Guerra na Ucrânia

Governo simplifica reconhecimento profissional de refugiados ucranianos

Lviv durante a invasão Russa da Ucrania. Estação de comboio de Lviv por onde milhares de pessoas tentam deixar o país. Ucrânia. FOTO TM
Lviv durante a invasão Russa da Ucrania. Estação de comboio de Lviv por onde milhares de pessoas tentam deixar o país. Ucrânia. FOTO TM

Conselho de Ministros aprovou simplificação do reconhecimento das qualificações profissionais dos refugiados ucranianos que cheguem a Portugal. Ordens profissionais e empresários aplaudem

Governo simplifica reconhecimento profissional de refugiados ucranianos

Cátia Mateus

Jornalista

As confederações patronais já o tinham requerido e o Governo avançou na decisão. O Conselho de Ministros desta quinta-feira aprovou o decreto-lei que estabelece um conjunto de medidas excecionais no âmbito da concessão de proteção temporária a pessoas deslocadas da Ucrânia, de forma a permitir assegurar um efetivo e célere processo de acolhimento e de integração. Entre elas está o processo de simplificação do reconhecimento das qualificações profissionais dos refugiados ucranianos que entrem em território nacional.

O decreto-lei aprovado pelo Executivo reduz as exigências previstas em legislação setorial, dispensando os cidadãos ucranianos que entrem em Portugal na condição de refugiados das formalidades de legalização de documentos emitidos por entidades estrangeiras, certificação ou autenticação de traduções para português de documentos redigidos em língua estrangeira, certificação ou autenticação de fotocópias de documentos originais, bem como do pagamento de taxas e emolumentos de inscrição ou de outra natureza. Reconhece ainda o “estatuto de estudante em emergência por razões humanitárias”.

Recorde-se que na passada semana, em declarações ao Expresso, João Vieira Lopes, presidente da Confederação de Comércio e Serviços de Portugal, tinha defendido esta mesma solução, sinalizando a disponibilidade e vontade dos empregadores nacionais em assegurar uma integração plena dos refugiados ucranianos no mercado de trabalho nacional, mas alertando: “Muitos destes refugiados são profissionais qualificados e profissionalmente integrados no seu país. É determinante criar um processo simplificado de certificação de competências para estas pessoas”. Sugestão que o líder dos patrões do comércio e serviços fez chegar a António Costa.

Mais de 18 mil vagas de emprego para refugiados

Os dados mais recentes relativos ao número de ofertas de emprego para refugiados ucranianos disponibilizadas na plataforma criada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) apontam para um total de mais de 18 mil vagas. Muitas destas oportunidades que estão a ser geradas são em áreas onde os empregadores nacionais registam grandes dificuldades de contratação – construção, engenharias, tecnologias de informação, saúde, transportes, restauração e hotelaria -, mas em alguns casos exigem o reconhecimento de competências. Um processo que nem sempre é fácil, tendo em conta que as pessoas que fogem da guerra saem muitas vezes sem conseguir levar qualquer certificado de habilitações, que comprove os seus graus e diplomas.

Do lado das ordens profissionais a disponibilidade para simplificar é total. Em declarações ao Expresso, ainda antes de ser conhecida a decisão do Governo, a Ordem dos Advogados posicionou-se favoravelmente à criação de um “plano simplificado de reconhecimento de competências” capaz de “proteger os direitos fundamentais, incluindo o direito ao trabalho, dos cidadãos ucranianos que fogem desta guerra de agressão ilegítima e imoral”. Fonte oficial da Ordem dos Advogados referiu ainda que “desde muito cedo, logo a seguir a 24 de Fevereiro, prosseguindo com o protocolo de diálogo e cooperação outorgado em 2018 com a Associação Nacional de Advogados da Ucrânia, a Ordem disponibilizou-se a divulgar profissionais em apoio gratuito a todos os cidadãos refugiados”.

1400 advogados disponíveis para ajudar ‘pro bono’

Há neste momento “mais de 1400 advogados que se voluntariaram para prestar apoio jurídico “pro bono”, o que muito honra a Ordem dos Advogados. Qualquer desses advogados poderá ajudar os cidadãos ucranianos a obterem a certificação das suas competências”, vinca a Ordem. Na verdade, o processo de reconhecimento de competências não é simples.

“Primeiramente é necessário o reconhecimento dos graus e dos diplomas estrangeiros em Direito, emitido pela autoridade competente do Ensino Superior. Nenhuma certificação profissional é possível sem esta etapa externa e prévia à Ordem dos Advogados”, refere. Apenas depois do reconhecimento dos diplomas, no caso de cidadão proveniente de um Estado terceiro, que não integra a União Europeia ou o Mercado Único, o interessado, tal como os outros candidatos, pode apresentar pedido de inscrição nos Conselhos Regionais da Ordem dos Advogados, realizar um estágio técnico-profissional e deontológico, que terminará após aprovação no exame de agregação e que poderá durar até 18 meses.

A existência desse estágio é essencial na advocacia, como é noutras áreas “uma vez que o reconhecimento de competências profissionais numa área como a da Justiça (como sucede na área da Saúde em que os bens jurídicos coletivos em causa são de igual importância), tem que ser feito de forma a assegurar que os cidadãos têm profissionais qualificados para defesa dos seus direitos fundamentais, já que um processo judicial pode colocar em causa o seu património e até a sua liberdade de forma irreversível”.

A Ordem dos Farmacêuticos também “concorda com a alteração excecional e criação de um plano simplificado de acolhimento de refugiados em Portugal e a simplificação temporária do reconhecimento das competências e qualificações profissionais”, defendeu fonte oficial ao Expresso, acrescentando no entanto que “atendendo a que na profissão farmacêutica, como profissão de saúde, impera o princípio da proteção da saúde pública, esta simplificação deve ter sempre em vista a proteção dos cidadãos e da saúde das populações”.

A Ordem integra atualmente 159 farmacêuticos ativos que reconheceram as suas qualificações profissionais estrangeiras em Portugal. Entre eles estão já farmacêuticos ucranianos estabelecidos em Portugal, desde 2005, “que poderão utilizar os seus conhecimentos linguísticos para auxiliar estes farmacêuticos ucranianos que procurem asilo em Portugal”. A Ordem confirma estar já “a reunir informações que permitam o estabelecimento de um contacto célere e eficiente”. Tanto mais que a proposta deste organismo é que, “dada a sensibilidade do tema da utilização de medicamentos, e a segurança da utilização dos mesmos, e para facilitar a introdução no mercado dos farmacêuticos ucranianos que procurem asilo em Portugal, estes sejam tutorados por farmacêuticos estabelecidos em Portugal, numa perspetiva de integração humanitária, permitindo assim o seu acompanhamento no início da sua atividade profissional” no país.

Os contabilistas certificados também aplaudem a simplificação. A Ordem dos Contabilistas diz-se “favorável à concretização de processos de simplificação do reconhecimento de competências para refugiados”. No entanto, destaca que é preciso ter em conta o facto de contabilista certificado ser uma profissão regulamentada. Ou seja, destaca a Ordem ao Expresso, “o acesso e exercício desta profissão em Portugal decorre do previsto no seu Estatuto – aprovado pela Assembleia da República e pelos regulamentos específicos – aprovados pelo Ministério das Finanças, entidade com tutela sobre a Ordem dos Contabilistas Certificados”.

“Face à falta de mão-de-obra, a vinda de técnicos qualificados na área de engenharia, e não só, pode novamente ser uma ajuda preciosa para o crescimento da nossa economia, aqui acresce a facilidade com que rapidamente aprendem a falar a nossa língua”

Carlos Mineiro Aires, Bastonário da Ordem dos Engenheiros

Na Ordem dos Engenheiros, a simplificação já é uma prática, contando atualmente com “4262 membros de origem estrangeira, oriundos maioritariamente dos países de língua oficial portuguesa com quem temos uma histórica ligação”, explica ao Expresso o bastonário, Carlos Mineiro Aires. “Há alguns anos que vimos recebendo pedidos de inscrição por parte de engenheiros ucranianos, cujos certificados de habilitações são exibidos e apreciados, como é natural, e na maior parte dos casos aprovados e integrados na Ordem dos Engenheiros”, realça.

Carlos Mineiro Aires acrescenta que “a Ordem tem sido um exemplo na integração de profissionais de outras nacionalidades, estabelecendo para o efeito, protocolos de cooperação e reciprocidade para darem cobertura aos interesses mútuos de mobilidade profissional, sempre que a Diretiva Europeia da Mobilidade não pode ser aplicada”. O bastonário vinca ainda que “face à falta de mão-de-obra, a vinda de técnicos qualificados na área de engenharia, e não só, pode novamente ser uma ajuda preciosa para o crescimento da nossa economia, aqui acresce a facilidade com que rapidamente aprendem a falar a nossa língua”.

Intervenção Europeia para simplificar

Também a Ordem dos Arquitetos defende que “correspondendo a uma crise humanitária, deve ter todo o apoio ao nível da simplificação e, portanto, também nesta área, mesmo que tal implique um esforço adicional de cooperação das nossas estruturas, deve ser apoiada a simplificação burocrática”. No entanto realça que “importa fazê-lo, claro, garantindo os direitos de todos”. Relativamente ao emprego qualificado, sinaliza a Ordem dos Arquitetos, “existe a questão conexa do reconhecimento das qualificações profissionais, que não pode deixar de ocorrer de forma regulamentada. Algumas Associações Públicas já estão a considerar a forma de lidar com esta questão a nível nacional, mas é necessário também esse esforço a nível das instituições europeias”.

Já a Ordem dos Psicólogos, realça que “tem proposto de forma geral a simplificação de procedimentos na administração pública, não só como forma de melhorar o acesso aos serviços prestados pelos psicólogos, mas também como estratégia global de melhoria em termos de efectividade das políticas públicas”. No que diz respeito aos seus processos, “a Ordem dos Psicólogos, nos termos da legislação aplicável, tem feito um caminho de simplificação, que reconhece ainda ter muito para ser trilhado. A título de exemplo, tem alterado processos de verificação documental para declarações sob compromisso de honra em equilíbrio com a segurança para os cidadãos requerida pelos respetivos atos em causa”, realça o bastonário, Francisco Miranda Rodrigues reforçando: “somos favoráveis à simplificação, no limite das garantias de segurança para os clientes dos nossos profissionais, garantidas a equidade e reciprocidade sempre que aplicável. Se feito neste equilíbrio, permite a integração no mercado de trabalho e a defesa do interesse público em simultâneo. Mais ainda numa situação de absoluta urgência e excepcionalidade”.

A Ordem dos Psicólogos integra atualmente cerca de mil membros com cidadania ou formação académica concluída no estrangeiro. Francisco Miranda Rodrigues defende que “no caso dos psicólogos, é importante e poderá tornar-se urgente que se adotem algumas medidas de mobilidade profissional num espaço europeu da UE alargada, de modo a facilitar a livre circulação de profissionais com título reconhecido no país de origem por todo o restante espaço europeu”. O que, vinca, evitaria a necessidade de reconhecimento de títulos académicos. “Atualmente as diretivas comunitárias já o consideram para médicos, enfermeiros, médicos dentistas, farmacêuticos e arquitetos, entre outras profissões, mas ainda não o consideram para psicólogos”, realça.

O Expresso questionou também as ordens dos Médicos e Enfermeiros, mas ainda aguarda resposta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cmateus@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate