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“Os olhos brilham” e a solidão perde força

Belina Filipe (em cima) ajuda os idosos da Santa Casa da Misericórdia de Alcanede a utilizarem tecnologia para contactar os mais próximos
Belina Filipe (em cima) ajuda os idosos da Santa Casa da Misericórdia de Alcanede a utilizarem tecnologia para contactar os mais próximos
NUNO BOTELHO

Rural. Nas zonas mais isoladas, fora dos grandes centros urbanos, surgem novos projetos para tentar combater o isolamento e dificuldades sociais acentuados pela pandemia. Conheça cinco

“Os olhos brilham” e a solidão perde força

Tiago Oliveira

Jornalista

O filho do sr. Eduardo é camionista, e foi no decorrer de uma viagem que pôde falar e ver o pai à distância. Algo que seria impossível não fossem as sessões de contacto através de dispositivos tecnológicos organizadas pela Santa Casa da Misericórdia de Alcanede, em Santarém, à sombra do castelo local. “Foi bom”, resume o utente, de 75 anos, que não escondeu a alegria por ter conseguido ver a cara do filho numa manhã chuvosa de segunda-feira. O projeto é um dos 24 distinguidos na 3ª edição do Prémio BPI Fundação “la Caixa” Rural — que distribuiu €700 mil para apoiar 4500 beneficiários — e “foi uma necessidade logo identificada”, no início de 2020, quando Wanda Mendo assumiu o cargo de provedora da instituição, e que a pandemia tratou de acentuar. “Queremos dar condições para que os idosos fiquem em segurança em casa”, garante.

Entre as dificuldades identificadas está o fraco sinal de internet em muitas das zonas mais isoladas da freguesia, pelo que o financiamento será utilizado para a aquisição de um carro elétrico, com uma antena, que funcionará como um ponto de acesso móvel à internet. Serão também comprados 15 tablets para apoio domiciliário, com que se espera ajudar inicialmente cerca de “30 pessoas”, afirma Belina Filipe. A responsável pelo projeto destaca também o papel crucial desempenhado pelos voluntários jovens do programa, pois “são os mais capacitados para ajudar”, acredita.

O arranque efetivo está previsto para “final de janeiro ou início de fevereiro do próximo ano”, aponta Wanda Mendo, mas os primeiros testes mostram que o projeto pode fazer a diferença: as caras aparecem no ecrã e “os olhos deles brilham” imediatamente, confidencia Belina Felipe. É o caso da dona Emília, que, com 87 anos, estava numa videochamada com uma das cinco netas. Vivia sozinha e agora “habitua-se pouco a pouco” a estes contactos. “Todos os dias se pode aprender alguma coisa”, atira, confiante, dona Adélia, de 76 anos, que com a ajuda da tecnologia combate “o isolamento, para conviver mais um bocadinho”.

Capacitar

Nas zonas de cariz rural, os problemas do isolamento, assim como as carências económicas, estão sempre presentes e exigem resposta. É o caso do Aromatizar a Vida, em Mértola, “dirigido a idosos em situação de isolamento social, familiar e geográfico”, com o objetivo de “criar um jardim aromático comunitário”, esclarece a responsável pelo projeto do Centro de Apoio a Idosos de Moreanes, Sara Vilão.

Já a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, revela o membro da direção, Luís Cunha, apostou na criação de uma Academia Sénior, com o objetivo “de valorizar a imagem do idoso, neste caso todas a pessoas com mais de 50 anos”.

A partir da associação AMU — Ações para Um Mundo Unido, em Alenquer, aparece o projeto Gera(Tradi)ções: mobilizar para a proximidade, que “irá dinamizar momentos de convívio entre pares de pessoas idosas em situação de isolamento social e jovens estudantes”, segundo Quaiela Costa, gestora do projeto.

Os mais novos são o foco do projeto da Associação EKUI, que desenvolverá uma aplicação — a ser testada no Sabugal — onde, elucida a fundadora, Celmira Macedo, “se estimulam e avaliam as competências cognitivas e linguísticas das crianças”.

Carência financeira atinge mais 100 milhões

Na semana em que se celebrou o Dia Internacional da Solidariedade Humana, os dados apontam para um agravamento da pobreza

Os dados são do Banco Mundial e não deixam grande margem para dúvidas. Pela primeira vez, em 20 anos, a pobreza extrema global subiu, como resultado direto da pandemia da covid-19, e mais de 100 milhões de pessoas vivem agora abaixo da linha de subsistência. Juntam-se aos cerca de 700 milhões que vivem numa situação de carência financeira — o que corresponde a perto de 9,2% da população mundial — e que se concentram maioritariamente em duas zonas: Ásia Meridional e África Subsariana.

Em Portugal, a situação não é melhor, com as informações mais recentes do Instituto Nacional de Estatística a darem conta de uma subida do risco de pobreza para 18,4%, em 2020, o que representa um aumento de 2,2% face ao ano transato. São perto de 228 mil, os residentes que contribuem para este crescimento, que representa uma tendência de inversão, face à quebra da taxa de risco de pobreza registada nos últimos anos.

Apesar da situação difícil, na semana em que se celebrou o Dia Internacional da Solidariedade Humana (20 de dezembro), há números que são motivo de esperança, como o aumento de cerca 30% do voluntariado em Portugal, segundo o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. “As mudanças têm de ser estruturais e sistémicas, envolver pais, escolas e sociedade civil.” E, nesse campo, “as organizações sociais começam já a apresentar soluções que atuam nas causas dos problemas, e não só nos seus efeitos, quando os problemas já estão instalados”, acredita a fundadora da Associação EKUI, Celmira Macedo.

Textos originalmente publicados no Expresso de 23 de dezembro de 2021

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