Continuidade no tratamento da depressão está “muito longe do desejado”, mas há uma app que permite reduzir o número de consultas
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Uma iniciativa nacional desenvolveu uma plataforma web para guiar o paciente no tratamento da depressão. Permite reduzir o número de sessões de psicoterapia, diminuir os custos associados e manter a eficácia
Uma em cada duas pessoas na União Europeia sentiram-se deprimidas ou ansiosas nos últimos 12 meses, segundo o Eurobarómetro de 2023. Em Portugal, eram quase três em cada cinco. Face às dificuldades de acesso ao cuidado de saúde mental necessário, um projeto decidiu desenvolver uma aplicação para utilizar na psicoterapia no tratamento da depressão, que é capaz de diminuir o número de sessões.
As longas filas de espera no acesso aos cuidados públicos de saúde mental e o custo elevado de recorrer à psicoterapia nos hospitais privados são dois dos obstáculos para quem sofre de depressão. O projeto iCare4Depression quis resolver este problema e desenvolveu uma solução inovadora que combina psicoterapia cognitivo-comportamental face a face, uma terapia que envolve o paciente e promove a sua participação ativa, com um tratamento baseado na internet.
Através de uma app, Moodbuster, o paciente tem acesso a diversas ferramentas e tarefas que o profissional de saúde lhe atribui. Não é um “substituto” do psicólogo, mas uma forma de reduzir o número de sessões e de guiar o tratamento. “É muito parecido com um livro de autoajuda, mas baseado em princípios claramente identificados e testados empiricamente”, explica João Salgado, investigador principal do projeto e vice-reitor da Universidade da Maia.
Ao realizar algumas atividades autonomamente, poupa-se tempo, o que reduz o número de sessões presenciais. O tratamento habitual demora cerca de quatro meses com consultas semanais, o que corresponde entre 16 e 20 sessões. Com esta metodologia, conseguiram reduzir as consultas para nove. “Ao reduzir-se o número de sessões presenciais, potencialmente, podemos tratar com a mesma eficácia e com menos custos associados”, afirma.
App Moodbuster
DR
Apesar das vantagens, a escalabilidade desta ideia é complexa. “Foi bastante mais difícil, não por falta de vontade das unidades de saúde ou dos provisionais, que acolheram bem a ideia, mas porque há uma grande dificuldade dos nossos serviços de saúde em garantir a qualidade mínima do serviço”, revela. São “raríssimas” as unidades de saúde que conseguem assegurar uma frequência semanal de sessões com o tempo necessário. João Salgado recorda que “muitas vezes, as unidades de saúde estão a trabalhar com consultas de 30 minutos uma vez por mês, ou uma vez de dois em dois meses”.
O atendimento de quem sofre de depressão está “muito longe do desejado”, o que se traduz em dificuldades na implementação desta plataforma web. Uma falta de periodicidade adequada de consultas significa que os pacientes ficam “quase em auto-ajuda” com apenas acesso à app. “Por exemplo, se tiver uma tendinite e tiver uma sessão de fisioterapia uma vez por mês, não vai resultar” e acontece o mesmo nos cuidados de saúde mental. “Muitas vezes, os nossos cuidados de saúde privilegiam a quantidade de consultas feitas e não a sua continuidade e qualidade”, afirma.
Apesar desta dificuldade, o projeto verificou uma enorme disponibilidade e interesse dos pacientes para adotar esta psicoterapia combinada. O docente universitário destaca ainda outra vantagem na utilização desta plataforma: a possibilidade de os profissionais de saúde verificarem o progresso dos seus pacientes em tempo real. “Pode estabelecer-se algum contacto diferente entre sessões, o que promove uma maior adesão, em vez de termos uma consulta hoje, outra daqui a uma semana e não existir nenhum contacto durante esse tempo”, explica João Salgado.
A utilização da app Moodbuster permite dar mais meios aos pacientes para que possam escolher o seu tratamento. “Um bom preditor do sucesso de um tratamento em psicologia e em psicoterapia é darmos poder de escolha às pessoas”, assegura. Por enquanto, e por falta de um operador que faça a manutenção informática da plataforma, esta está “na gaveta”, mas pode ser “facilmente recuperada”.
A ajuda imprescindível dos fundos comunitários
O projeto iCare4Depression foi desenvolvido pela Universidade da Maia, em conjunto com o INESCTEC. Através do programa COMPETE 2020, recebeu o financiamento de cerca de 172 mil euros, do qual 146 mil euros são do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.
“Se não fosse esse financiamento, não conseguiríamos ter levantado isto do chão”, afirma João Salgado. Este apoio permitiu adquirir o material necessário, assim como contratar os recursos humanos fundamentais para o desenvolvimento desta ideia.