Geração E

“Não vi nenhuma medida que pensasse ‘era mesmo isto que precisava’”: estes jovens voltaram a escrever a António Costa

“Não vi nenhuma medida que pensasse ‘era mesmo isto que precisava’”: estes jovens voltaram a escrever a António Costa

Depois de responderem à carta do primeiro-ministro no início do ano, estes seis jovens voltaram a escrever a António Costa, agora depois da apresentação das medidas de apoio aos jovens. São “pouquíssimas melhorias” e, apesar da “criatividade”, todos concordam que são “insuficientes” para o cenário atual

Em janeiro, o Expresso pediu a sete jovens que respondessem ao artigo em que António Costa lhes prometia um país com futuro. O resultado foi uma série de críticas à governação e pedidos por “emprego atrativo e competitivo”, “neutralidade carbónica até 2030”, o fim dos “salários precários” e dos “enormes custos na habitação”. Oito meses depois, chegou um pacote de medidas focadas na “geração mais qualificada de sempre” que será aprovado pela maioria socialista no Orçamento de Estado e aplicado a partir de 2024. Contudo, estes mesmos jovens continuam sem ver “grande evolução” na resolução dos seus problemas. “Não vi nenhuma medida que pensasse ‘era isto mesmo que era preciso’”, disse Bernardo Serôdio, estudante de 23 anos.

O pacote de medidas para os jovens foi anunciado pelo primeiro-ministro na Academia Socialista – e inclui desde a devolução de propinas a quem ficar a estudar em Portugal a viagens gratuitas de comboio. Entre estes alunos e recém-trabalhadores, há quem elogie a “criatividade” do Governo, e quem classifique as medidas como “vazias” ou “eleitoreiras”. Mas há um aspeto em que todos concordam: são “manifestamente insuficientes” para fazer face à crise da habitação ou à precariedade. “Estas medidas à primeira vista parecem interessantes e com potencial, mas são claramente insuficientes”, partilhou Mariana Carvalho, de 25 anos.

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Propinas não são o “problema real” dos estudantes e devolução “não é suficiente” para manter jovens em Portugal

“É como se tivéssemos um navio cheio de buracos e vai-se tapar o buraco mais pequeno”, brincou Bernardo Serôdio. Para este estudante de Engenharia do Ambiente, os 697 euros anuais que gasta em propinas não é a maior despesa. “Enquanto estudante acho que o problema real não são as propinas, mas a habitação. Os preços dos quartos em Lisboa variam entre 350 e 400 euros, ou seja, só em dois ou três meses de renda já se gasta o valor que iriamos reaver das propinas”. Ainda assim, o jovem do Montijo defendeu que uma devolução “é sempre boa”. “Dou os parabéns ao Governo, mas é pouco”. Também Mariana Carvalho criticou o facto de a devolução ser feita após a conclusão do curso. “Os estudantes vão ter de pagar as propinas na mesma, numa altura em que a carga fiscal está cada vez maior”.

Já Tomás Fernandes, estudante de 18 anos, vê a questão de forma diferente. A conciliar a licenciatura em História com voluntariado na Refood, este jovem acredita que há “muitas famílias” que não conseguem “tirar 50 ou 60 euros por mês” para propinas. “Há famílias que nem cinco ou dez euros por mês conseguem pôr de parte. Vejo isso no meu voluntariado onde cada vez mais pessoas vão pedir ajuda para a alimentação”. O estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa apontou uma alternativa: “ou se acabam com as propinas ou se criam propinas progressivas consoante os rendimentos”.

A medida do Governo prevê que o valor da propina só seja devolvido aos estudantes que fiquem a trabalhar em Portugal – por cada ano trabalhado, é devolvido um ano de propinas –, como incentivo à retenção de talento. No entanto, poucos acreditam que tenha o efeito esperado. “Não sei até que ponto receber o valor da propina vai ser suficiente para fazer os estudantes ficarem em Portugal. Estou a acabar o mestrado e não sei se [receber a propina de volta] será suficiente para me manter cá”, assumiu Mariana Carvalho, a terminar o mestrado em Gestão na Universidade Nova de Lisboa. Bernardo Serôdio também apontou a medida como ineficaz. “Um jovem em Portugal ganha um salário de mil ou 1200 euros líquidos, no estrangeiro pode ganhar mais 600 ou 700 por mês. A diferença é tão grande que a medida não é significativa. É preciso mais para manter os jovens por cá”. Apesar de estar ainda no início da licenciatura, Tomás Fernandes também mantém a emigração como opção para conseguir um futuro melhor. “Adoraria ficar, mas é muito mais provável emigrar e acabar a receber esse valor [das propinas] em salário e de forma permanente”.

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IRS Jovem: a medida mais “interessante”

Outra das medidas a entrar em vigor em 2024 é a “total isenção de IRS no primeiro ano de trabalho” para os jovens até aos 35 anos. No segundo ano, pagam apenas 25% do que teriam de pagar em IRS; 50% no terceiro e quarto ano e 75% no quinto. Para os jovens entrevistados pelo Expresso, esta é a proposta que reúne mais elogios. “É uma medida boa, faz sentido”, considerou Bernardo Serôdio. Também Mariana Carvalho acha esta proposta “mais interessante” e vê como ponto positivo ser “extensível até aos 35 anos”.

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Transportes públicos devem ser “grátis”, “de qualidade”, para “todos” - e pensar a crise climática

À semelhança do que já acontecia em alguns municípios do país, os transportes públicos passam a ser gratuitos para todos os estudantes até aos 23 anos. Apesar da medida ser vista como “muito boa”, devia chegar acompanhada de uma melhoria na qualidade dos transportes. “O maior problema não são os 30 ou 40 euros do valor do passe, mas os transportes em si. Quer-se transportes públicos que qualidade em que se possa confiar”, declarou Ana Marcelino, de 18 anos, estudante na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, em Peniche.

Além disso, estes jovens acreditam que seria mais “proveitoso” se a medida abrangesse outras faixas etárias. “É uma medida muito boa, mas é questionável se deveria ser só para alunos e só até aos 23 anos. Vou de carro para o trabalho porque se for de transportes levo quase duas horas, mas se fossem gratuitos seria um incentivo. E com a crise climática, seria importante”, defendeu Mariana Carvalho. A omissão desta crise nas medidas apresentadas pelo Governo é uma das maiores críticas de Bianca Castro, ativista pela justiça climática. “Como é que não incluímos nada num pacote para os jovens quando se não houver respostas à crise climática nem futuro há?”. Oito meses depois de pedir a António Costa medidas “urgentes” para responder ao problema do aquecimento global, a jovem de 21 anos continua a ver um “Governo sem respostas”. “Há uma falsa ideia de que a crise climática ainda não chegou a Portugal, mas basta ver os recordes de temperatura que temos atingido todos os verões”. Para fazer face a esta crise, é necessário “acabar com os combustíveis fosseis até 2030” e transitar para “eletricidade 100% renovável e acessível”. Depois do protesto no Conselho de Ministros – onde 17 jovens foram detidos por bloquearem a entrada do IPMA e do Ministério do Mar –, os ativistas pela causa climática vão voltar à rua na manifestação de dia 30 de setembro. “Vamos reclamar uma casa para viver e um planeta para habitar. Sem resolver a questão do clima, todas as crises sociais se agravaram”, avançou Bianca Castro.

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Apoio ao alojamento estudantil “insuficiente”

O apoio escolar a estudantes deslocados, que varia entre os 200 e os 300 euros, é visto como insuficiente face aos preços da habitação que já se praticam em quase todo o território nacional. “Este apoio fica muito aquém. Pode ser uma ajuda, mas com o mercado de habitação cada vez pior estes valores não são suficientes”, defendeu Mariana Carvalho. Tomás Fernandes vai mais longe: “em Lisboa, estes apoios não pagam absolutamente nada. A principal preocupação dos jovens é conseguir uma casa. Entrar num site de imobiliário é assustador”.

Apesar do anúncio do Governo de construção de residências estudantis, Bianca Castro criticou a lentidão das respostas. “A par da escada de preços, as residências demoram. Continuamos sem respostas rápidas e com estudantes a pagar preços absurdos por quartos sem condições e muitos sem conseguir estudar porque não têm como pagar pela habitação”, disse Bianca Castro. E continuou: “é preciso baixar rendas e acabar com a precariedade e os salários baixíssimos. Muitas destas medidas são vazias, são pensos rápidos enquanto a ferida está mais profunda”.

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Cheques-livro e férias em pousadas: “distrações” que “não devem ser considerados medidas de apoio”

“Não consigo ver como é que os jovens vão ver cheques-livro e estadias em pousadas como solução para os problemas que encontram. É uma distração e não resolve os problemas de fundo”, atirou Bianca Castro. O rol de medidas do executivo socialista termina com um cheque para livros para cada cidadão que faça 18 anos (cujo valor ainda não foi conhecido), uma semana na rede das pousadas de juventude e quatro bilhetes de viagem na CP. “São bem-vindas, não devem ser consideradas medidas de apoio. Não é por aí que as coisas para os jovens vão mudar”, declarou Bernardo Serôdio. A resposta é partilhada com Mariana Carvalho que considerou “positivo” a aposta na cultura, mas vincou que não resolvem “nada de estrutural”. “É bom ver o Governo a ter novas ideias e a ter criatividade para arranjar soluções, mas continuam a ser insuficientes”, acrescentou.

Olhando para a globalidade do pacote anunciado por António Costa, o desanimo é quase transversal a todos os entrevistados. “Não vejo nestas medidas razão suficiente para um jovem que está a pensar em imigrar já não ir”, concluiu a estudante no mestrado em Gestão. Com as medidas a seguirem para debate no parlamento nas próximas semanas, há ainda margem para o Governo aceitar alterações. E Tomás Fernandes deixou propostas: “se querem fixar os jovens em Portugal têm de controlar os preços das casas – é impossível os jovens quererem ficar quando nem aos 30 conseguem sair de casa dos pais –, aumentar os salários e melhorar os serviços públicos”.

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