Projetos Expresso

Recrutamento de doentes para ensaios clínicos “é o calcanhar de Aquiles” de Portugal

Mais investimento, organização e tempos de resposta mais céleres são algumas das medidas a implementar para conseguir desenvolver esta área de investigação em Portugal
Mais investimento, organização e tempos de resposta mais céleres são algumas das medidas a implementar para conseguir desenvolver esta área de investigação em Portugal
José Fernandes

Projetos Expresso. Quem o diz é Victor Herdeiro, presidente da Administração Central dos Sistemas de Saúde, que defende, contudo, que existem “bons exemplos” no país que devem ser seguidos. O ‘Mais Saúde, Mais Europa’ destaca, à segunda-feira, os eventos mais relevantes da agenda da Presidência Portuguesa, numa iniciativa do Expresso com o apoio da Apifarma

Francisco de Almeida Fernandes

Portugal tem recursos humanos altamente qualificados e de qualidade, consideram os especialistas, mas falta mais investimento em saúde e, em particular, na investigação científica. “O número de ensaios clínicos não tem crescido de forma significativa em Portugal, havendo apenas a registar um ligeiro aumento no último ano e que pode, em parte, estar associado ao incremento de estudos clínicos relacionados com a situação pandémica”, afirma o investigador Nuno Sousa ao Expresso. Para o diretor do Centro Clínico Académico de Braga (2CA) “existem, contudo, condições para que haja um aumento significativo do número se houver uma estratégia concertada para alinhar os esforços e os interesses, dos principais intervenientes”.

Um dos maiores obstáculos apontados prende-se com o processo de autorização para a realização destes ensaios e, sobretudo, com o prazo para o recrutamento de doentes que a indústria procura. Victor Herdeiro, presidente da Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS), reconhece a dificuldade e diz que “a questão do recrutamento é o nosso calcanhar de Aquiles”. Porém, defende que é preciso “seguir os bons exemplos em Portugal” e que basta melhorar “a organização interna” para atrair investimentos em ensaios clínicos.

“Temos apostado fortemente na capacitação de todos os que participam em investigação clínica e apoiamos financeiramente dezenas de projetos de investigação clínica”, garante Nuno Sousa, diretor do Centro Clínico Académico de Braga

No 2CA que lidera, Nuno Sousa tem conseguido resultados positivos e será um dos exemplos a seguir. “Nos últimos oito anos, aumentámos o número de ensaios clínicos de praticamente zero para mais de 150 ativos à data de hoje, conseguindo taxas de recrutamento de quase 100% e tempos altamente competitivos em termos internacionais”, adianta. A aposta na capacitação dos recursos humanos e o apoio financeiro a projetos de investigação têm sido armas utilizadas pelo centro em Braga. “A nossa estratégia tem sido de desenvolver as áreas onde temos maior diferenciação, como as neurociências, mas sem deixar de aproveitar as oportunidades que vão ao encontro dos interesses dos promotores, como a área oncológica”, explica.

As vantagens no desenvolvimento desta atividade em Portugal são muitas, atestam os peritos, que destacam a promoção da cultura científica e a especialização do ecossistema de investigação. “Por outro lado, os doentes beneficiam da participação nestes estudos clínicos, já que têm acesso a terapêuticas inovadoras e experimentais. “Cria melhores condições de acessibilidade a intervenções inovadoras, alargando o leque de opções terapêuticas e, por conseguinte, a qualidade da prestação de cuidados”, defende Nuno Sousa. “É também importante para os hospitais, até do ponto de vista financeiro, porque os ensaios clínicos têm um valor económico que fica nos profissionais que intervêm e servem, muitas vezes, para reter talento”, afirma Victor Herdeiro.

Tornar a União Europeia mais resiliente a ameaças sanitárias futuras é um dos quatro pilares fundamentais da estratégia da Europa para os próximos anos. É também um dos objetivos da Presidência Portuguesa do Conselho da UE, cuja atividade na área da saúde o projeto ‘Mais Saúde, Mais Europa’ continua a acompanhar em permanência através de dois artigos semanais. A iniciativa do Expresso, com o apoio da Apifarma, promove ainda o debate em torno das questões essenciais com o evento "Cancro: Cada Dia Conta", a 26 de maio.

155

é o número de ensaios clínicos autorizados pelo Infarmed em 2020, ano em que a instituição recebeu 187 pedidos. Apesar do crescimento nos últimos anos, Portugal mantém-se atrás de países europeus como a Dinamarca, Bélgica ou Holanda

Conheça os destaques da semana:

Quarta-feira, 19

  • A conferência «Centros Académicos Clínicos na Europa: desafios e oportunidades», organizada no âmbito da Presidência Portuguesa a partir da Faculdade de Ciências de Saúde da Universidade da Beira Interior, convoca especialistas, estudantes, professores e políticos a refletir sobre o caminho que deve orientar o futuro da Europa neste campo.
  • O evento contará com a presença da ministra da Saúde, Marta Temido, do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, mas também do presidente do Centro Académico Clínico das Beiras, Miguel Castelo-Branco, e de Manuel Sobrinho Simões, coordenador do Conselho Nacional dos Centros Académicos Clínicos.
  • Para Nuno Sousa, é fundamental definir “uma visão estratégica para a investigação em saúde, que essa se inscreva na agenda política nacional da saúde e da economia e, dessa forma, melhoremos os cuidados de saúde que prestamos”. Se este for o foco, defende, será possível tornar “Portugal mais competitivo” a nível internacional.
  • “Diria que Portugal tem um ecossistema ótimo para desenvolver ensaios clínicos, porque tem uma medicina de altíssima qualidade”, acredita Victor Herdeiro, que apela a que se atente nos bons exemplos nacionais para potenciar as capacidades do país neste sector do conhecimento científico.
  • A conferência tem início agendado para as 10h30 e final previsto pelas 18h, sendo que as intervenções podem ser vistas através da emissão online no canal de YouTube da Universidade da Beira Interior

Quinta-feira, 20

  • Nesta data comemora-se o Dia Internacional dos Ensaios Clínicos, um simbolismo que pretende lembrar a importância desta atividade para a investigação e inovação em prevenção, diagnóstico e tratamento. Porventura no momento histórico em que, no século XXI, o mundo beneficia de vacinas cujo desenvolvimento foi possível apenas à investigação científica, a efeméride ganha relevância adicional. Vale a pena recordar, a este propósito, o cenário atual deste campo do conhecimento em Portugal – em 2019, o país investiu cerca de 1,6% do PIB em investigação e desenvolvimento (I&D), mas o objetivo traçado pelo Governo para a próxima década é de crescer até aos 3% do PIB.
  • A nível europeu, a média de investimento dos Estados-membros em I&D fixou-se em 2,19%, em 2019, um valor abaixo de países como a Coreia do Sul (4,52%), o Japão (3,28%) ou os EUA (2,82%), em 2018. Em entrevista ao Expresso no final de abril, o ministro Manuel Heitor reconhecia a importância de aumentar o financiamento da produção de conhecimento. “A Europa desde 2000 que tem estado sensivelmente estagnada, em termos globais, com 2% do PIB [de investimento em I&D]. Em 2015, Portugal tinha 1,2%, hoje tem 1,6% e, portanto, temos que crescer mais em termos do financiamento, sobretudo em mais pessoas e num reforço ao financiamento das instituições”.
  • Ainda na Europa, apenas três países registaram investimentos superiores a 3% da riqueza nacional – Suécia, Áustria e Alemanha, de acordo com dados do Eurostat.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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