Projetos Expresso

“É preciso investir para termos mais ensaios clínicos em Portugal”

Participação de doentes em ensaios de medicamentos inovadores representa poupanças para o SNS e acelera o acesso dos cidadãos a terapias inovadoras
Participação de doentes em ensaios de medicamentos inovadores representa poupanças para o SNS e acelera o acesso dos cidadãos a terapias inovadoras
José Fernandes

Projetos Expresso. As palavras são de Ana Raimundo, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, que destaca os ganhos na saúde dos doentes, na economia e no ecossistema de investigação nacional. À sexta-feira, o ‘Mais Saúde, Mais Europa’ reúne os momentos-chave da semana que termina, numa iniciativa do Expresso com apoio da Apifarma

Francisco de Almeida Fernandes

Garantir o acesso rápido e equitativo dos doentes a novos medicamentos ou terapias inovadoras é um dos grandes objetivos da União Europeia na área da saúde. Para este objetivo, a realização de ensaios clínicos é uma das ferramentas à disposição dos Estados-membros para testar abordagens experimentais, melhorar os cuidados médicos prestados e contribuir para a dinamização do ecossistema de investigação científica. “A UE tem prevista a implementação de um novo regulamento aplicável a ensaios clínicos com regras transversais a todos os Estados-membros, que pretende contribuir para o reforço da competitividade da plataforma europeia face ao resto do mundo, reduzir a burocracia, e aumentar a transparência”, explica ao Expresso o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo. Em Portugal, o responsável garante que o número de experiências neste campo tem vindo a aumentar, embora reconheça que existe “espaço para melhorar o posicionamento” do país.

De facto, segundo os números publicados pelo Infarmed, a última década regista um aumento no número de pedidos de autorização e nos ensaios clínicos autorizados pela instituição. Em 2020, foram submetidas 187 candidaturas, das quais 155 receberam luz verde. Ainda assim, a presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, Ana Raimundo, defende que “é preciso investir para termos mais ensaios clínicos em Portugal, com hospitais com maior capacidade de recrutamento e inclusão de doentes”. Para a responsável, “os decisores têm que se convencer que o investimento inicial trará retorno”.

As vantagens estão à vista no relatório Ensaios Clínicos 2019, da consultora PwC, nomeadamente no que respeita às vantagens económicas para o país. Além da criação de valor e de emprego qualificado associado à investigação, estas experiências permitem ao Serviço Nacional de Saúde reduzir a despesa em tratamentos, já que durante os ensaios o custo é suportado pelos promotores. Adicionalmente, o estudo mostra que por cada euro gerado nos ensaios clínicos, a economia portuguesa beneficia de um retorno de €1,99, entre efeitos diretos e indiretos da atividade.

“Os ensaios clínicos promovem o acesso da população a medicamentos inovadores sem custos para os pacientes e em tempos mais curtos”, explica Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal

Esta é, aliás, uma das seis prioridades de investimento recentemente identificadas pelo Health Cluster Portugal (HCP) no seu Plano de Desenvolvimento da Saúde (PDS). “Portugal é um país pequeno, com uma população de dimensão relativamente reduzida, o que pode à partida parecer um condicionalismo. No entanto, essa mesma dimensão pode jogar a nosso favor”, diz Joaquim Cunha, diretor executivo do HCP. Para a associação, será necessário garantir um investimento anual de €1000 milhões em investigação e desenvolvimento (I&D) para colocar o país mais perto da média europeia.

Tornar a Europa mais resiliente e socialmente justa são dois dos grandes objetivos da Presidência Portuguesa do Conselho da UE, cuja atividade o projeto ‘Mais Saúde, Mais Europa’ continua a acompanhar em permanência até julho. Além de dois artigos semanais, a iniciativa do Expresso com o apoio da Apifarma promove o debate com o evento Cancro: Cada Dia Conta, a 26 de maio.

43,8 milhões de euros

é o valor de mercado gerado pelas empresas responsáveis por ensaios clínicos em Portugal em 2017. O impacto total da atividade na economia nacional foi estimado em cerca de €87 milhões, segundo a consultora PwC

Desafios a ultrapassar

  • Para Joaquim Cunha, um dos maiores obstáculos em Portugal passa pela “articulação entre os principais atores no terreno, desde a entidade reguladora aos centros clínicos”, de forma a diminuir o tempo de recrutamento de pacientes elegíveis a participar nos ensaios clínicos
  • De acordo com o estudo da PwC, esta atividade em território nacional tinha, em 2017, cerca de 13,3 ensaios clínicos por cada mil habitantes, um valor quase quatro vezes inferior à Dinamarca, líder europeia neste campo. Embora reconheça a qualidade dos investigadores e profissionais de saúde portugueses, Joaquim Cunha diz faltar “uma estratégia nacional clara neste domínio, incentivos à profissionalização da investigação clínica e uma orientação para o negócio”
  • “A colheita de dados epidemiológicos e de vida real em tempo útil são necessários para a tomada de decisões. Em Portugal, existe falta de investimento em meios tecnológicos e de recursos humanos para este trabalho ser realizado com rapidez e eficácia”, lamenta Ana Raimundo

Reforço da investigação nacional

  • Rui Santos Ivo, que liderou o grupo de trabalho europeu sobre Avaliação das Tecnologias de Saúde, lembra que “o crescimento da investigação clínica pode contribuir para o aumento potencial do acesso a terapias de vanguarda em fase precoce”, contribuindo para a melhoria dos cuidados de saúde prestados aos doentes
  • O presidente do Infarmed aponta ainda o novo regulamento comunitário sobre ensaios clínicos, que “aposta nos mecanismos de articulação e cooperação europeia assente num portal digital que possibilitará ágil comunicação entre as entidades competentes dos Estados-membros”. Esta plataforma entrará em funcionamento a partir de 31 de janeiro de 2022, altura em que o regulamento será oficialmente implementado, de acordo com informação confirmada em abril pela Agência Europeia do Medicamento
  • “Se definirmos objetivos ambiciosos, seremos capazes de criar a massa crítica necessária para promover a investigação clínica e os ensaios em Portugal”, garante o diretor-executivo do HCP, que aponta as terapias celulares e genéticas como um mercado em crescimento que não deve ser ignorado

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate