As metas e medidas incluídas nos processos de descarbonização e de transição energética não estão apenas ligadas à produção e ao consumo de energia. Ter uma mobilidade mais sustentável nas cidades é também uma das principais áreas de intervenção, mas nela não cabem apenas os combustíveis mais eficientes e amigos do ambiente. Cabem as melhorias nas redes de transportes de passageiros e mercadorias e nos transportes individuais e partilhados, e ainda a arquitetura e organização das cidades. Em suma, é um universo tão abrangente quanto complicado e que, por isso, requer “soluções integradas e diversificadas”, diz ao Expresso, Luís de Picado Santos, professor do Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa.
De acordo com este responsável, neste momento, o que está em cima da mesa é um sistema de mobilidade que seja suportado por uma rede de transportes coletivos que chegue a mais zonas, que sejam mais confortáveis, mais frequentes e tenham preços acessíveis “que não podem pagar todos os custos associados”. Mas a isto é preciso juntar a mobilidade partilhada (bicicletas, motas ou carros), mas também os carros, porque “o transporte privado não vai desaparecer”, alerta. E é preciso juntar ainda infraestruturas como parques de estacionamento nas periferias das cidades para que, quem vem de longe possa deixar o carro e depois deslocar-se de autocarro, metro, táxi, uber ou semelhantes, ou ainda de bicicleta ou mota partilhada.
Tudo isto com combustíveis amigos do ambiente, tanto nos transportes coletivos como nos privados. Aliás, é aqui que as metas são mais duras. De acordo com o roteiro para a descarbonização, o objetivo é ter 33% dos carros privados a operar a energia elétrica já em 2030 - daqui a 10 anos - e ter 100% em 2050. Há ainda o objetivo de ter quase 100% dos ligeiros de mercadorias também elétricos em 2030 e, em 2050, ter a maior parte dos pesados de mercadorias movidos a biocombustíveis e eletricidade.
Luís de Picado Santos lembra que já há muito trabalho feito para atingir todos estes objetivos e muito mais a ser preparado. Por exemplo, o Plano de Recuperação e Resiliência, criado para combater a crise económica provocada pela pandemia de covid-19, prevê um total de perto de €14 mil milhões para investir na economia portuguesa, dos quais mais de €mil milhões estão destinados aos transportes, como a expansão dos metros de Lisboa e Porto e a descarbonização dos transportes públicos. Prevê ainda a construção de uma central de hidrogénio verde em Sines, como apoio à utilização de combustíveis mais amigos do ambiente além da eletricidade e dos biocombustíveis, principalmente nos pesados de mercadorias e nos navios de carga.
Além disso, a Carris, em Lisboa, tem vindo a apostar na substituição dos antigos autocarros a gasóleo por carros a gás natural e, mais recentemente, a eletricidade; no final de outubro deste ano foi lançado um concurso para instalar mais 12 pontos de carregamento ultra-rápido para carros elétricos, e há cada vez mais marcas de topo a apostar no fabrico e venda de carros elétricos e híbridos. Aliás, segundo dados da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) disponíveis no site, em setembro foram vendidos 1.952 carros elétricos e híbridos, um “novo recorde mensal”, sendo que destes 1.176 são híbridos e 776 são 100% elétricos.
O professor do IST não acredita, contudo, que esta mobilidade mais sustentável, eficiente e confortável seja alcançável nos próximos 10 anos. “Só podemos olhar para este futuro no espaço de 20 ou 30 anos”, diz. Mas ressalvando que não é por falta de tecnologia, mas sim porque associado a tudo isto há interesses políticos e económicos que podem atrasar ou alterar os processos.
Estes serão alguns dos temas que estarão em cima da mesa do debate desta terça-feira, até porque o painel reúne oradores de várias áreas ligadas à mobilidade. Além de Luís de Picado Santos estarão presentes Bruno Borges, chefe de operações da Free Now; Carlos Humberto de Carvalho, primeiro secretário da Área Metropolitana de Lisboa; Miguel Feliciano Gaspar, vereador da Economia e Inovação, Mobilidade e Segurança da Câmara Municipal de Lisboa; Tiago Lopes Farias, CEO da Carris; e ainda Pedro Oliveira, CEO da BP Portugal.
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