Já estabelecemos nas páginas do projeto 50 para 2050 que combater as alterações climáticas e descarbonizar a sociedade não é uma ambição, mas antes uma emergência social e económica. E também já estabelecemos que existem metas e datas bem definidas para chegar à neutralidade carbónica. Mas a forma como se irão atingir essas metas e como se fará a transição para energias mais limpas e para um consumo mais eficiente é ainda um processo em desenvolvimento, que se avizinha complexo e, em alguns casos, divergente em termos políticos, financeiros e sociais. Porquê? Porque falamos de mudanças profundas, que implicam investimentos elevados e exigem alterações comportamentais e culturais que têm de ser implementadas num período de tempo curto, entre os 10 e os 30 anos.
Como diz Pedro Amaral Jorge, estamos num “ponto de aceleração” da transição energética e numa fase em que “vamos acentuar mais os investimentos”, porque algumas das alterações que se fizeram nos últimos 25 anos — e que foram muitas, nomeadamente no campo das energias renováveis — agora terão que ser feitas “em oito”. Por exemplo, hoje “temos 60% de toda a eletricidade consumida provenientes de renováveis, mas para 2030 o objetivo é ter 80%”, diz. Para tal está previsto aumentar a capacidade solar instalada em Portugal, porque, frisa Miguel Lobo, não só “o custo dos painéis desceu 20 vezes em 10 anos” como “em Portugal o mesmo painel produz até 60% mais do que na Alemanha”, ou seja, há mais facilidade em captar investimento. Até já está previsto investir no hidrogénio verde, uma fonte de energia que aproveita as renováveis e que “será uma das melhores soluções para a indústria, incluindo a exportadora, e para os transportes pesados”, afirma Nuno Afonso Moreira.
Há depois investimentos noutras áreas que envolvem mais diretamente as pessoas, como a eficiência energética e a mobilidade nas cidades. Segundo Tiago Farias, a pandemia trouxe mudanças comportamentais que vão permanecer no pós-covid e que até permitem acelerar o trabalho que está a ser feito. Por exemplo, em outubro deste ano bateu-se “o recorde absoluto de bicicletas a andar na cidade de Lisboa”, segundo Miguel Feliciano Gaspar. Aliás, para Bruno Borges, as bicicletas vão ter um papel cada vez mais importante, porque, se os transportes públicos podem ser “a espinha dorsal da mobilidade futura das cidades”, tem “de existir uma integração com outros modos de transporte”, como bicicletas, trotinetas, motos partilhadas ou automóveis TVDE. Luís de Picado Santos até considera que já “não há necessidade de se ser dono de um carro”, porque “três quartos dos veículos privados não têm atividade além dos 30 minutos por dia” e é possível alugar consoante as necessidades. Pelo seu lado, Mário Martins da Silva entende que os carros privados não irão desaparecer neste novo mapa da mobilidade. Terão é de ser mais sustentáveis e, de facto, há cada vez mais carros elétricos a circular em Portugal (ver coluna à direita).
Mas será que a economia portuguesa consegue suportar tudo isto? Mira Amaral considera que “não devemos exagerar e querer estar acima das metas europeias”, porque já estar em linha com elas “implica um esforço muito grande de uma economia” que está fragilizada pela covid. Contudo, Pedro Amaral Jorge lembra que a maior parte dos investimentos vão ser privados e realça que “a transição energética é uma oportunidade de criar um outro sector económico — não associado aos combustíveis fósseis —, que, a par do turismo, pode também contribuir para o PIB”.
Energia solar é o próximo passo
CRESCIMENTO Portugal tem atualmente 957 megawatts (MW) de energia solar instalada, que produz 2% a 3% da eletricidade consumida. Em 2019 foram atribuídos, em leilões, 2000 MW de projetos solares, aos quais se juntam mais 800 MW atribuídos fora dos leilões. Em 2021, a atribuição pode passar, por exemplo, pela instalação de painéis nos separadores centrais das autoestradas.
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carros elétricos e híbridos plug-in foram vendidos em Portugal nos primeiros 10 meses de 2020, acima dos 13.023 adquiridos em 2019, segundo a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE). Há quatro meses seguidos que as vendas de 2020 ultrapassam as de 2019.
O hidrogénio verde ganhou força na transição energética e pode ser usado como combustível nos pesados de mercadorias e navios. Está prevista uma central em Sines.
E se houver passes grátis?
TRANSPORTES PÚBLICOS São considerados a “espinha dorsal da mobilidade futura das cidades”, mas para que o possam realmente ser são precisas mudanças. Para Carlos Humberto Carvalho, é preciso “simplificar os sistemas de bilhética” e até trabalhar para ter passes grátis “para alguns sectores da população”, como, por exemplo, “todos os alunos do ensino obrigatório”.
Os 23 dos 50 para 2050
- Bruno Borges, diretor de operações da Free Now
- Carlos Fulgêncio, coordenador em Portugal do The Climate Reality Project, de Al Gore
- Carlos Humberto de Carvalho, primeiro secretário da Área Metropolitana de Lisboa
- Dulce Álvaro Pássaro, ex-ministra do Ambiente
- Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável
- Francisco Ferreira, presidente da associação Zero
- Helena de Oliveira Freitas, professora catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
- Joana Portugal Pereira, cientista do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas
- Luís de Picado Santos. professor no Instituto Superior Técnico
- Mário Martins da Silva, diretor da área internacional do Automóvel Clube de Portugal
- Miguel Feliciano Gaspar, vereador de Mobilidade da Câmara de Lisboa
- Miguel Lobo, diretor de desenvolvimento de negócios da Lightsource BP
- Mira Amaral, ex-ministro da Energia
- Nuno Afonso Moreira, CEO da Dourogás
- Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente
- Otmar Hübscher, CEO da Secil
- Patrícia Fortes, investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
- Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN
- Pedro Barata, CEO da Get2C
- Pedro Miranda, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
- Pedro Oliveira, CEO da BP Portugal
- Tiago Lopes Farias, CEO da Carris
- Tiago Martins de Oliveira, presidente da Agência de Gestão Integrada dos Fogos Florestais
Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de dezembro de 2020
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