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O lixo eletrónico tem de sair do armário, e entrar nas nossas cabeças

A 2ª Conferência eWaste realizou-se esta terça-feira em Lisboa, juntando os principais representantes do sector da recolha e reciclagem de equipamentos elétricos e eletrónicos

Ricardo Neto, presidente da ERP Portugal, defendeu o reforço da sensibilização e apontou o dedos aos "catadores"
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De 600 gramas a 2,5 quilos vai apenas uma fronteira entre dois países. A fronteira divide Portugal e Espanha. Os 600 gramas dizem respeito ao tratamento de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE) que, por ano, a cada português envia para os centros de reciclagem camarários; enquanto os 2,5 quilos revelam que, em Espanha, esse indicador é quase cinco vezes superior. Ambos valores confirmam que Portugal ainda tem de fazer trabalho de casa aturado para aumentar as taxas de reciclagem de REEE. E foi essa a principal mensagem que saiu da 2ª Conferência e-Waste Summit que decorreu esta terça-feira de manhã, em Lisboa.

“Não posso fazer nada quando alguém desvia o frigorífico que é abandonado no meio da rua”, descreve Ricardo Neto, presidente da ERP Portugal, entidade que recolhe os REEE no País, com o objetivo de os encaminhar para os diferentes centros de tratamento e reciclagem.

No evento desta terça-feira, que é organizado pela ERP Portugal em parceria com a LG Portugal, a ideia haveria de ser proferida por mais de uma vez: “não é possível enviar mais REEE para reciclagem, se não forem recolhidos mais REEE junto dos pontos credenciados junto dos retalhistas”.

O exemplo do frigorífico abandonado no meio da rua ajuda a ilustrar um cenário que ainda perdura nos dias de hoje e que é especialmente atrativo para um interveniente nem sempre desejável: o “catador”.

Entre os “catadores” encontram-se pessoas que dedicam o tempo livre ou o dia-a-dia em busca de REEE, como no passado havia quem se dedicasse à busca do papel ou do vidro. Movidos pela possibilidade de lucro com a revenda de metais como ouro, estanho, cobre, chumbo ou aço, os “catadores” chegam, segundo as crónicas do sector, a investir sobre os pontos de recolha mais vulneráveis para desviar equipamentos e desmembrar o que deveria ter ido para a reciclagem.

Pontos de recolha como os Depositrões, geralmente, são mais usados para receber os pequenos equipamentos, mas o exemplo do frigorífico serve bem para ilustrar outro risco resultante da atividade dos “catadores” que caçam equipamentos abandonados para os vender desmembrados às sucatas. Por norma, o desmembramento de um frigorífico abandonado incide numa primeira fase no compressor. E “cortado o compressor, então o gás nocivo é libertado na atmosfera”, explica Ricardo Neto.

Entre as autoridades, a concorrência movida pelos “catadores” é sobejamente conhecida, mas a tónica é colocada na mudança de mentalidade. “Se olharmos para o consumo sustentável, verificamos que estamos formatados para comprar uma coisa, usá-la e deitá-la fora… se fizermos isto no mundo inteiro não há matérias-primas para esta gente toda”, referiu Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, durante a conferência e-Waste.

Entre os participantes no evento, houve uma segunda ideia mencionada mais que uma vez: para aumentar a recolha de chips e circuitos eletrónicos e outros componentes, há que mudar, em primeiro lugar, o “chip mental”. O que poderá ajudar os pequenos eletrodomésticos a saírem do armário.

Nuno Lacasta lembrou que cada cidadão poderá ajudar a fazer a diferença com decisões do quotidiano – que no limite poderão passar pela compra de equipamentos recondicionados, que ganham nova vida em vez de ficarem condenados ao opróbrio de uma gaveta qualquer.

Em média, cada família tem cinco destes equipamentos em casa, sem lhes dar uso, recorda Fernando Leite, diretor executivo do Serviço Intermunicipalizado de Gestão de resíduos do Grande Porto (LIPOR). Telemóveis, tablets, câmaras ou mesmo computadores dominam a lista de equipamentos sem uso.

Num estudo levado a cabo com a Universidade do Porto, a LIPOR apurou que 76% dos cidadãos do Porto mantêm em casa equipamentos que não usam. As estimativas revelam ainda que 60% destes equipamentos podiam ser reutilizados de alguma forma – e apenas 25% não têm reparação possível.

“O nosso drama é que não sabemos reparar os equipamentos”, referiu Fernando Leite, aproveitando ainda a ocasião para responsabilizar alguns fabricantes que, intencionalmente ou não, acabam por optar por um design que não facilita as reparações mais simples por parte de técnicos ou consumidores – mesmo nos muitos casos em que bastaria substituir um fusível.

O desperdício pós-venda está identificado, mas Ruy Gil Conde, diretor-geral da LG Portugal, também lembrou que a preservação do ambiente também tem sido feita aquando da produção de equipamentos – e destacou o esforço que a marca sul-coreana tem levado a cabo para produzir equipamentos amigos do ambiente nos últimos 15 anos.

Além da recuperação de 95% dos resíduos produzidos localmente, Ruy Gil Conde apontou a uma meta ambiciosa: “Queremos atingir a neutralidade das emissões de dióxido de carbono até 2030”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

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