Projetos Expresso

Governo criticado por fraca estratégia nos carros elétricos

Em Portugal há um ponto de carregamento para dez carros. Na Holanda, por exemplo, o rácio é de três
Em Portugal há um ponto de carregamento para dez carros. Na Holanda, por exemplo, o rácio é de três
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Projetos Expresso. Debate. Mercado automóvel teme que, sem mais apoios ao abate e à compra de novos carros e sem uma verdadeira rede de postos de carregamento, a meta de ter todos os carros elétricos em 2050 possa estar em causa

Governo criticado por fraca estratégia nos carros elétricos

Ana Baptista

Jornalista

O roteiro português para a descarbonização está carregado de metas e medidas para se chegar à neutralidade carbónica em 2050, e uma delas é que, nesse ano, todos os carros privados sejam elétricos. Mas será que Portugal está no bom caminho para atingir estes objetivos? Para os vários representantes do sector automóvel que estiveram na conferência de terça-feira organizada pelo Expresso e pela BP a resposta é clara: não. E a culpa não é dos fabricantes, que têm investido muito nas novas tecnologias; só este ano, “40% dos modelos que vão ser lançados são eletrificados”, diz Hélder Pedro, secretário-geral da Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP). Nem é por culpa da tecnologia ou por estes carros serem caros. “As baterias, que encarecem o valor, têm mais autonomia e estão a ficar mais baratas, mas no imediato são precisos incentivos”, nota o líder da ACAP. E só a isenção de impostos não chega, acrescenta Sérgio Ribeiro, CEO da Hyundai.

A culpa não é também das pessoas, que, apesar dos preços, têm comprado mais carros eletrificados, sejam 100% elétricos, híbridos ou híbridos plug-in. “Nas vendas de 2020 há crescimentos a três dígitos neste tipo de veículos”, repara Hélder Pedro. Porém, a base ainda é pequena. Segundo dados da ACAP, no ano passado venderam-se quase 48 mil carros a gasóleo, mas apenas perto de 8 mil elétricos e de 12 mil híbridos plug-in.

A culpa, garantem, é da falta de estratégia e de intervenção do Governo, e até lamentam que o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, não tivesse sido convidado para participar no debate. “Os construtores [de carros] estão a fazer a sua parte, mas o Governo não o está a fazer. Em vez de reforçar os incentivos à compra de veículos elétricos, mantém o mesmo valor, e eles acabam a meio do ano”, diz Sérgio Ribeiro. De facto, acrescenta Hélder Pedro, “no ano passado, a França e a Itália aumentaram o incentivo à compra de carros eletrificados para €6000, a Alemanha passou para €4000 e a Irlanda para €5000. É tudo o dobro do valor em Portugal. Nem aqui se avançou para a descarbonização”.

O Governo também “não dá passos para um verdadeiro incentivo ao abate das viaturas mais antigas, e Portugal tem um dos parques mais antigos na Europa, o que contribui para as emissões”, continua Sérgio Ribeiro. “E devia estar mais preocupado em criar condições para haver uma verdadeira rede de postos de carregamentos. Temos um posto por cada dez carros e na Holanda o rácio é de três.” “Não podemos avançar nos carros elétricos se não há postos de carregamento”, diz Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP).

Um mix de tecnologias

O parque automóvel do futuro “vai depender do tipo de utilização que as pessoas e as empresas fazem dos carros”, nota Sérgio Ribeiro, porque na verdade “são as pessoas que escolhem o tipo de automóvel que querem e não os governos”, diz João Barros, presidente da Veniam.

Ou seja, não será só um tipo de carro ou de tecnologia, mas sim um mix de todos. Assim, haverá carros 100% elétricos, híbridos e híbridos plug-in — que já estão à venda em Portugal —, e também carros a hidrogénio, uma tecnologia em desenvolvimento, da qual já existem alguns modelos (da Hyundai, Toyota e Honda), mas que ainda não se vendem por cá porque não há pontos de abastecimento. O mais perto que existe é em Espanha. Haverá ainda outras tecnologias que possam surgir entretanto, mas também carros a gasolina ou gasóleo. É que, mesmo que o Governo queira que todos os carros sejam elétricos em 2050, os combustíveis fósseis serão mais limpos e eficientes e continuarão a circular, assegura Carlos Barbosa.

Por fim, haverá soluções de mobilidade, como os carros autónomos e os carros partilhados. Os primeiros “ainda vão demorar”, nota João Barros, e os segundos já são uma realidade, mas o sector divide-se. Para Carlos Barbosa, será “muito difícil, porque o português é muito egoísta neste aspeto”, contudo, para João Barros, o futuro passa mesmo por aqui. “As pessoas gostam cada vez menos de guiar e vão mover-se menos, porque o trabalho remoto vai ser um dos impactos mais duradouros da pandemia”, remata.

Os 27 dos “50 para 2050"

  • Bruno Borges, Diretor de operações da Free Now
  • Carlos Barbosa, Presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP)
  • Carlos Fulgêncio, Coordenador em Portugal do The Climate Reality Project de Al Gore
  • Carlos Humberto de Carvalho, Primeiro secretário da Área Metropolitana de Lisboa
  • Dulce Álvaro Pássaro, Ex-ministra do Ambiente
  • Filipe Duarte Santos, Presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável
  • Francisco Ferreira, Presidente da Associação Zero
  • Hélder Pedro, Secretário-geral da Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP)
  • Helena de Oliveira Freitas, Professora catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
  • Joana Portugal Pereira, Cientista do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
  • João Barros, Presidente da Veniam
  • Luís de Picado Santos, Professor no Instituto Superior Técnico
  • Mário Martins da Silva, Diretor da área internacional do Automóvel Clube de Portugal
  • Miguel Feliciano Gaspar, Vereador de Mobilidade da Câmara de Lisboa
  • Miguel Lobo, Diretor de desenvolvimento de negócios da Lightsource BP
  • Mira Amaral, Ex-ministro da Energia
  • Nuno Afonso Moreira, CEO da Dourogás
  • Nuno Lacasta, Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente
  • Otmar Hübscher, CEO da Secil
  • Patrícia Fortes, Investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
  • Pedro Amaral Jorge, Presidente da APREN
  • Pedro Barata, CEO da Get2C
  • Pedro Miranda, Investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
  • Pedro Oliveira, CEO da BP Portugal
  • Sérgio Ribeiro, CEO da Hyundai Portugal
  • Tiago Lopes Farias, CEO da Carris
  • Tiago Martins de Oliveira, Presidente da Agência de Gestão Integrada dos Fogos Florestais

Os próximos debates

O encontro de terça-feira, 9 de fevereiro, marcou o regresso do projeto “50 para 2050” e, dos dez debates que fazem parte desta parceria entre o Expresso e a BP, estão agora a faltar quatro que vão acontecer no mês de fevereiro e março, até chegar aos 50 especialistas. O próximo encontro será já na próxima terça-feira, 16 de fevereiro, e terá como tema os sistemas de captura de carbono, uma das vias para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera. Na semana seguinte, também \na terça-feira 23 de fevereiro, será a vez de discutir os impactos da logística e da distribuição, um tema pertinente no que toca à descarbonização, já que os transportes contribuem com um quarto das emissões de GEE. O projeto “50 para 2050” prosseguirá, a 2 e 9 de março, igualmente terça-feira, e sempre às 11h no Facebook do Expresso. A 2 de março discutir-se-á o mercado de carbono, defendido por uns e criticado por outros, e a 9 de março, a terminar, será a vez de debater a eficiência energética nos edifícios e o contributo que tem para a neutralidade carbónica.

Textos originalmente publicados no Expresso de 12 de fevereiro de 2021

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