Vai a União Europeia optar pelo "nacionalismo em saúde" ou reforçar a cooperação?
Apoiar mais projetos científicos europeus é essencial para aumentar os níveis de I&D e garantir independência estratégica da UE nesta área
José Fernandes
Projetos Expresso. A crise sanitária mostrou a importância de apoiar a inovação nas ciências da vida, mas o dinheiro não chega. Falta, dizem os especialistas, um quadro regulatório estável, um ambiente atrativo para a indústria e, sobretudo, colaboração. À sexta-feira, o ‘Mais Saúde, Mais Europa’ reúne os momentos-altos da semana, numa iniciativa do Expresso com o apoio da Apifarma
Francisco de Almeida Fernandes
A reindustrialização da União Europeia (UE) é um dos grandes objetivos definidos pelos Estados-membros para a próxima década, procurando recuperar autonomia estratégica e diminuir a dependência de mercados externos. Na área das ciências da vida, em particular, o investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) deve ser reforçado para garantir aos cidadãos uma comunidade mais resiliente. “A produtividade em I&D tem vindo a descer [na Europa], temos processos lentos de negociação e reembolso e o ambiente de investimento europeu é menos atrativo do que o dos EUA”, afiança Richard Barker. O presidente da Metadvice – que falava na conferência Inovação em Saúde: Não deixar ninguém para trás, organizada pelo Expresso com o apoio da Apifarma – lembrou a capacidade de cooperação, a rapidez das decisões e as parcerias público-privadas da UE ao longo da pandemia, pedindo que se mantenham no futuro e que sejam replicadas em outras doenças.
"É extremamente importante que quando falamos em inovação na saúde tenhamos em conta que não podemos esquecer o que alimenta o processo de inovação: a investigação fundamental", afirma Maria do Carmo Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular
Para o diretor da EURORDIS – Doenças Raras Europa, Yann Le Cam, é importante existir “diálogo científico numa rede europeia” e alargar a colaboração vivida no último ano a projetos na área da oncologia, das doenças raras e da resistência antimicrobiana. A eurodeputada Graça Carvalho, habituada a trabalhar nestes dossiers, concorda e sublinha que se não fosse a investigação fundamental, não existiria ainda uma vacina para a covid-19. “Estávamos a investir em soluções que não sabíamos que íamos precisar no futuro, mas foi importante termos este conhecimento”, diz. Maria do Carmo Fonseca, cientista e presidente do Instituto de Medicina Molecular (IMM), aponta que “a descoberta científica é resultado da investigação fundamental”, área que deve merecer “atenção ao investimento” pela UE. À semelhança de Graça Carvalho, considera importante reduzir a burocracia e aumentar a agilidade da Europa nas ciências da vida.
O projeto ‘Mais Saúde, Mais Europa’ vai continuar a acompanhar em permanência a atividade da Presidência Portuguesa do Conselho da UE através da publicação de dois artigos semanais – à segunda-feira, uma seleção dos eventos mais marcantes e, à sexta-feira, um resumo dos principais acontecimentos. A iniciativa do Expresso, com o apoio da Apifarma, vai ainda promover o debate em torno da oncologia, a 26 de maio, com o evento Cancro: Cada Dia Conta.
3%
é a percentagem do PIB comunitário que a União Europeia quer ver investido em investigação e desenvolvimento, de acordo com o objetivo definido na Estratégia Europa 2020. Em 2019, contudo, o apoio à inovação não superou 2,19%, deixando o continente atrás da Coreia do Sul (4,52%), do Japão (3,28%) e dos EUA (2,82%)
Conheça os destaques:
Ecossistema inovador
Graça Carvalho recorre ao exemplo da BioNTech, parceira da Pfizer no desenvolvimento de uma das vacinas disponíveis contra a covid, para mostrar como é urgente ter “um ecossistema bem preparado para a inovação em saúde”. “Este exemplo mostra as fragilidades da Europa, porque a BioNTech teve de se associar à Pfizer para escalar”, lamenta.
Além do aumento de investimento pedido, os especialistas querem processos de avaliação mais rápidos e eficientes, a par com a redução da carga burocrática em cada país e um impulso aos projetos comunitários para a partilha de dados. “A Presidência [Portuguesa da UE] vai trabalhar para alargar o intercâmbio de informação existente entre Estados-membros com vista a contribuir para a criação do Espaço Europeu de Dados de Saúde”, garante o secretário de Estado Adjunto da Saúde, Diogo Serras Lopes.
Manuel Pizarro, eurodeputado, acredita que Portugal pode ter um papel importante na construção de uma nova cadeia de abastecimento no sector, aumentando a capacidade de I&D e produção nacional. “A economia portuguesa da saúde aumentou as exportações em 11% [em 2020] e, se virmos os últimos dez anos, a subida é de 150%”.
O reforço do investimento em I&D é, concordam, essencial. O Horizonte Europa disponibiliza, até 2027, cerca de 95 mil milhões de euros não apenas às ciências da vida e o EU for Health tem uma dotação orçamental de 5,1 mil milhões de euros. “Não é muito”, diz Pizarro.
No final de uma semana em que vários países europeus anunciaram a compra independente de vacinas contra a covid-19, a desintegração da entreajuda e da solidariedade deve ser evitada. “Vai a UE começar a construir uma economia da saúde europeia ou vai retroceder para o nacionalismo na saúde? Esta é a questão fundamental”, afirma Richard Barker.