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“Portugal corre o risco de perder a identidade gastronómica”

“Portugal corre o risco de perder a identidade gastronómica”
NUNO BOTELHO

Prémio Nacional de Turismo. Entrevista ao chefe de cozinha José Avillez

Pedro José Barros

Turismo Gastronómico é uma das novas categorias do Prémio Nacional de Turismo e serviu de aperitivo para a entrevista com José Avillez, o mais premiado e reconhecido dos chefes portugueses, com duas estrelas Michelin no restaurante Belcanto e líder de um grupo de restauração que reúne mais 12 restaurantes e cerca de 250 colaboradores. Em breve, o cozinheiro e empresário vai abrir um novo restaurante, em que “as grandes estrelas serão os vegetais”. Um sinal de confiança no futuro, com a consciência das dificuldades atuais provocadas pela pandemia, que provocou “um rombo que vai demorar quatro ou cinco anos a tapar”.

Portugal tem vinhos, azeites, peixes, mariscos e muitos outros produtos de notoriedade mundial. Como se pode potenciar a qualidade gastronómica do país e, em consequência, atrair mais turistas?
Sempre defendi que a divulgação de um país deve ser feita de acordo com o que cada mercado procura. O Douro e o Alentejo são dois destinos que, em termos de vinhos e de produtos regionais, são muito ricos, com paisagens maravilhosas, mas não podem ser divulgados para os públicos errados. O que as pessoas procuram hoje, cada vez mais, é identidade, algo que foi desaparecendo em muitos países concorrentes enquanto destinos turísticos e nós ainda mantemos. Mas se não tivermos cuidado, também vamos deixar de ter.

Corre-se esse risco de perda neste momento?
Sim, corremos, e com a covid-19 temos uma oportunidade única de transformação do sector e, nesse contexto, ter o cuidado de preservar a identidade, incluindo a gastronómica. Temos de repensar a cidade e o país, perceber o que as pessoas procuram, ter atenção ao produto que servimos e à explicação que damos. Não podemos andar a vender gato por lebre. Hoje Portugal é, sem dúvida, um dos melhores destinos gastronómicos do mundo. No entanto, para consolidar o destino temos que ter mais conteúdo cultural. Há poucos museus realmente interessantes e poucos espetáculos. O São Carlos abre 10 vezes por ano... Tem de existir conteúdo para os turistas ficarem mais do que um dia ou dois na cidade. Abrir restaurantes, por si só, não faz nem garante a existência de turismo gastronómico. E contra mim falo…

O Belcanto é sempre apontado como um bom exemplo no conceito de turismo gastronómico. É possível replicar o sucesso no resto do país?
Adoro restaurantes tradicionais e cervejarias e não vivo sem eles, mas são restaurantes que não fazem viajar. 90% dos restaurantes que fazem viajar no mundo são os que constam nos guias dos 50 melhores ou da Michelin. Pela experiência que geram, são esses que fazem alguém marcar uma viagem.

A cozinha tradicional não faz viajar?
Um restaurante, em si, não faz viajar. Na verdade, conheço muito poucos que o façam. Os restaurantes de autor são os mais divulgados, por estarem em listas internacionais, e acabam por ter mais mediatismo. Mas para conseguirmos construir um destino gastronómico temos que ter e preservar também os restaurantes tradicionais e as tascas. O conjunto destes vários tipos de restaurantes é que cria um destino gastronómico.

Que podem os empresários da restauração fazer, tendo também em conta todas as mudanças provocadas pela pandemia?
Temos de conhecer o nosso público e ir ao encontro dos gostos dos clientes mostrando o que é nosso. Temos de nos adaptar, porque isso também é hospitalidade e serviço. Infelizmente, o país só se conseguiu organizar com um IVA na restauração que é o dobro do praticado em Espanha. Numa média das comidas e bebidas não é o dobro, mas sim entre 60% a 70%, e isso veio castigar muito o sector. Mas estou a dizer isto e, pelo andar da carruagem, são coisas que não irão acontecer. E de facto, quando vemos a Grécia a baixar o IVA para tornar mais atrativo o mercado, nós estamos claramente a ficar para trás. Como estamos nas decisões relacionadas com o desconfinamento, e as consequências disso vão ser gravíssimas. Ou fechamos tudo ou abrimos, ou temos regras bem explicadas ou não…

Que apoios espera do Estado para ajudar na recuperação do atual estado do turismo, e da restauração em particular?
Será muito importante a capitalização das empresas que tiveram de se endividar e perderam capitais próprios, bem como uma isenção da TSU (Taxa Social Única) na recuperação. O Governo tinha e tem entre mãos uma tarefa muito complicada, mas, por uma ou outra razão, a restauração acabou por ser um dos sectores mais sacrificados no combate à pandemia.

Quais foram as consequências financeiras e pessoais do fecho de alguns dos seus restaurantes?
Ver desmoronar parte de um projeto que tínhamos criado numa fase em contraciclo, onde estávamos a crescer e a investir, é algo que sinto mais como pessoal do que profissional. Isto foi um banho de água fria. Acabámos por fechar 30% dos nossos restaurantes, tirar outros das suas localizações na rua e pô-los dentro do bairro, não renovar cerca de 40% dos contratos e chegar a acordo com outras pessoas. Reduzimos praticamente para metade a nossa estrutura de pessoal. Já abrimos tudo e voltámos a contratar, mas numa primeira fase foi isso que aconteceu.

Financeiramente, estamos a falar de que valores?
Não vou falar em dinheiro, pois nunca falei, mas perdemos tudo o que tínhamos construído nos últimos quatro anos. É um rombo que vai demorar quatro ou cinco anos a tapar. Felizmente, temos uma gestão muito organizada, estamos bastante estáveis e cheios de força para continuar e superar tudo isto.

O restaurante Encanto insere-se nessa nova “força”?
Sem dúvida. Era para abrir em julho, o que ficou completamente posto de parte tendo em conta a atual situação. Agora não há data para a inauguração. O objetivo é continuar a inovar e a realizar os nossos sonhos, que ficaram, mais uma vez, na prateleira, porque não vale a pena abrir um restaurante quando não há clientes ou temos de fechar ao fim de semana.

O que tem de saber acerca do Prémio

O projeto

Com os olhos postos no futuro, a terceira edição do Prémio Nacional de Turismo vai premiar negócios e projetos nacionais que se distingam como casos de sucesso em Portugal. A iniciativa do BPI e do Expresso conta com o patrocínio do Ministério da Economia e da Transição Digital, o apoio institucional do Turismo de Portugal e o apoio técnico da Deloitte

As categorias

  • Turismo autêntico Projetos que apresentam oferta abrangente e equilibrada do ponto de vista territorial, bem como da utilização e alavancagem de recursos locais e endógenos
  • Turismo gastronómico Projetos que se destaquem por oferta gastronómica diferenciada e autêntica, alicerçada na valorização e promoção da gastronomia regional e nacional
  • Turismo inclusivo Projetos que promovam um reforço da relação com o consumidor, através da comunicação ou de iniciativas que visem a sua inclusão e fidelização
  • Turismo inovador Projetos que apresentem uma oferta inovadora e a utilização de ferramentas e meios digitais para a comunicação, distribuição e análise do desempenho
  • Turismo sustentável Projetos que se distingam pela sustentabilidade ambiental, económica e responsabilidade social subjacentes à estratégia de médio/longo prazo

Prémio Carreira

À semelhança das edições anteriores, será ainda distinguido com o Prémio Carreira uma personalidade que se tenha destacado com um importante contributo para o sector do turismo

Datas importantes

Para se habilitar a vencer o Prémio Nacional de Turismo apresente a sua candidatura até 31 de julho de 2021

Onde se candidatar

Encontra toda a informação sobre o regulamento, categorias, critérios de avaliação e prazos no site oficial do prémio

Textos originalmente publicados no Expresso de 16 de julho de 2021

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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