Passos Coelho é inimigo da família política
Montenegro julgava que o seu principal desafio seria moderar a direita radical, mas aparentemente precisará primeiro de moderar a direita moderada
Humorista
Montenegro julgava que o seu principal desafio seria moderar a direita radical, mas aparentemente precisará primeiro de moderar a direita moderada
“Identidade e Família” é o nome do livro que Pedro Passos Coelho aceitou apresentar esta segunda-feira. Um conjunto de textos de figuras da direita mais conservadora que se posiciona contra "a destruição da família tradicional", a "ideologia de género" e a "transformação do aborto e da eutanásia em direitos". Depois de ter associado uma alegada insegurança à imigração, o antigo primeiro-ministro aderiu à tendência nacional de alteração de logótipos. No caso, Pedro Passos Coelho preferirá que o símbolo do PSD passe a ser azul, com letras brancas e que nessas letras se leia "CHEGA!".
O livro denuncia o perigo da escola pública se tornar num local de "doutrinação ideológica". É um alerta para ser levado a sério. Este livro tem indubitável autoridade para se debruçar sobre a lavagem cerebral, já que conta com o contributo de autores que pertencem à Igreja Católica Portuguesa ou à Católica School of Business and Economics. E é precisamente um professor desta faculdade que produz, neste livro, uma brilhante ruptura académica sobre igualdade de género: João César das Neves nega a opressão qualquer opressão sobre as mulheres porque (1) há mais mulheres do que homens e (2) "nunca se queixavam ou manifestavam o seu desagrado". Ou seja, à mulher de César das Neves não basta ser oprimida, deve parecer oprimida.
A associação de Pedro Passos Coelho a estas causas é uma vitória de Montenegro, que tem a oportunidade de "matar o pai" político, processo que já se tinha iniciado quando discordou “totalmente” da posição de Passos sobre a eutanásia. Tal como aconteceu com Gonçalo da Câmara Pereira ou Paulo Núncio, estas ocasiões permitem-lhe fazer o papel de sobrinho com algum mundo que reage com condescendência às parvoíces que os tios mais reaccionários defendem. Montenegro julgava que o seu principal desafio seria moderar a direita radical, mas aparentemente precisará primeiro de moderar a direita moderada.
Passos Coelho não é autor de nenhum dos textos do livro. Porém, dado que cada pigarreio seu é interpretado como um regresso sebastiânico, o ex-primeiro-ministro sabe perfeitamente que apresentá-lo constitui uma assunção de afinidade com o conteúdo. Uma das razões que nos levam a aceitar convites para convívios sociais que podíamos perfeitamente rejeitar é o fear of missing out - FOMO. Ora, Pedro Passos Coelho ficou com FOMO do mofo. Em termos de efeitos na política quotidiana, esta iniciativa não é lá muito conservadora. Sobretudo, para quem pretende que o PSD se conserve no poder sem se aliar ao Chega. Numa altura em que o PSD procura afirmar-se como partido de centro, Pedro Passos Coelho é inimigo da família política.
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