gold que, de acordo com o professor de economia, João Pereira dos Santos, teve um efeito de contágio nos preços, porque fez com que muitos proprietários colocassem as casas à venda por €500 mil ou mais euros, mesmo que valessem menos.
No mercado de arrendamento, e olhando para toda a Europa, o aumento de preços foi menos expressivo entre 2016 e 2021. Isto porque, há países como Portugal onde o mercado de arrendamento representa menos de 20% e depois há países como a Alemanha, França ou Itália onde, em 2020, mais de 49%, 36% e 27% das famílias arrendava casa.
Mas, em 2022, os preços dispararam em algumas cidades europeias, como Lisboa ou Dublin, que em 2021 tinham, respetivamente, rendas de €2350 e €2700 e passaram para rendas de €2900 e €3150. Em causa está a inflação e, em Portugal, é mais uma vez a falta de oferta a principal razão, não tanto pelo baixo volume de construção, mas mais pela falta de confiança dos proprietários e senhorios no mercado de arrendamento, repara o antigo presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), Victor Reis. Aliás, há cada vez mais proprietários a retirar as casas do arrendamento e a colocá-las à venda.
Por isso é que muitas das medidas para resolver a crise na habitação se têm focado no mercado de arrendamento, tanto nos países onde o mercado é mais maduro e a procura é maior como nos países onde o mercado é curto e precisa de ser estimulado. Sejam elas de controlo dos aumentos dos preços, de aumento de oferta ou de benefícios fiscais a quem construir ou arrendar a preços mais baixos.
Em Madrid, as rendas médias das casas subiram dos €1700 em 2016 para €2500 em 2022, segundo dados do Eurostat
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Para onde caminhamos
Ainda é cedo para saber o real impacto das medidas mais recentes tomadas pelos diferentes governos europeus (ver Factos), porque ainda não estiveram tempo suficiente em vigor. Logo, também é cedo para saber se podem ou devem ser usadas em Portugal.
Por exemplo, em Barcelona, Espanha, decidiram recorrer à Inteligência Artificial para aprovar licenciamentos, ou seja, para tomar a decisão mais depressa e deixar apenas a supervisão para as pessoas, conta João Pereira dos Santos. Por cá, uma das medidas do Mais Habitação para melhorar os licenciamentos também é a de aprovação prévia, mas são os arquitetos e engenheiros a assumir a responsabilidade do projeto e depois então é que a autarquia supervisiona.
Também em Espanha aprovaram, já este ano, a criação de apoios do Estado para facilitar o acesso ao crédito à habitação. É uma medida para jovens na qual o Estado assume junto do banco 20% da hipoteca em caso de incumprimento. Por cá, também foi criada uma bonificação nos juros a pagar nos contratos celebrados até 15 de março de 2023 que pode chegar aos €720,6 por ano.
Há depois medidas mais recentes que também foram tomadas em Portugal, mas que noutros países não correram tão bem. É o caso do limite de 2% ao aumento das rendas que Portugal inclui no Mais Habitação apesar de grande contestação, e que Espanha aplicou em 2021. De acordo com um artigo do El Mundo, um ano depois, essa medida teve efeitos contrários ao esperado: os preços subiram quase 9% e a oferta disponível de casas para arrendar caiu 17%.
Aliás, o controlo de rendas é um mecanismo difícil de avaliar. “É bom para os inquilinos que já estão no mercado, mas mau para quem está à procura porque mexe na confiança dos proprietários, que retiram as casas do mercado, baixando a oferta”, repara João Pereira dos Santos.
Quanto às medidas de aumento da oferta, como diz Hugo Santos Ferreira, da APPII, é “esperar para ver” e acreditar que os “bons conceitos" vão passar à prática, mas há que contar com os factores externos, como o aumento dos custos de construção decorrentes ainda da pandemia e da guerra na Ucrânia. Na Alemanha, o objetivo de construir 400 mil casas novas por ano tem saído gorado. O ano passado, por exemplo, construíram-se 290 mil e Associação Federal Alemã de Habitação e Promotoras Imobiliárias estima que este ano se construam 280 mil.
Por fim, há outras medidas, mais antigas e já bem instituídas nos diferentes mercados imobiliários, que são muitas vezes referidas pelos agentes de mercado como exemplo para o governo português, como o dos impostos na compra de casa em Espanha. De acordo com o fiscalista da EY, Pedro Fugas, quando se vende uma casa pela primeira vez ela está sujeita a um IVA de 10% e não de 23% como em Portugal. Além disso, estão isentas de IMT.
Outro exemplo é a rede de transportes. De todas as pessoas com quem falámos por causa deste tema da habitação não houve nenhuma que não mencionasse a importância de melhorar os transportes públicos como fator essencial para melhorar a habitação, principalmente nas grandes cidades, como Lisboa e Porto. O objetivo é simples: alargar as zonas de habitação para fora das cidades ao mesmo tempo que se melhoram as infraestruturas “para que as pessoas possam viver fora e chegar a Lisboa mais depressa”, diz a economista Susana Peralta.
“A habitação devia ter uma estratégia conjunta com os transportes”, diz a economista Susana Peralta
Mas não tem. “Estão a tratar-se os dois problemas de forma isolada”, diz o também economista Pedro Brinca, acrescentando que o artigo da Constituição que define o Direito à Habitação inclui o desenvolvimento de uma política de transportes. Aliás, talvez não seja por acaso que, em Espanha, o ministério que tem a pasta da habitação seja o Ministério dos Transportes, Mobilidade e Agenda Urbana.