Ativismo climático: está a passar “linhas vermelhas” ou é a única resposta à “inação governativa”?
Protestos pelo clima no Liceu Camões. Um grupo de estudantes fechou a escola a cadeado, em Lisboa.
TIAGO MIRANDA
Arremesso de tinta verde a ministros, colagens a aviões ou pinturas em sedes de grandes empresas: as ações climáticas têm-se multiplicado e atingido novos contornos. Entre os jovens ligados ao clima, tanto há quem receie que se estejam a ultrapassar “linhas vermelhas” como quem defenda que estas ações pressionam uma “mudança política”
À margem da crise política que faz cair o Governo, há uma onda de protestos climáticos que está a atingir novas proporções. O movimento Greve Climática Estudantil anunciou um reforço dos protestos, a partir do início desta semana, que passa por “parar escolas e instituições”.
O pico desta terceira vaga de protestos acontece a dia 24 de novembro com uma “visita de estudo” ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática – o ministro que tutela a pasta, Duarte Cordeiro, foi o primeiro a ser atingido com tinta verde por ativistas, seguindo-se depois o ministro das Finanças.
Contudo, estes métodos não são consensuais entre os jovens ligados ao combate às alterações climáticas. Francisco Paupério, de 26 anos, membro do partido Livre e da Federação dos Jovens Verdes Europeus, considerou que o arremesso de tinta verde ultrapassa uma “linha vermelha”. Também Catarina Barreiros, influencer e fundadora da marca Do Zero, disse temer que estes atos sejam “contraproducentes”. Já Mourana Monteiro, ativista pelo clima, defendeu que “violência” são antes as “falhas nas colheitas, fome, doenças, deslocações e mortes” que a “inacção governativa em políticas climáticas” provoca.
De fora do núcleo dos ativistas climáticos, há uma dupla visão sobre os métodos menos convencionais que estão cada vez mais a ser utilizados como forma de protesto. Por um lado, é reconhecida a “frustração” dos manifestantes causada por políticas climáticas que, ano após ano, continuam a ser pouco ambiciosas. Por outro, existe o receio que estes métodos possam conduzir a um menor apoio da sociedade civil à causa climática.
“Estas questões de desobediência civil surgem porque as manifestações tradicionais têm tido zero efeito nas políticas públicas do Governo”, explicou ao Expresso Francisco Paupério.
Apesar da falta de "efeitos práticos", o jovem do Livre não se revê neste tipo de ação reivindicativa e acredita antes no “envolvimento das pessoas na política”. Também Catarina Barreiros, de 31 anos, disse entender a “frustração” destes ativistas, mas questionou a “eficiência” dos métodos utilizados.
“Neste momento a ação climática pode não ter tanto efeito governativo, mas a sociedade civil está do lado da ação climática porque percebe que é preciso fazer alguma coisa”, disse. A CEO do projeto Do Zero, que começou com um site com produtos sustentáveis, defendeu que ações como “os ativistas portugueses que puseram 31 países da União Europeia no Tribunal Europeu por inação climática” podem trazer melhores resultados ao combate às alterações climáticas do que ações como deitar cimento em campos de golfe ou interromper reuniões governativas.
Francisco Paupério, de 26 anos, quer ser candidato ao Parlamento Europeu pelo Livre
Já no arremesso de tinta verde aos ministros do Ambiente e das Finanças – uma das ações da Greve Climática Estudantil que causou maior agitação social e críticas da sociedade civil –, os dois jovens discordaram quanto à gravidade do ato. “É uma linha vermelha no sentido em que é um ato de semi-violência. Percebemos que não vem desse lado emocional, mas pode sempre escalar. É um passo numa direção em que não queremos ir”, defendeu Francisco Paupério.
Pelo contrário, Catarina Barreiros considerou que o ato “não é nada por aí além”. “A sucessiva inação climática dos nossos governos é um crime maior que esse [atirar tinta verde a ministros]”, disse. Outra coisa, acrescentou a influencer, são ações “ilegais” como a montra partida da loja da Gucci, em Lisboa. “Se não acho que faça sentido alguém partir a minha casa porque é negacionista climático, então também não vou partir da casa de alguém por não acreditar nas alterações climáticas”, exemplificou.
Estas ações, assim como o movimento climático, estendem-se por quase todos os países europeus. Em Berlim, na Alemanha, a Porta de Brandemburgo também foi pintada com tinta laranja por ativistas climáticos, em setembro deste ano. “Sinto-me dividida. Consigo perceber porque é que muita gente fica irritada, vai custar milhares [de euros] aos contribuintes para limpar [o monumento] e não é imediata a ligação ao combate às alterações climáticas”, começou por partilhar Rita Pinto Coelho, de 28 anos, a viver na capital alemã e a trabalhar na CDP, organização responsável pelos rankings de sustentabilidade das empresas. Contudo, acrescenta: “ao mesmo tempo, as pessoas ficam irritadas com isto [protestos], mas não ficam irritadas quando ouvem que o planeta está a caminho da destruição”.
Catarina Barreiros, de 31 anos, influencer e fundadora da marca Do Zero
Dentro do movimento, como seria de esperar, vê-se estes protestos como adequados à “inércia” da ação governativa em matéria ambiental. “O termo radical é perfeito porque indica que estamos a ir à raiz do problema. É diferente de dizer que é violento. Levar com tinta e limpar ou chegar uns minutos atrasados ao trabalho porque uma estrada está a ser bloqueada não é violência”, defendeu Mourana Monteiro, de 26 anos.
A ativista climática, que já participou em protestos da Greve Climática Estudantil, admitiu que estes métodos são “incompreendidos por muita gente”, mas defendeu que isso acontece por falta de divulgação dos motivos que colocam estes jovens nas ruas.
“Fala-se pouco sobre os motivos que levam pessoas normais, professores, investigadores, estudantes, a parar o seu dia-a-dia e a dizerem que não aguentam mais informações como as reservas de água no Algarve poderem não garantir o consumo para o próximo ano ou estarem a ser construídos projetos imobiliários em zonas que vão estar submersas em 2050”. E acrescentou: “estamos a tentar acordar a sociedade para que não continuem adormecidos”.
Mourana Monteiro, de 26 anos, ativista por justiça climática na Greve Climática Estudantil e EcoPsi
A par do aumento dos protestos climáticos, aumentou também a resposta policial aos mesmos. Como o Expresso noticiou, já houve pelo menos 30 detenções relacionadas com ocupações de escolas e de ministérios e com o atirar de tinta a ministros, desde novembro de 2022. Existiram ainda detenções preventivas a ativistas climáticos, uma das vezes à entrada de uma sessão plenária na Assembleia da República e outra numa maratona EDP, em Cascais.
Mais recentemente, existiram também detenções, com grande aparato policial, de ativistas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa e na Faculdade de Psicologia de Lisboa. “Se acho que a ação policial é exagerada? Sim. Em 2021, apresentámos queixa contra a PSP dos Olivais pelos métodos violentos e intimidatórios com que nos detiveram, incluindo revistas sem roupa numa acção não violenta”, partilhou Mourana Monteiro. A jovem considera ainda as detenções preventivas ultrapassam uma linha “muito perigosa” pois colocam em causa o “direito de reunião e de manifestação”. “Gostava de ver um mundo onde a polícia vai lá [ações de ativistas climáticos] para proteger quem está no direito de se manifestar ao invés de violentar e deter”, acrescentou.
Em Berlim, Rita Pinto Coelho também denuncia uma ação policial “agressiva” para com os manifestantes. “Estes ativistas climáticos não violentos são mais perseguidos do que as empresas que destroem o planeta”, disse.
Rita Pinto Coelho, de 28 anos, a trabalhar em Berlim na CDP, organização responsável pelos rankings de sustentabilidade das empresas
Respostas alternativas: incorporar a sustentabilidade em “todos os tópicos” e resolver a partir de dentro
Quem não se identifica com as formas de protesto mais radicais, sugere outros métodos para criar mudanças a favor do clima. Uma delas passa por tentar “mudar as coisas por dentro”. “Faltam mais jovens a trabalhar dentro dos Ministérios, com os assessores e os ministros. Não basta estarmos contra estas instituições, temos de ir para dentro delas para conseguirmos fazer efetivamente mudança”, defendeu Catarina Barreiros. A jovem acredita que este caminho de trabalho com as entidades governativas, apesar de não causar mudanças ao ritmo pretendido, pode contribuir para resultados mais estruturais.
Estes jovens acreditam que também é necessário incorporar o combate às alterações climáticas nos restantes problemas do dia-a-dia. “Em vez de se colocar a crise climática como central, coloca-se antes as crises sociais em que há sempre uma parte de sustentabilidade associada a elas. Na crise da habitação, por exemplo, sabemos que precisamos de mais casas, mas temos de pensar como é que podemos construí-las da forma mais sustentável possível”, explicou Francisco Paupério. “É uma mudança de mentalidade em que sabemos que tudo o que fazemos tem de ser sustentável a partir deste momento”, acrescentou.